Ensaio sobre Bartleby, the Scrivener - A Story of
Wall-Street
Ao amigo Ítalo
Há muitos anos, meu amigo Ítalo e eu fazíamos muitas piadas assumindo o papel de Bartleby na vida cotidiana do colégio.
- Hoje haverá reunião à tarde. O senhor professor está convocado.
- Hoje haverá reunião à tarde. O senhor professor está convocado.
- Eu preferiria não comparecer à reunião.
- Professor, seja razoável!
- No momento, eu preferiria não ser razoável.
A resistência passiva de Bartleby se tornou quase tão conhecida quanto a obsessão vingativa do Capitão Ahab, mas levou muito tempo até que o conto de Herman Melville, publicado no Putnam’s Magazine em novembro e dezembro de 1853, fosse reconhecido como uma das grandes obras da literatura.
Fazendo par com sua propensão de construir enredos carregados de especulação filosófica, Herman Melville tinha um grande talento humorístico. Várias passagem de Bartleby, the Scrivener guardam um saboroso non-sense sob medida para os admiradores mais assíduos do Monty Python Flying Circus (posso até ver Graham Chapman como o patrão, Michael Palin faria Bartleby, John Cleese seria Nippers, Terry Jones apareceria como Turkey e Eric Idle faria Ginger-Nuts). Um trecho como o que se segue é capaz de eliminar qualquer dúvida a respeito:
Again I sat ruminating what I should do. Mortified as I was at his behavior, and resolved as I had been to dismiss him when I entered my offices, nevertheless I strangely felt something superstitious knocking at my heart, and forbidding me to carry out my purpose, and denouncing me for a villain if I dared to breathe one bitter word against this forlornest of mankind. At last, familiarly drawing my chair behind his screen, I sat down and said: "Bartleby, never mind then about revealing your history; but let me entreat you, as a friend, to comply as far as may be with the usages of this office. Say now you will help to examine papers to-morrow or next day: in short, say now that in a day or two you will begin to be a little reasonable:—say so, Bartleby."
A resistência passiva de Bartleby se tornou quase tão conhecida quanto a obsessão vingativa do Capitão Ahab, mas levou muito tempo até que o conto de Herman Melville, publicado no Putnam’s Magazine em novembro e dezembro de 1853, fosse reconhecido como uma das grandes obras da literatura.
Fazendo par com sua propensão de construir enredos carregados de especulação filosófica, Herman Melville tinha um grande talento humorístico. Várias passagem de Bartleby, the Scrivener guardam um saboroso non-sense sob medida para os admiradores mais assíduos do Monty Python Flying Circus (posso até ver Graham Chapman como o patrão, Michael Palin faria Bartleby, John Cleese seria Nippers, Terry Jones apareceria como Turkey e Eric Idle faria Ginger-Nuts). Um trecho como o que se segue é capaz de eliminar qualquer dúvida a respeito:
Again I sat ruminating what I should do. Mortified as I was at his behavior, and resolved as I had been to dismiss him when I entered my offices, nevertheless I strangely felt something superstitious knocking at my heart, and forbidding me to carry out my purpose, and denouncing me for a villain if I dared to breathe one bitter word against this forlornest of mankind. At last, familiarly drawing my chair behind his screen, I sat down and said: "Bartleby, never mind then about revealing your history; but let me entreat you, as a friend, to comply as far as may be with the usages of this office. Say now you will help to examine papers to-morrow or next day: in short, say now that in a day or two you will begin to be a little reasonable:—say so, Bartleby."
"At present I would prefer not to be
a little reasonable," was his mildly cadaverous reply.
Just then the folding-doors opened, and
Nippers approached. He seemed suffering from an unusually bad night's rest,
induced by severer indigestion then common. He overheard those final words of
Bartleby.
"Prefer not, eh?" gritted
Nippers—"I'd prefer him, if I were you, sir," addressing me—"I'd
prefer him; I'd give him preferences, the stubborn mule! What is it, sir, pray,
that he prefers not to do now?"
Bartleby moved not a limb.
"Mr. Nippers," said I, "I'd
prefer that you would withdraw for the present."
Somehow, of late I had got into the way of
involuntarily using this word "prefer" upon all sorts of not exactly
suitable occasions. And I trembled to think that my contact with the scrivener
had already and seriously affected me in a mental way. And what further and
deeper aberration might it not yet produce? This apprehension had not been
without efficacy in determining me to summary means.
As Nippers, looking very sour and sulky,
was departing, Turkey blandly and deferentially approached.
"With submission, sir," said he,
"yesterday I was thinking about Bartleby here, and I think that if he
would but prefer to take a quart of good ale every day, it would do much
towards mending him, and enabling him to assist in examining his papers."
"So you have got the word too,"
said I, slightly excited.
"With submission, what word,
sir," asked Turkey, respectfully crowding himself into the contracted
space behind the screen, and by so doing, making me jostle the scrivener.
"What word, sir?"
"I would prefer to be left alone
here," said Bartleby, as if offended at being mobbed in his privacy.
"That's the word, Turkey," said
I —"that's it."
"Oh, prefer? oh yes — queer word. I
never use it myself. But, sir, as I was saying, if he would but prefer"
"Turkey," interrupted I,
"you will please withdraw."
"Oh certainly, sir, if you prefer
that I should."
As he opened the folding-door to retire,
Nippers at his desk caught a glimpse of me, and asked whether I would prefer to
have a certain paper copied on blue paper or white. He did not in the least
roguishly accent the word prefer. It was plain that it involuntarily rolled
form his tongue. I thought to myself, surely I must get rid of a demented man,
who already has in some degree turned the tongues, if not the heads of myself
and clerks. But I thought it prudent not to break the dismission at once.
Depois de ter descoberto que o escrevente Bartleby morava no escritório, o narrador – um velho advogado instalado em Wall-Street -. decidiu tentar, amigavelmente, saber mais sobre aquele homem quieto que se recusava a cumprir as tarefas usuais da profissão. Como sempre, Bartleby preferia não responder às questões sobre seus parentes e sua proveniência. Impaciente, o narrador pediu que o escrevente fosse mais razoável e que, pelo menos, agisse em conformidade às práticas do ofício. Bartleby recusou mais uma vez. Os outros escreventes, Nippers e Turkey se intrometeram na conversa. O narrador se deu conta de que todos – inclusive ele mesmo – haviam passado a usar o verbo “preferir” de maneira involuntária e um tanto inadequada: claro sinal de que a presença de Bartleby estava começando a transformar as pessoas à sua volta. Era preciso tirá-lo do escritório, mas o narrador achava prudente não demiti-lo por enquanto.
A maneira como a resolução do narrador se desmancha diante da resposta absurda de Bartleby (At present I would prefer not to be a little reasonable); as intervenções desastradas de Nippers e Turkey, que se apinhavam no pequeno espaço entre a mesa de Bartleby e o biombo dobrável; a queixa do escrevente, que preferiria estar sozinho ali; por fim, a suspeita de que ocorrera uma contaminação linguística no escritório, todos esses elementos compõem uma cena farsesca que retoma o humor à la Dickens das páginas iniciais, quando o narrador apresentou os empregados de seu escritório como tipos cujas manias, falhas e esquisitices inofensivas resolviam-se numa relação passavelmente harmoniosa.
Bartleby, porém, não é um tipo – apesar do seu bordão I would prefer not to. Ao contrário do que se poderia esperar do enredo, ele não introduz manias e falhas que devam ser acomodadas para reestabelecer a harmonia imperfeita daquele escritório. A chegada de Bartleby quase não muda a vida dos outros personagens, que vão para a penumbra à medida que a narrativa avança. Bartleby afeta apenas o seu patrão, que é o narrador. Diante da resistência passiva do novo escrevente, o personagem-narrador vê desabarem as pressuposições que fazia acerca de si mesmo. Bartleby é a pedra no meio do caminho. Uma pedra inesquecível e incontornável.
Depois de ter descoberto que o escrevente Bartleby morava no escritório, o narrador – um velho advogado instalado em Wall-Street -. decidiu tentar, amigavelmente, saber mais sobre aquele homem quieto que se recusava a cumprir as tarefas usuais da profissão. Como sempre, Bartleby preferia não responder às questões sobre seus parentes e sua proveniência. Impaciente, o narrador pediu que o escrevente fosse mais razoável e que, pelo menos, agisse em conformidade às práticas do ofício. Bartleby recusou mais uma vez. Os outros escreventes, Nippers e Turkey se intrometeram na conversa. O narrador se deu conta de que todos – inclusive ele mesmo – haviam passado a usar o verbo “preferir” de maneira involuntária e um tanto inadequada: claro sinal de que a presença de Bartleby estava começando a transformar as pessoas à sua volta. Era preciso tirá-lo do escritório, mas o narrador achava prudente não demiti-lo por enquanto.
A maneira como a resolução do narrador se desmancha diante da resposta absurda de Bartleby (At present I would prefer not to be a little reasonable); as intervenções desastradas de Nippers e Turkey, que se apinhavam no pequeno espaço entre a mesa de Bartleby e o biombo dobrável; a queixa do escrevente, que preferiria estar sozinho ali; por fim, a suspeita de que ocorrera uma contaminação linguística no escritório, todos esses elementos compõem uma cena farsesca que retoma o humor à la Dickens das páginas iniciais, quando o narrador apresentou os empregados de seu escritório como tipos cujas manias, falhas e esquisitices inofensivas resolviam-se numa relação passavelmente harmoniosa.
Bartleby, porém, não é um tipo – apesar do seu bordão I would prefer not to. Ao contrário do que se poderia esperar do enredo, ele não introduz manias e falhas que devam ser acomodadas para reestabelecer a harmonia imperfeita daquele escritório. A chegada de Bartleby quase não muda a vida dos outros personagens, que vão para a penumbra à medida que a narrativa avança. Bartleby afeta apenas o seu patrão, que é o narrador. Diante da resistência passiva do novo escrevente, o personagem-narrador vê desabarem as pressuposições que fazia acerca de si mesmo. Bartleby é a pedra no meio do caminho. Uma pedra inesquecível e incontornável.
II
Again I sat ruminating what I should do.
Mortified as I was at his behavior, and resolved as I had been to dismiss him
when I entered my offices, nevertheless I strangely felt something
superstitious knocking at my heart, and forbidding me to carry out my purpose,
and denouncing me for a villain if I dared to breathe one bitter word against
this forlornest of mankind.
No dia anterior, um domingo, a caminho de ouvir um pregador famoso na Trinity Church, o narrador passara pelo seu
escritório e descobrira que Bartleby vivia ali, dormia no sofá,
alimentava-se apenas de alguns biscoitos de gengibre e pedaços de queijo e fazia a barba sem um espelho. Diante da pobreza, da solidão e do desamparo de
Bartleby, o velho advogado sentira uma piedade tão extrema e dolorosa, que
se tornava repulsa:
To a sensitive being, pity is not seldom
pain. And when at last it is perceived that such pity cannot lead to effectual
succor, common sense bids the soul rid of it. What I saw that morning persuaded
me that the scrivener was the victim of innate and incurable disorder.
O senso
comum, de que o narrador quer se fazer porta-voz, exige uma medida simples: se
alguém está além do socorro que nossa piedade possa oferecer, é melhor
livrar-se dessa pessoa. Bartleby deveria ser vítima de algum desarranjo inato e
incurável, portanto, era claro o que devia ser feito. Contudo, o
personagem-narrador não consegue dar o passo exigido pelo senso comum:
nevertheless I strangely felt something
superstitious knocking at my heart, and forbidding me to carry out my purpose,
and denouncing me for a villain if I dared to breathe one bitter word against
this forlornest of mankind.
O
sentimento do personagem-narrador lhe parece “estranho”: ele o qualifica como
“superstição” e tenta descrevê-lo como uma recriminação da sua consciência
moral aflita, que denunciava a ofensa que se poderia fazer ao mais desamparado
de todos os homens. O personagem-narrador tenta dar uma forma reconhecível – do
ponto de vista do senso comum – para a sua incapacidade em levar adiante a
resolução de demitir o escrevente. Superstição e consciência moral são apenas
nomes convencionais para algo cuja estranheza ele sente bem. Na hora de confrontar-se
com Bartleby, essa incapacidade de levar adiante a resolução tomada assume a
forma espúria de conselhos de quem se pretende familiar e amigo, sem nada
conhecer a respeito do interlocutor:
At last, familiarly drawing my chair
behind his screen, I sat down and said: "Bartleby, never mind then about
revealing your history; but let me entreat you, as a friend, to comply as far
as may be with the usages of this office. Say now you will help to examine
papers to-morrow or next day: in short, say now that in a day or two you will
begin to be a little reasonable:—say so, Bartleby."
Bartleby
não cede à ameaça velada contida na recomendação supostamente amistosa:
"At present I would prefer not to be
a little reasonable," was his mildly cadaverous reply.
A
resposta do escrevente, embora moldada no padrão das suas recusas anteriores,
ainda assim é desconcertante do ponto de vista do senso comum.
Bartleby
é um homem de moral e decoro, como o próprio narrador reconhecera no domingo,
quando descartara a hipótese de que o escrevente estivesse a usar o escritório
para qualquer propósito indecente. Bartleby também é um mestre na arte da
polidez: nunca eleva seu tom de voz, nunca se intromete nos assuntos alheios,
nunca faz um comentário impertinente. Ele recusa de maneira branda: as
expressões modais e adverbiais envolvem o “não” num casulo macio de formalidade
e decoro que contrasta comicamente com o caráter intempestivo
da recusa. Os sucessivos atos de recusa destroem a fluidez da vida social que a
polidez é chamada a garantir. Diante disso, o uso do
verbo “preferir” constitui uma impertinência, que só pode ser entendido como
ruptura unilateral do trato social. A reclusão de Bartleby no escritório,
isolado dos outros por um biombo, as horas de devaneio contemplando a parede
cega que tinha diante de sua janela, seu silêncio, sua resistência a cooperar
são entendidos pelo narrador como sinais de que Bartleby não se encontra no
mundo dos homens sãos, quiçá nem no reino dos vivos.
Had there been the least uneasiness,
anger, impatience or impertinence in his manner; in other words, had there been
any thing ordinarily human about him, doubtless I should have violently
dismissed him from the premises.
-----
Now, the utterly unsurmised appearance of
Bartleby, tenanting my law chambers of a Sunday morning, with his cadaverously
gentlemanly nonchalance, yet withal firm and self-possessed, had such a strange
effect upon me, that incontinently I slunk away from my own door, and did as
desired.
-----
His cadaverous triumph over me.
-----
the apparition of Bartleby appeared.
O
constante fluxo de epítetos que o narrador usa para Bartleby (forlorn, passive,
eccentric, unreasonable, inflexible, unaccountable escrivener, intolerable
incubus, ghost, a demented man, little deranged etc) simplesmente reforça o que já sabíamos desde o início do
relato: Bartleby é insondável.
While of other law-copyists I might write
the complete life, of Bartleby nothing of that sort can be done. I believe that
no materials exist for a full and satisfactory biography of this man. It is an
irreparable loss to literature. Bartleby was one of those beings of whom
nothing is ascertainable, except from the original sources, and in his case
those are very small. What my own astonished eyes saw of Bartleby, that is all
I know of him, except, indeed, one vague report which will appear in the sequel.
Por que o
olhar do narrador (my own astonished eye) se surpreende tanto com
Bartleby?
III
Na
tentativa de estabelecer uma diferença entre a posição de Bartleby e a sua, o
velho advogado afirma que Bartleby é um homem de preferências, enquanto ele
mesmo é um homem de pressuposições (assumptions):
The great point was, not whether I had
assumed that he would quit me, but whether he would prefer so to do. He was
more a man of preferences than assumptions.
-----
Yes, as before I had prospectively assumed
that Bartleby would depart, so now I might retrospectively assume that departed
he was. In the legitimate carrying out of this assumption, I might enter my
office in a great hurry, and pretending not to see Bartleby at all, walk
straight against him as if he were air. Such a proceeding would in a singular
degree have the appearance of a home-thrust. It was hardly possible that
Bartleby could withstand such an application of the doctrine of assumptions.
But upon second thoughts the success of the plan seemed rather dubious. I
resolved to argue the matter over with him again.
------
"Bartleby," said I, entering the
office, with a quietly severe expression, "I am seriously displeased. I am
pained, Bartleby. I had thought better of you. I had imagined you of such a
gentlemanly organization, that in any delicate dilemma a slight hint would have
suffice—in short, an assumption.
O
narrador é um “homem de pressuposições” (assumptions) na medida em que
acredita que a vida social é feita de acordos tácitos que serão cumpridos sem
necessidade de explicitação e sem possibilidade de recusa. Uma pequena sugestão
deveria ser entendida como uma ordem (a slight hint would have suffice—in
short, an assumption) e uma ordem deveria necessariamente ser cumprida, por
ser uma ordem. As recusas de Bartleby revelam o aspecto infundado das
pressuposições do narrador, inclusive a pressuposição de que o patrão deveria
ser obedecido.
As
preferências de Bartleby não apenas desafiam as pressuposições do narrador.
Elas colocam em evidência, de maneira hiperbólica, a escolha do narrador (sua
“preferência”, para usar a linguagem do escrevente) pela inação:
I am a man who, from his youth upwards,
has been filled with a profound conviction that the easiest way of life is the
best. Hence, though I belong to a profession proverbially energetic and
nervous, even to turbulence, at times, yet nothing of that sort have I ever
suffered to invade my peace. I am one of those unambitious lawyers who never
addresses a jury, or in any way draws down public applause; but in the cool
tranquility of a snug retreat, do a snug business among
rich men's bonds and mortgages and title-deeds. All who know me, consider me an
eminently safe man.
A pobreza
de Bartleby, sua solidão, sua recusa de realizar as tarefas exigidas pelo
ofício, seu desamparo, o ter sido finalmente preso como vagabundo são um espelho incômodo
para o narrador, que – por falta de pudor ou de consciência de si mesmo – apela
para o léxico da convicção (a profound conviction) e da moderação
virtuosa (I am one of those unambitious lawyers; in the cool tranquility, an
eminently safe man) para legitimar a preguiça e a morosidade de um caráter fraco, que
vive de conciliações, protelações e retiradas estratégicas. Daí as numerosas desculpas que inventa para adiar a solução do problema:
I thought to myself, surely I must get rid
of a demented man, who already has in some degree turned the tongues, if not
the heads of myself and clerks. But I thought it prudent not to break the
dismission at once.
-------
At length, necessities connected with my
business tyrannized over all other considerations.
-------
and though I often felt a charitable
prompting to call at the place and see poor Bartleby, yet a certain squeamishness of I know not
what withheld me.
-------
The landlord's energetic, summary
disposition had led him to adopt a procedure which I do not think I would have decided
upon myself;
and yet as a last resort, under such peculiar circumstances, it seemed the only
plan.
-------
I now strove to be entirely care-free and
quiescent;
and my conscience justified me in the attempt; though indeed it was not so
successful as I could have wished. So fearful was I of being again hunted out by the incensed
landlord and his exasperated tenants, that, surrendering my business to
Nippers, for a few days I drove about the upper part of the town and through
the suburbs, in my rockaway; crossed over to Jersey City and Hoboken, and paid fugitive visits to Manhattanville and Astoria. In fact I
almost lived in my rockaway for the time.
A inação
decidida, mas polida de Bartleby reflete a inação envergonhada e irritável do
velho advogado. Mas, sobretudo, Bartleby recusa a sociabilidade feita à base de
pressuposições e pequenas concessões do velho advogado, tão bem expressa na sua
satisfação com a harmonia precária e imperfeita entre o mau-humor dispéptico de
Nippers pela manhã e o furor alcoólico de Turkey à tarde, ou na maneira como
procedeu para manter Bartleby perto de si, conciliando privacidade e
proximidade de contato:
I procured a high green folding screen,
which might entirely isolate Bartleby from my sight, though not remove him from
my voice. And thus, in a manner, privacy and society were conjoined.
As recusas de Bartleby são exasperantes porque desnudam as pequenas misérias que compõem a pusilanimidade e a impotência do personagem-narrador, o qual,
de maneira suspeita, coloca sob a categoria de “maravilha” o efeito paralisador
que sofre por causa da “ascendência” do escrevente sobre si:
With any other man I should have flown
outright into a dreadful passion, scorned all further words, and thrust him
ignominiously from my presence. But there was something about Bartleby that not
only strangely disarmed me, but in a wonderful manner touched and disconcerted
me.
-------
Indeed, it was his wonderful mildness
chiefly, which not only disarmed me, but unmanned me, as it were.
-------
But again obeying that wondrous ascendancy
which the inscrutable scrivener had over me, and from which ascendancy, for all
my chafing, I could not completely escape, I slowly went down stairs and out
into the street, and while walking round the block, considered what I should
next do in this unheard-of perplexity.
O velho
advogado, habitualmente paralisado pela sua inação, pela rotina do escritório e
pela constância dos hábitos dos seus funcionários, parece espantado com o fato
de que era incapaz de demitir Bartleby ou tomar qualquer atitude definitiva em
relação ao escrevente taciturno que tinha junto de si. Mas o fato é que ele
também não conseguia despedir Turkey apesar das manchas de tinta nas cópias...
O bom coração do personagem-narrador é apenas medo de envolver-se em contendas
na hora de resolver definitivamente uma questão. É uma complacência com os
esquemas provisórios de baixo nível de conflito.
É essa
impotência que ele pretende resolver através do recurso à imaginação e ao
devaneio: na impossibilidade de chegar, por si mesmo, a uma solução, o
personagem-narrador fantasia ações para vencer a resistência passiva do
escrevente e imaginar de onde vinha sua recusa, como acontece nas ingênuas
considerações que o próprio narrador formula e descarta a respeito da
influência dos biscoitos de gengibre sobre a personalidade de Bartleby. Portanto, a impotência do discernimento é suplementada pela imaginação, como o
velho advogado admite:
Nothing so aggravates an earnest person as
a passive resistance. If the individual so resisted be of a not inhumane
temper, and the resisting one perfectly harmless in his passivity; then, in the
better moods of the former, he will endeavor charitably to construe to his
imagination what proves impossible to be solved by his judgment.
(Considero
que toda a nota final sobre a atividade anterior de Bartleby no setor de correspondência
devolvida é apenas um desses exercícios de imaginação para suprir,
caritativamente, a incapacidade do narrador em compreender e julgar. O próprio
narrador afirma que era apenas um boato. Vindo de quem? Quem saberia alguma
coisa desse tipo sobre Bartleby?)
A
capacidade de recorrer à imaginação para suprir aquilo que não entende funciona
sempre no sentido de conferir o máximo de conforto moral a um homem que não
quer parecer cruel, injusto ou malvado. O ápice desse exercício imaginativo de
auto-ilusão é quando o narrador se convence de que foi predestinado pela
Providência a fornecer para Bartleby um canto no escritório onde ele possa
viver.
Gradually I slid into the persuasion that
these troubles of mine touching the scrivener, had been all predestinated from
eternity, and Bartleby was billeted upon me for some mysterious purpose of an
all-wise Providence, which it was not for a mere mortal like me to fathom. Yes,
Bartleby, stay there behind your screen, thought I; I shall persecute you no
more; you are harmless and noiseless as any of these old chairs; in short, I
never feel so private as when I know you are here. At last I see it, I feel it;
I penetrate to the predestinated purpose of my life. I am content. Others may
have loftier parts to enact; but my mission in this world, Bartleby, is to
furnish you with office-room for such period as you may see fit to remain.
A imaginação
fértil do narrador, porém, não pode lhe fornecer princípios de conduta, mas apenas
veleidades de ação cujo fim último é pacificar uma consciência moral preguiçosa
que deseja apenas auto-congratular-se sem fazer sacrifícios. Essa falta de
solidez na vida moral do narrador se manifesta como instabilidade:
Here I can cheaply purchase a delicious
self-approval. To befriend Bartleby; to humor him in his strange willfulness,
will cost me little or nothing, while I lay up in my soul what will eventually
prove a sweet morsel for my conscience. But this mood was not invariable with
me. The passiveness of Bartleby sometimes irritated me. I felt strangely goaded
on to encounter him in new opposition, to elicit some angry spark from him
answerable to my own.
A incerteza
inerente a uma vida moral preguiçosa e veleitária conduzida pela imaginação (e não pelo discernimento) se
manifesta, do ponto de vista linguístico, pela dança das formas modais que
vemos neste trecho:
What shall I do? I now said to myself,
buttoning up my coat to the last button. What shall I do? What ought I to do?
what does conscience say I should do with this man, or rather ghost. Rid myself
of him, I must; go, he shall. But how? You will not thrust him, the poor, pale,
passive mortal,—you will not thrust such a helpless creature out of your door?
you will not dishonor yourself by such cruelty? No, I will not, I cannot do
that. Rather would I let him live and die here, and then mason up his remains in
the wall. What then will you do? For all your coaxing, he will not budge.
Bribes he leaves under your own paperweight on your table; in short, it is
quite plain that he prefers to cling to you.
Esse
devaneio a respeito do que fazer com Bartleby termina com a lembrança da recusa
de todos as pequenas somas de dinheiro (Bribes he leaves under your own
paperweight on your table) que o personagem-narrador ofereceu ao escrevente
a cada vez que pretendeu abandoná-lo, como um pequeno tributo para isentar-se de qualquer responsabilidade. O recurso não funcionou.
Quando o velho advogado resolve mudar de escritório com o intuito de abandonar
Bartleby, o novo locatário vai procurá-lo para
queixar-se de que o escrevente continuava assombrando o prédio. O velho advogado
tentou, mais uma vez, fugir da responsabilidade:
"I am very sorry, sir," said I,
with assumed tranquility, but an inward tremor, "but, really, the man you
allude to is nothing to me—he is no relation or apprentice of mine, that you
should hold me responsible for him."
Em outras palavras, a velha
resposta de Caim.
O
escrevente acabou preso sob a acusação de vadiagem e foi levado à casa de
detenção de New York, conhecida como “The Tombs”. Quando visitado, Bartleby não
deixou de reconhecer o velho advogado e expressar claramente sua recusa:
"I know you," he said, without
looking round,—"and I want nothing to say to you."
Apesar do
dinheiro oferecido para que um funcionário providenciasse boas refeições para
Bartleby, aparentemente o escrevente preferia não comer e veio a morrer no
pátio daquele prédio pseudo-egípcio segundo a moda das primeiras décadas do
século XIX. É nesse cenário egípcio que o vemos pela última vez, como um faraó ou
conselheiro mumificado na sua imobilidade eterna:
The surrounding walls, of amazing
thickness, kept off all sounds behind them. The Egyptian character of the
masonry weighed upon me with its gloom. But a soft imprisoned turf grew under
foot. The heart of the eternal pyramids, it seemed, wherein, by some strange
magic, through the clefts, grass-seed, dropped by birds, had sprung.
Strangely huddled at the base of the wall,
his knees drawn up, and lying on his side, his head touching the cold stones, I
saw the wasted Bartleby. But nothing stirred. I paused; then went close up to
him; stooped over, and saw that his dim eyes were open; otherwise he seemed
profoundly sleeping.
Something prompted me to touch him. I felt
his hand, when a tingling shiver ran up my arm and down my spine to my feet.
The round face of the grub-man peered upon
me now. "His dinner is ready. Won't he dine to-day, either? Or does he
live without dining?"
"Lives without dining," said I,
and closed his eyes.
"Eh!—He's asleep, aint he?"
"With kings and counselors,"
murmured I.
IV
As
palavras finais da narrativa são bastante famosas:
Ah Bartleby! Ah humanity!
É
bastante claro que se trata de uma lamentação pela triste condição de Bartleby e
da humanidade, mas na sua forma elíptica, a frase final deixa aberta qual seja
a relação entre Bartleby e a humanidade. Embora a fórmula aparentemente devolva
a Bartleby a condição humana negada várias vezes ao longo do relato, o caráter
dual da fórmula admite também a leitura inversa: a humanidade é plena dos
sofrimentos e misérias pelas quais Bartleby passou. Seja ao tomar o primeiro
termo (Bartleby) como resumo metonímico do segundo (humanidade), seja como
gradação em que o segundo amplia o alcance do primeiro, a fórmula escamoteia a
esfera intermediária entre o indivíduo singular Bartleby e a espécie humana
como um todo. Todo o espaço das convenções e das trocas sociais, ou seja, o
espaço de Wall-Street, com o movimento intenso dos escritórios, com o deserto dos domingos, com a urbanização feita de paredes cegas, todo esse espaço social - de que o velho advogado é representante - é obliterado na exclamação patética do narrador. Isso mostra que ele está mais uma vez
evadindo-se rumo ao conforto da piedade genérica e das exclamações perfunctórias.
O boato
final – completamente destituído de fundamento - sobre o trabalho de Bartleby no departamento de correspondência devolvida (Dead Letter Office) é
apenas o último exercício de imaginação tentando suprir a incapacidade de
compreender Bartleby, fornecendo um contexto fantasioso para a esquisitice do
personagem.
Yet here I hardly know whether I should
divulge one little item of rumor, which came to my ear a few months after the
scrivener's decease. Upon what basis it rested, I could never ascertain; and
hence, how true it is I cannot now tell.
But inasmuch as this vague report has not
been without certain strange suggestive interest to me, however sad, it may
prove the same with some others; and so I will briefly mention it. The report
was this: that Bartleby had been a subordinate clerk in the Dead Letter Office
at Washington, from which he had been suddenly removed by a change in the
administration. When I think over this rumor, I cannot adequately express the
emotions which seize me. Dead letters! does it not sound like dead men?
O sentido
e o interesse do rumor são construídos pela imaginação (But inasmuch as this
vague report has not been without certain strange suggestive interest to me),
uma vez que lhe falta qualquer base factual. Tudo se resolve por aproximações
semânticas forçadas: Dead letters! does it not sound like dead men?
Trata-se
do subterfúgio de alguém que não consegue tolerar a negatividade que entreviu
em si mesmo e busca externalizá-la numa fábula ad hoc. Bartleby é o espectro que assombra um narrador cuja impotência, inseparável da sua teia social, pulsa da maneira mais dolorosa.
Ah velho advogado! Ah Wall-Street!
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Foto: detalhe da obra Regola Regolarsi (1979), de Alighiero Boetti (Coleção Berardo, Lisboa)