Conservadorismo
(parte I)
Os conservadores, numerosos hoje e cada vez mais desinibidos,
proclamam suas certezas, sem se dar conta de que apenas repetem banalidades ou
inverdades tão infaustas quanto os da esquerda moribunda. Eu, que me dedico à
modesta e inglória tarefa de catalogar os episódios e documentos da Estupidez, vou
colhendo material para um futuro tratado.
Nos últimos tempos, fiquei curioso com a admiração
de meus amigos conservadores por Churchill. Na Livraria da Vila, ouvi um casal
bisonho derramar elogios sobre “o líder conservador que derrotou o nazismo”.
Meus amigos conservadores (ao menos os que são alfabetizados) também pensam
assim. Para eles, sempre é importante ficar do lado do vencedor (o que me faz
pensar de que lado estariam se estivéssemos no mundo d’O Homem do Castelo
Alto). Não vou negar o carisma do velho buldogue fumarento,
mas há algum exagero em acreditar que Hitler foi derrotado pela tenacidade
de Churchill e não pelo avanço avassalador do Exército Vermelho após a Batalha
de Stalingrado ou pela entrada dos Estados Unidos na guerra (o que equivaleria a
conceder uns nacos de glória ao assistencialista Roosevelt e ao comunista
Stálin). Tudo bem, muitos franceses também gostam de acreditar que foi o
general De Gaulle que libertou a França e, entre nós, alguns abençoam o general Olímpio Mourão por nos salvar do perigo vermelho twice in a life. A seara das ilusões piedosas é
infinita e cada um acredita nos unicórnios que quiser.
O problema é que, a meu ver, as credenciais
conservadoras de Churchill não são tão nítidas quanto querem os meus amigos. Eu
costumo lembrar-lhes que, em 1940, os conservadores autênticos eram o
ex-primeiro ministro Neville Chamberlain, que entregara a Tchecoslováquia para
aplacar a sanha devoradora de Hitler, e Lord Halifax, que
acreditava que o Reino Unido poderia obter uma paz – em separado -
com a Alemanha nazista por intermédio da Itália de Mussolini. É verdade que
eles não tinham o benefício da posteridade de que gozam os conservadores de
hoje, que apostam tranquilamente no cavalo vencedor depois que a corrida foi
ganha. No cenário incerto de 1940, Chamberlain e Halifax eram os verdadeiros
conservadores, aqueles que realmente endossariam a definição – aliás muito
bonita – do filósofo conservador Roger Scruton segundo a qual o conservadorismo
é aquela convicção, que vem com a maturidade, de que as coisas boas são
difíceis de conseguir, mas muito fáceis de perder. Por que envolver-se numa
luta contra a Alemanha nazista, a maior máquina de guerra da Europa, se era
possível fazer pactos com Hitler para que Picadilly Circus não fosse
bombardeada? Por que arriscar-se a perder tudo de bom que havia sido
conquistado nas Ilhas Britânicas?
Querer a paz e a ordem no seu jardim é o desejo
mais sincero de um conservador. Os conservadores que eu conheço tremem só de
imaginar revoluções cruentas e se mostram indignados com a guilhotina ou o
assassinato dos Romanov, embora sejam capazes de dormir muito bem enquanto
crianças são sacrificadas para aplacar a fúria de algum Moloch. This is
not my business, dizem eles, e se viram de lado para roncar, sonhando com
os seus jardins. Meus amigos conservadores me ensinaram que um bom conservador
não se deixa levar por sentimentalismos baratos, a não ser quando se trata de
chorar pela admirável mãe-coragem Maria Antonieta, pelo destino cruel dos
pobres filhinhos do czar ou pela carga indevida de impostos que onera as
empresa para alimentar uma legião de parasitas do poderoso Welfare
State tupiniquim, admirado em toda a galáxia pela sua generosidade e
alcance. Nesse caso, Deus nos livre do “mimimi” da direita.
Volto a sir Winston.
Declarar guerra à Alemanha nada tinha de conservador. Tampouco o fim do famoso
discurso de 28 de maio: “If this long
island story of ours is to end at last, let it end only when each one of us
lies choking in his own blood upon the ground”. Numa vã tentativa de
protegerem-se da luz solar da verdade usando apenas o delicado tamis da fantasia, meus amigos
juram que o velho era um conservador puro e citam o inevitável aforismo – na
verdade uma frase feita que já corria nos meios políticos desde o século XIX –
segundo o qual quem não é socialista aos vinte não tem coração, mas quem ainda
é socialista aos quarenta não tem cérebro. Eu, que tenho mais de cinquenta e
ainda sou socialista, sou um energúmeno descerebrado como o leitor bem sabe,
mas o que dizer desses gênios precoces do MBL que juram ser conservadores aos
20 anos? Com certeza, eles não têm cérebro nem coração. Mas quem precisa disso
para ser um conservador no mundo confuso de 2018?
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