terça-feira, 10 de julho de 2018

Dicionário aleatório #15










Conservadorismo (parte II)


Tenho alguns amigos conservadores. Alguns deles até sabem ler, mas não o fazem com frequência. Nada sabem de Russell Kirk ou Edmund Burke. Nunca citam Mises nem Hayek. Eles apenas ouvem a rádio Jovem Pan e as notícias que circulam pelo WhatsApp. Eu duvido que eles fariam investimentos financeiros com base nesses boatos, mas quando se trata de política, eles se servem deles com o ardor dos neófitos. 

Como tenho algumas luzes e paciência de professor, na época da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff fui obrigado a explicar a vários amigos conservadores que, em caso do afastamento, assumiria o vice-presidente Michel Temer e não Aécio Neves, o segundo colocado nas eleições de 2014. Meus amigos - vários deles egressos de instituições respeitáveis como o ITA e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – olhavam-me incrédulos. Recordei-lhes que, com o afastamento de Fernando Collor em 1992, quem se tornou presidente foi Itamar Franco e não o Luís Inácio Lula da Silva, o segundo colocado nas eleições de 1989. Eles argumentaram que isso tinha sido há muito tempo e que as regras tinham mudado com a nova constituição. Eu respondi que a constituição vigente ainda era a de 1988 e, portanto, as regras se mantinham. 

Quando Dilma Rousseff foi finalmente afastada e o vice-presidente assumiu, meus amigos conservadores, devidamente orientados pela Jovem Pan e pelo WhatsApp se regozijaram com a seriedade de Michel Temer, seu discurso firme, sua abertura para o diálogo, sua experiência com o Congresso. Um desses amigos me disse, em tom triunfante, que Temer reduziria o número de ministérios, um grande passo na contenção dos gastos do Executivo. Talvez porque eu seja um desmancha-prazeres inveterado, condição própria de quem é assíduo nos livros, perguntei se as verbas destinadas aos ministérios extintos seriam transferidas para os outros ministérios. O amigo conservador não entendeu a questão. Junto ao quadro negro da sala dos professores, expliquei-lhe, como quem parte pão aos pequeninos, que de nada vale reduzir o número de ministérios se o orçamento total do Executivo continuar o mesmo. O amigo insistiu que Temer iria dar um jeito nisso porque ele era um homem que sabia dialogar e tinha vontade firme de levar adiante as “reformas necessárias”. Alguns amigos elogiaram a beleza da primeira-dama e outros até saudaram a dicção mesoclítica de Temer em contraponto à fala rude de Lula e ao destampatório de Dilma. Há aqueles que gozam com o português rotundo e rebarbativo dos bacharéis tanto quanto outros gozam com o cheiro dos coturnos e com os gritos que vem do porões.

Agora faltam menos de três meses para a eleição presidencial. Os amigos conservadores não gostam mais de Michel Temer. É verdade que nem todos são bolsonaristas, mas a maioria costuma rir das grossas chalaças do capitão ou, ao menos, não as acha gravosas. Diante das reações insatisfeitas de alguns, limitam-se a repetir os dois mantras máximos da direita: “o povo anda muito cheio de mimimi” e “o mundo está ficando muito chato”. Talvez eles tenham razão.

Em todo caso, com o debate político num ponto tão baixo, acho melhor me despedir dos leitores. Quando comecei este blog há exatamente seis anos, eu acreditava numa oportunidade de diálogo de alto nível que foi desmantelada a partir de 2014. 

Para os amigos de esquerda, repito que temos que fazer o que a esquerda sempre faz nos tempos difíceis: retomar com paciência a compreensão teórica e a busca de caminhos políticos viáveis. Precisamos estudar ainda mais. Precisamos ler com mais argúcia. Precisamos ampliar nosso horizonte de compreensão. E se, quando sairmos da zona de sombra, tivermos que fracassar de novo, é importante fracassarmos melhor.



O Sobrinho de Enesidemo encerra aqui as suas emissões.


 
SEPTEMBER 1, 1939

W.H. Auden

I sit in one of the dives
On Fifty-second Street
Uncertain and afraid
As the clever hopes expire
Of a low dishonest decade: 
Waves of anger and fear 
Circulate over the bright
And darkened lands of the earth, 
Obsessing our private lives;
The unmentionable odour of death 
Offends the September night.

Accurate scholarship can
Unearth the whole offence
From Luther until now
That has driven a culture mad,
Find what occurred at Linz,
What huge imago made
A psychopathic god:
I and the public know
What all schoolchildren learn,
Those to whom evil is done
Do evil in return.

Exiled Thucydides knew
All that a speech can say
About Democracy,
And what dictators do,
The elderly rubbish they talk
To an apathetic grave;
Analysed all in his book,
The enlightenment driven away,
The habit-forming pain,
Mismanagement and grief:
We must suffer them all again.

Into this neutral air
Where blind skyscrapers use 
Their full height to proclaim 
The strength of Collective Man, 
Each language pours its vain 
Competitive excuse:
But who can live for long
In an euphoric dream;
Out of the mirror they stare, 
Imperialism's face
And the international wrong.

Faces along the bar
Cling to their average day:
The lights must never go out,
The music must always play,
All the conventions conspire
To make this fort assume
The furniture of home;
Lest we should see where we are, 
Lost in a haunted wood,
Children afraid of the night
Who have never been happy or good.

The windiest militant trash 
Important Persons shout
Is not so crude as our wish: 
What mad Nijinsky wrote 
About Diaghilev
Is true of the normal heart; 
For the error bred in the bone 
Of each woman and each man 
Craves what it cannot have, 
Not universal love
But to be loved alone.

From the conservative dark
Into the ethical life
The dense commuters come,
Repeating their morning vow;
'I will be true to the wife,
I'll concentrate more on my work,'
And helpless governors wake
To resume their compulsory game: 
Who can release them now,
Who can reach the dead,
Who can speak for the dumb?

All I have is a voice
To undo the folded lie,
The romantic lie in the brain
Of the sensual man-in-the-street 
And the lie of Authority
Whose buildings grope the sky: 
There is no such thing as the State 
And no one exists alone;
Hunger allows no choice
To the citizen or the police;
We must love one another or die.

Defenseless under the night
Our world in stupor lies;
Yet, dotted everywhere,
Ironic points of light
Flash out wherever the Just
Exchange their messages:
May I, composed like them
Of Eros and of dust,
Beleaguered by the same
Negation and despair,
Show an affirming flame.



* * * * *