sábado, 30 de setembro de 2017

A claraboia e o holofote #31 (XIV)








Cenas da Revolução de 17



cena IX



Rumo ao Outubro Vermelho




Embora o golpe de Kornilov tenha fracassado sem nenhum tiro, suas consequências políticas foram graves. Seus resultados foram precisamente o oposto do que o general e seus conselheiros haviam esperado. O golpe deu às massas turbulentas e insatisfeitas o impulso necessário para levá-las à ação revolucionária violenta. Ele solapou completamente a frágil base de confiança em que se apoiava o Governo Provisório.

Embora pareça que tenha subestimado a força dos bolcheviques até o fim, Kerensky não era cego ao fato de que, uma vez que a ameaça da direita tivesse desaparecido, haveria uma ameaça mais séria da esquerda. Ele tentou levar adiante a velha política de oscilar entre as forças conservadoras e radicais do país. (...) Mas as possibilidades de manobras efetivas desse tipo eram pequenas. Até aqui o Governo Provisório devia a sua relativa estabilidade ao fato de que a grande maioria dos sovietes lhe concedia apoio formal, mas imediatamente após o caso Kornilov os sovietes começaram a deslizar das mãos dos mencheviques e dos socialistas revolucionários. Em 13 de setembro, o Soviete de Petrogrado, por 279 votos contra 115, com 51 abstenções, adotou uma resolução bolchevique, com as conhecidas exigências de imediatas negociações de paz, confisco de latifúndios e introdução do controle dos trabalhadores nas fábricas. O comparecimento a essa seção tinha sido pequeno e um teste de força mais decisivo teve lugar no dia 22, quando os mencheviques e os socialistas revolucionários na presidência do soviete renunciaram. Uma truque político esperto de Trotsky, que tinha sido libertado da prisão no dia 17, ajudou a mudar a maré a favor dos bolcheviques: ele apontou que Kerensky ainda era formalmente um membro da presidência e introduziu na votação o item da confiança ou ausência de confiança em Kerensky, que não era popular entre os baixos escalões militares, cujos votos decidiram o assunto. Os bolcheviques obtiveram uma segunda e decisiva vitória, com 519 votos contra 414, e 67 abstenções.

A partir desse momento o Soviete de Petrogrado, que gozava de mais autoridade na capital do que o Governo Provisório, caiu nas mãos dos bolcheviques. No dia 8 de outubro, Trotsky foi eleito presidente do soviete. Com seu costumeiro senso dramático, ele lembrou que tinha sido eleito para o mesmo posto em 1905, às vésperas da supressão do soviete e da prisão de seus líderes pelo regimento Ismailov. “Mas agora”, declarou triunfante, “o regimento Ismailov está inteiramente diferente. Nós nos sentimos muito mais firmes agora do que então”.

Lenin ainda estava escondido, com o risco de ser preso, mas os dois mais fortes sovietes do país (Moscou seguiu o exemplo de Petrogrado e se tornou bolchevique em 18 de setembro) estavam nas mãos do partido de Lenin.  Petrogrado e Moscou não estavam sozinhos. Já em 14 de setembro, o jornal bolchevique “Trabalhadores” anunciou que 126 sovietes tinham requerido que o Comitê Executivo Central do Soviete (Vtsik) tomasse o poder. O Vitsik, eleito pelo primeiro Congresso  dos Sovietes e dominado pelos mencheviques, não tinha nenhuma intenção de realizar esse pedido, mas o clima dos sovietes locais era bastante indicativo. No dia 18 de setembro, um congresso de sovietes no centro radical da Sibéria, Krasnoyarsk, mostrou uma maioria bolchevique. No dia seguinte, uma mensagem de Ekaterinburg, a principal cidade dos Urais, anunciou que  o poder passou para as mãos do soviete nessa importante região mineira e industrial. Na grande fábrica Briansk, em Ekatarinoslav, na Ucrânia, os trabalhadores aprovaram uma resolução de que “não reconhecemos o Governo Provisório”. A mesma oscilação de pêndulo para a esquerda era visível nas cidades do Volga, na bacia de Donetz. Já não era mais possível acreditar, como tinha ocorrido no verão, que as províncias mais conservadoras se oporiam a um avanço revolucionário em Petrogrado.

Ainda mais significativo, porque mais próximo do centro nervoso do regime de Kerensky, era a tendência na frota do Báltico e na Finlândia. No dia 23 de setembro, um congresso regional dos sovietes na Finlândia adotou as resoluções bolcheviques por grandes maiorias. Os socialistas revolucionários que tinham sido eleitos no congresso eram quase todos membros da ala esquerda do partido, que crescia agora firmemente e amiúde votava e agia com os bolcheviques.

A frota do Báltico, que sempre havia sido uma pacificadora nas agitações contra o Governo Provisório, tomou uma posição de clara oposição depois do caso Kornilov. Essa atitude em relação ao comandante-em-chefe, Kerensky, foi asperamente expressa em uma resolução publicada no congresso da frota do Báltico, que continha os seguintes dizeres: “Nós exigimos a remoção das fileiras do Governo Provisório do aventureiro político, Kerensky, como pessoa que, por suas trapaças políticas a favor da burguesia, desgraçou a grande revolução e, com ela, todo o povo revolucionário. Para você, traidor da revolução, Bonaparte Kerensky, aí vão nossas maldições”.



(William Henry Chamberlain, The Russian Revolution, Volume One, capítulo XIII)