sábado, 30 de junho de 2018

Dicionário aleatório #14








Conservadorismo  (parte I)


Os conservadores, numerosos hoje e cada vez mais desinibidos, proclamam suas certezas, sem se dar conta de que apenas repetem banalidades ou inverdades tão infaustas quanto os da esquerda moribunda. Eu, que me dedico à modesta e inglória tarefa de catalogar os episódios e documentos da Estupidez, vou colhendo material para um futuro tratado.

Nos últimos tempos, fiquei curioso com a admiração de meus amigos conservadores por Churchill. Na Livraria da Vila, ouvi um casal bisonho derramar elogios sobre “o líder conservador que derrotou o nazismo”. Meus amigos conservadores (ao menos os que são alfabetizados) também pensam assim. Para eles, sempre é importante ficar do lado do vencedor (o que me faz pensar de que lado estariam se estivéssemos no mundo d’O Homem do Castelo Alto). Não vou negar o carisma do velho buldogue fumarento, mas há algum exagero em acreditar que Hitler foi derrotado pela tenacidade de Churchill e não pelo avanço avassalador do Exército Vermelho após a Batalha de Stalingrado ou pela entrada dos Estados Unidos na guerra (o que equivaleria a conceder uns nacos de glória ao assistencialista Roosevelt e ao comunista Stálin). Tudo bem, muitos franceses também gostam de acreditar que foi o general De Gaulle que libertou a França e, entre nós, alguns abençoam o general Olímpio Mourão por nos salvar do perigo vermelho twice in a life. A seara das ilusões piedosas é infinita e cada um acredita nos unicórnios que quiser.

O problema é que, a meu ver, as credenciais conservadoras de Churchill não são tão nítidas quanto querem os meus amigos. Eu costumo lembrar-lhes que, em 1940, os conservadores autênticos eram o ex-primeiro ministro Neville Chamberlain, que entregara a Tchecoslováquia para aplacar a sanha devoradora de Hitler, e Lord Halifax, que acreditava  que o Reino Unido poderia obter uma paz – em separado - com a Alemanha nazista por intermédio da Itália de Mussolini. É verdade que eles não tinham o benefício da posteridade de que gozam os conservadores de hoje, que apostam tranquilamente no cavalo vencedor depois que a corrida foi ganha. No cenário incerto de 1940, Chamberlain e Halifax eram os verdadeiros conservadores, aqueles que realmente endossariam a definição – aliás muito bonita – do filósofo conservador Roger Scruton segundo a qual o conservadorismo é aquela convicção, que vem com a maturidade, de que as coisas boas são difíceis de conseguir, mas muito fáceis de perder. Por que envolver-se numa luta contra a Alemanha nazista, a maior máquina de guerra da Europa, se era possível fazer pactos com Hitler para que Picadilly Circus não fosse bombardeada? Por que arriscar-se a perder tudo de bom que havia sido conquistado nas Ilhas Britânicas?

Querer a paz e a ordem no seu jardim é o desejo mais sincero de um conservador. Os conservadores que eu conheço tremem só de imaginar revoluções cruentas e se mostram indignados com a guilhotina ou o assassinato dos Romanov, embora sejam capazes de dormir muito bem enquanto crianças são sacrificadas para aplacar a fúria de algum Moloch. This is not my business, dizem eles, e se viram de lado para roncar, sonhando com os seus jardins. Meus amigos conservadores me ensinaram que um bom conservador não se deixa levar por sentimentalismos baratos, a não ser quando se trata de chorar pela admirável mãe-coragem Maria Antonieta, pelo destino cruel dos pobres filhinhos do czar ou pela carga indevida de impostos que onera as empresa para alimentar uma legião de parasitas do poderoso Welfare State tupiniquim, admirado em toda a galáxia pela sua generosidade e alcance. Nesse caso, Deus nos livre do “mimimi” da direita.

Volto a sir Winston. Declarar guerra à Alemanha nada tinha de conservador. Tampouco o fim do famoso discurso de 28 de maio: “If this long island story of ours is to end at last, let it end only when each one of us lies choking in his own blood upon the ground”. Numa vã tentativa de protegerem-se da luz solar da verdade usando apenas o delicado tamis da fantasia, meus amigos juram que o velho era um conservador puro e citam o inevitável aforismo – na verdade uma frase feita que já corria nos meios políticos desde o século XIX – segundo o qual quem não é socialista aos vinte não tem coração, mas quem ainda é socialista aos quarenta não tem cérebro. Eu, que tenho mais de cinquenta e ainda sou socialista, sou um energúmeno descerebrado como o leitor bem sabe, mas o que dizer desses gênios precoces do MBL que juram ser conservadores aos 20 anos? Com certeza, eles não têm cérebro nem coração. Mas quem precisa disso para ser um conservador no mundo confuso de 2018?