cena IX
Rumo ao Outubro Vermelho
Rumo ao Outubro Vermelho
Embora o golpe de Kornilov tenha
fracassado sem nenhum tiro, suas consequências políticas foram graves. Seus
resultados foram precisamente o oposto do que o general e seus conselheiros
haviam esperado. O golpe deu às massas turbulentas e insatisfeitas o impulso
necessário para levá-las à ação revolucionária violenta. Ele solapou
completamente a frágil base de confiança em que se apoiava o Governo
Provisório.
Embora
pareça que tenha subestimado a força dos bolcheviques até o fim, Kerensky não
era cego ao fato de que, uma vez que a ameaça da direita tivesse desaparecido,
haveria uma ameaça mais séria da esquerda. Ele tentou levar adiante a velha
política de oscilar entre as forças conservadoras e radicais do país. (...) Mas
as possibilidades de manobras efetivas desse tipo eram pequenas. Até aqui o
Governo Provisório devia a sua relativa estabilidade ao fato de que a grande
maioria dos sovietes lhe concedia apoio formal, mas imediatamente após o caso
Kornilov os sovietes começaram a deslizar das mãos dos mencheviques e dos
socialistas revolucionários. Em 13 de setembro, o Soviete de Petrogrado, por
279 votos contra 115, com 51 abstenções, adotou uma resolução bolchevique, com
as conhecidas exigências de imediatas negociações de paz, confisco de
latifúndios e introdução do controle dos trabalhadores nas fábricas. O
comparecimento a essa seção tinha sido pequeno e um teste de força mais
decisivo teve lugar no dia 22, quando os mencheviques e os socialistas
revolucionários na presidência do soviete renunciaram. Uma truque político
esperto de Trotsky, que tinha sido libertado da prisão no dia 17, ajudou a
mudar a maré a favor dos bolcheviques: ele apontou que Kerensky ainda era
formalmente um membro da presidência e introduziu na votação o item da
confiança ou ausência de confiança em Kerensky, que não era popular entre os
baixos escalões militares, cujos votos decidiram o assunto. Os bolcheviques
obtiveram uma segunda e decisiva vitória, com 519 votos contra 414, e 67
abstenções.
A
partir desse momento o Soviete de Petrogrado, que gozava de mais autoridade na
capital do que o Governo Provisório, caiu nas mãos dos bolcheviques. No dia 8
de outubro, Trotsky foi eleito presidente do soviete. Com seu costumeiro senso
dramático, ele lembrou que tinha sido eleito para o mesmo posto em 1905, às
vésperas da supressão do soviete e da prisão de seus líderes pelo regimento
Ismailov. “Mas agora”, declarou triunfante, “o regimento Ismailov está
inteiramente diferente. Nós nos sentimos muito mais firmes agora do que então”.
Lenin
ainda estava escondido, com o risco de ser preso, mas os dois mais fortes
sovietes do país (Moscou seguiu o exemplo de Petrogrado e se tornou bolchevique
em 18 de setembro) estavam nas mãos do partido de Lenin. Petrogrado
e Moscou não estavam sozinhos. Já em 14 de setembro, o jornal bolchevique
“Trabalhadores” anunciou que 126 sovietes tinham requerido que o Comitê
Executivo Central do Soviete (Vtsik) tomasse o poder. O Vitsik, eleito pelo
primeiro Congresso dos Sovietes e dominado pelos mencheviques, não
tinha nenhuma intenção de realizar esse pedido, mas o clima dos sovietes locais
era bastante indicativo. No dia 18 de setembro, um congresso de sovietes no
centro radical da Sibéria, Krasnoyarsk, mostrou uma maioria bolchevique. No dia
seguinte, uma mensagem de Ekaterinburg, a principal cidade dos Urais, anunciou
que o poder passou para as mãos do soviete nessa importante região
mineira e industrial. Na grande fábrica Briansk, em Ekatarinoslav, na Ucrânia,
os trabalhadores aprovaram uma resolução de que “não reconhecemos o Governo
Provisório”. A mesma oscilação de pêndulo para a esquerda era visível nas
cidades do Volga, na bacia de Donetz. Já não era mais possível acreditar, como
tinha ocorrido no verão, que as províncias mais conservadoras se oporiam a um
avanço revolucionário em Petrogrado.
Ainda
mais significativo, porque mais próximo do centro nervoso do regime de
Kerensky, era a tendência na frota do Báltico e na Finlândia. No dia 23 de
setembro, um congresso regional dos sovietes na Finlândia adotou as resoluções
bolcheviques por grandes maiorias. Os socialistas revolucionários que tinham
sido eleitos no congresso eram quase todos membros da ala esquerda do partido,
que crescia agora firmemente e amiúde votava e agia com os bolcheviques.
A
frota do Báltico, que sempre havia sido uma pacificadora nas agitações contra o
Governo Provisório, tomou uma posição de clara oposição depois do caso
Kornilov. Essa atitude em relação ao comandante-em-chefe, Kerensky, foi
asperamente expressa em uma resolução publicada no congresso da frota do
Báltico, que continha os seguintes dizeres: “Nós exigimos a remoção das
fileiras do Governo Provisório do aventureiro político, Kerensky, como pessoa
que, por suas trapaças políticas a favor da burguesia, desgraçou a grande
revolução e, com ela, todo o povo revolucionário. Para você, traidor da
revolução, Bonaparte Kerensky, aí vão nossas maldições”.
(William Henry
Chamberlain, The Russian Revolution, Volume One, capítulo XIII)