terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A claraboia e o holofote #31 (II)









Razões para lembrar de 1917





Em junho de 1967, a capa do álbum Sargent Pepper’s Lonely Heart Club Band trazia, no meio de gente moderna e ousada como James Joyce ou Marlon Brando, o rosto de Karl Marx. Em outubro, Ernesto “Che” Guevara foi morto nas matas da Bolívia e se tornou símbolo e mártir da luta revolucionária para militantes de todo o mundo. Em novembro, celebrou-se o cinquentenário da Revolução Russa. 


No discurso  aos camaradas e aos veteranos de 17, o premiê Leonid Brezhnev declarou que o partido leninista e o povo soviético sempre tinham sido leais aos princípios do internacionalismo proletário e que a terra dos sovietes continuava a ser um bastião de todas as forças que lutavam pela paz, pela liberdade e pelo progresso. As cinco décadas passadas desde 1917 tinham testemunhado, dizia Brezhnev, o esforço titânico de um povo que sacudiu para sempre o jugo da exploração, da pobreza e da ignorância e que, confiantemente, avançava para o futuro comunista. 


Não é preciso acreditar em Brezhnev, mas seria tolice duvidar do apelo emocional e político que certas expressões tinham em 1967: lutar pela paz, pela liberdade e pelo progresso; sacudir para sempre o jugo da exploração, da pobreza e da ignorância; avançar para o comunismo futuro.


Não que os intelectuais e estudantes desconhecessem as brutalidades do socialismo real. Nenhum militante esquerdista podia, em 1967, alegar ignorância a respeito dos nefandos processos de Moscou e da mortandade causada pela coletivização forçada ocorridos trinta anos antes. O esmagamento do levante húngaro ainda não tinha completado dez anos e, em breve, os tanques soviéticos seriam vistos nas ruas de Praga. A decepção com o stalinismo e com a suposta “degeneração” burocrática da União Soviética levaria muitos estudantes e intelectuais a apoiarem a China ou a depositarem suas esperanças em Cuba. Contudo, da mesma maneira que já tinham acreditado em Tito ou em Enver Hoxha, eles ainda iriam acreditar em Ceausescu ou em Pol Pot, antes de perceberem que se enganaram mais uma vez a respeito do canto de galo que anunciaria a aurora da Humanidade. 


Compreender a história dessa decepção permanente no plano político é, a meu ver, parte integrante do esforço teórico da esquerda para renovar as armas da crítica e manter de pé a bandeira da emancipação do gênero humano. Se o fiasco do socialismo realmente existente é, para a direita liberal-conservadora, o argumento decisivo contra o projeto emancipador, é desse fiasco que a esquerda deveria partir e é pela Revolução Russa que devemos começar.


(continua)





foto: "Glasnost", obra de Dmitri Prigov, 1989






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