sábado, 1 de fevereiro de 2014

A claraboia e o holofote #19





Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista


A Comuna de Paris (parte 1)


Ao longo do meu folhetim, tentei mostrar que, por mais brilhantes que fossem, as afirmações do Manifesto do Partido Comunista estavam contidas num invólucro imaginativo e fantástico. Tal era o preço da inexperiência política de seus autores e da sua compreensão ainda demasiado esquemática das forças histórico-sociais. Porém, dessa imaginação que pendia para o fantástico vinha a potência discursiva do Manifesto, a sua capacidade de suscitar os desejos mais ousados: o de romper grilhões, o de tomar de assalto os céus, o de virar o feitiço contra o feiticeiro.

O refluxo revolucionário da década de 1850 permitiu que Marx aprofundasse seus estudos de economia e elaborasse seu magnum opus. O livro I d'O Capital foi publicado em 1867 e, costumeiramente, é apresentado como um triunfo científico, mas, mesmo com a ressalva de que o plano da obra jamais foi realizado, o livro não trouxe nenhuma contribuição à compreensão política, tampouco à ação transformadora e emancipadora. Isolado da ação política depois da derrocada das forças revolucionárias na Alemanha e na França, Marx mergulhara no coração da Economia Política - a mais burguesa das ciências -  e passou a entender o capital como Sujeito Automático submetido a leis de ferro. É verdade que isso podia dissipar certas ilusões sobre as relações sociais nos países capitalistas mais avançados, mas dificilmente despertaria alguma ação revolucionária. Eis porque Gramsci declarou que a revolução bolchevique foi, em parte, uma revolução contra O Capital.

Não que Marx tivesse deixado de lado o seu posto de observação histórico-social, mas os comentários de Marx a respeito dos grandes eventos da década de 1870, como a Comuna de Paris e a organização do Partido Social Democrata alemão, tem um caráter episódico e carecem de elaboração teórica. Em geral, lúcidos e percucientes, esses comentários revelam também que o modo como Marx compreendia o comunismo, o partido, o Estado e a revolução se alterara bastante desde a época do Manifesto

Todavia, devido à sua concisão e brilhantismo, o Manifesto do Partido Comunista continuou e continua a ser o texto mais lido de Marx, assumindo a condição de ABC do revolucionário comunista.  A infelicidade é que, ao ignorar as condições históricas em que o documento foi produzido e sem levar em conta a posterior metamorfose dos conceitos, a leitura corrente do Manifesto só pode ser equivocada.  A primeira parte ainda desperta entusiasmos fáceis nos calouros dos cursos de Humanidades, mas a segunda é lida como se fosse a ladainha oficial de algum apparatchk do Comintern. Tudo o que nela havia de radical e de provocativo se desvaneceu.

Foi para recuperar algo do frescor inicial dessa parte do Manifesto que resolvi fazer o caminho mais longo: o de seguir as metamorfoses dos conceitos de Estado, comunismo, revolução e partido nos cem anos que se seguiram à publicação do Manifesto.

Posso adivinhar a impaciência do leitor, que se pergunta silenciosamente se tudo isso é realmente necessário. A isso respondo que, à parte o interesse arqueológico, há pelo menos uma razão prática nessa empreitada. A esquerda de hoje recusa – com razão – o léxico do velho comunismo, mas ela acredita – sem razão – que isso possa ser conseguido sem o penoso trabalho de ajuste de contas com o vocabulário político do marxismo. 

Evidentemente não aceito essa estratégia de tabula rasa. Quando os tempos andam bicudos, nunca é perda de tempo estudar os clássicos e revisar as esperanças frustradas de transformação e de emancipação. Já disse numa outra parte desse folhetim que os mortos tem o direito de permanecerem mortos, mas a esquerda - velha ou nova - tem o dever de recenseá-los. 


A história breve e intensa da Comuna de Paris, o último evento revolucionário sobre o qual Marx pensou, foi um desses momentos de expectativa e de derrota que compõem a história da esquerda, isto é, a história das tentativas de dar substância a três palavras muito gastas: liberdade, igualdade e fraternidade.

E, já que estou em casa, acrescento que três ou quatro amigos sabem do apreço que tenho pelo Muro dos Federados, no fundo do cemitério Père-Lachaise, junto ao qual fiz questão que Ludmila me fotografasse cento e quarenta anos depois dos acontecimentos que se seguem.

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O fim de Napoleão III

Na segunda metade da década de 1860, o Segundo Império titubeava entre um autoritarismo cada vez mais contestado e uma ineficiência cada vez mais manifesta. Se nas eleições de 1863, os candidatos oficiais tiveram uma vantagem de três milhões de votos sobre os candidatos da oposição, em maio de 1869 essa diferença caíra para somente um milhão.  Em Paris, tradicional bastião oposicionista, para cada voto governista, três foram dados para a oposição. Republicanos mais radicais, como Gambetta, ganhavam força. A Associação Internacional do Trabalho (a Primeira Internacional) era bastante ativa junto à classe trabalhadora e a influência de Proudhon continuava grande entre os artesãos e os pequenos burgueses.

Napoleão III se via obrigado a fazer concessões de cunho liberal. No dia 2 de janeiro de 1870, o imperador encarregou Émile Ollivier, um republicano moderado, de constituir um ministério. No entanto, essas concessões táticas vieram tarde demais para aplacar a imensa insatisfação de Paris e de grandes cidades como Lyon e Marseille.

Prova disso é a agitação que tomou conta de Paris quando Victor Noir, um jovem jornalista da imprensa republicana radical, foi assassinado pelo príncipe Pierre Bonaparte, primo do Imperador, no dia 11 de janeiro. Centenas de milhares acompanharam o cortejo fúnebre. O enterro se transformou numa grande manifestação contra um regime que tinha os dias contados.


O túmulo de Victor Noir no Père-Lachaise

O imperador lutava para manter-se à frente dos acontecimentos, mas não podia negar a vocação autoritária inerente ao bonapartismo. Apesar da reforma constitucional de abril, o governo era totalmente hostil ao movimento operário. Isso ficou evidente no episódio da prisão dos membros da Internacional em Paris: um ato cuja arbitrariedade foi apontada pelos próprios juízes que julgaram o processo. 

O pacote de reformas constitucionais proposto em abril foi submetido a referendo no dia 8 de maio. Mais uma vez, a oposição foi forte nas cidades. Em Paris, 59% dos votos eram contra, proporção que subia a 70% nos bairros trabalhadores do norte e leste da cidade. No entanto, a oposição republicana estava bem ciente da força do Império na França rural, ou seja, na maior parte do país.

Se o Segundo Império caiu com tanta presteza poucos meses depois, isso se deveu a um tropeço (mais um!) da sua política externa. 

Desde a vitória da Prússia sobre a Áustria em 1866, era inevitável que a França tentasse colocar termo às ambições de Bismarck. Quando a Prússia propôs um príncipe Hohenzollern para a sucessão na Espanha parecia ter chegado o momento propício para uma afirmação do poderio francês frente à Prússia. Os ultraconservadores franceses, temendo que a França se encontrasse cercada pela casa real prussiana tanto ao longo do Reno quanto dos Pirineus, exigiam do Imperador uma resposta enérgica e imediata.


O Imperador e Ollivier estavam dispostos a aceitar a retirada pura e simples da candidatura do príncipe alemão, mas os conservadores faziam questão de garantias, as quais Bismarck recusou em termos deliberadamente duros num telegrama que foi amplamente divulgado pela imprensa – o telegrama de Ems. Embora muitos deputados, entre os quais Adolphe Thiers, quisessem evitar a guerra contra a Prússia, Napoleão III sucumbiu à pressão do grupo ultraconservador ligado à imperatriz e acreditou nos prognósticos demasiado otimistas do ministro da guerra e do ministro dos negócios estrangeiros. No dia 19 de julho de 1870, com amplo apoio da opinião pública, inclusive de muitos trabalhadores, o governo francês declarou guerra à Prússia.

Os confrontos começaram no 2 de agosto. Logo se tornou notória a superioridade militar prussiana seja do ponto de vista tático-estratégico, seja do ponto de vista da qualidade do arsenal; para aumentar as dificuldades, o exército francês, mais afeito às funções repressivas de polícia do Império, habituado a massacrar trabalhadores urbanos e colonos africanos, mostrava-se bastante inábil na hora de enfrentar um exército estrangeiro bem equipado no campo de batalha.

As derrotas se sucediam. O governo Ollivier caiu. No 2 de setembro, o imperador, 39 generais e dezenas de milhares de soldados foram feitos prisioneiros em Sedan num fiasco militar sem igual até a ocupação de Paris pela Wehrmacht em 1940.

Quando a notícia do desastre chegou à capital no dia 4, a população invadiu a Câmara. A República foi proclamada, a terceira desde 1792.


O início da República

Rapidamente se constitituiu um Governo de Defesa Nacional composto por monarquistas e por republicanos moderados. Sua presidência foi concedida a um general chamado Trochu, o único disponível em Paris no momento. O sabre tinha o poder de tranquilizar os conservadores, alarmados com a palavra “república”. Em todo caso, as credencias reacionárias do novo governo eram notórias: muitos de seus membros, entre os quais o próprio general Trochu e o ministro Jules Favre, haviam tomado parte ou apoiado os massacres dos trabalhadores em junho de 1848.

Mesmo nessas condições, o movimento operário logo percebeu o potencial revolucionário da situação. As seções parisienses da Primeira Internacional e da Câmara Federal das Sociedades Operárias se reuniram no dia mesmo da proclamação da república para elaborar uma pauta de exigências ao Governo de Defesa Nacional, entre as quais a liberdade de manifestação e de reunião bem como o armamento de todos os cidadãos para a defesa da cidade. Também se discutiu a formação de um Comitê Central Republicano de Defesa Nacional dos Vinte Arrondissements, que foi instituído no dia 11.

Para evitar que a cidade caísse nas mãos de extremistas e de revolucionários, o Governo de Defesa Nacional tratou logo de nomear prefeitos leais para cada uma das vinte regiões administrativas da capital.

No dia 19 de setembro, as tropas prussianas cercaram a capital. As tentativas parisienses de furar o cerco se frustravam, o que confirmava as opiniões pessimistas do general Trochu, propenso à capitulação. No dia 30, a notícia da rendição do exército francês sitiado em Metz reforçou o sentimento de revolta e de desorientação dos parisienses.

Num lance espetacular, o ministro Gambetta escapou  de Paris num balão para conseguir tropas que atacassem a retaguarda prussiana. Em novembro, a cidade ainda tinha esperança na chegada dos reforços, mas as forças arregimentadas por Gambetta se esforçavam em vão para furar o cerco.

A chegada do inverno, a falta de combustíveis e de comida cobraram o preço que sempre cobram dos mais pobres:  fome, doença e morte das crianças e dos velhos. Os sobreviventes comiam tudo o que se mexesse: cães, gatos, ratos e até os animais do jardim zoológico foram abatidos para servir de alimento. O desespero aumentou quando os prussianos começaram a bombardear a cidade a partir do dia 5 de janeiro.

Apesar da resistência de Paris, a guerra propriamente dita estava encerrada. A vitória da Prússia era também o ato final da unificação da Alemanha. No dia 18 de janeiro de 1871, num acinte às antigas glórias da França, o rei Guilherme foi proclamado Kaiser de toda Alemanha no Salão dos Espelhos do palácio de Versailles. Tratava-se agora de estabelecer as condições da retirada das tropas alemãs. Uma vez que Bismarck só aceitaria negociar com um governo francês legítimo, a França e a Alemanha assinaram, no final de janeiro, um armistício temporário para que fossem realizadas eleições.

Nas eleições de 8 de fevereiro, a França rural e provinciana elegeu uma massa de deputados monarquistas para a Assembleia Nacional. Reunida em Bordeaux, a Assembleia escolheu Adolphe Thiers como chefe do poder executivo. Thiers se dedicava à política há quarenta anos. Era conservador, bonapartista e fora ministro do rei Luís Felipe, mas sentia-se perfeitamente à vontade numa república presidida por ele mesmo. No final de fevereiro, a Assembleia ratificou o tratado de paz negociado por Thiers. A França entregaria a Alsácia e parte da Lorena à Alemanha; pagaria uma indenização de cinco bilhões de francos e permitiria que as tropas alemãs desfilassem em Paris.

Tratava-se da suprema humilhação. As tropas alemãs, que não conseguiram vencer Paris pela força, iriam desfilar pela avenida Champs Élysées no dia 1º de março, com o consentimento do governo de Adolphe Thiers, o homem que se orgulhava de ter ordenado a construção do sistema de defesas de Paris...

Para evitar que os alemães confiscassem os canhões que haviam sido fundidos graças às subscrições particulares, a população de Paris os entregou à proteção da Guarda Nacional, composta de centenas de milhares de cidadãos mobilizados para a defesa da cidade.


A revolução de 18 de março e a Comuna

Era tensa a relação entre o governo eleito e a cidade de Paris. Para evitar as agitações da capital, sempre oposicionista e rebelde, a Assembleia Nacional se instalou em Versailles, sede dos monarcas absolutistas desde Luís XIV e local da coroação recente do próprio Kaiser!


O antagonismo entre a Assembleia e a população da capital aumentou quando, em 7 de março, foi decretado o fim da moratória do pagamento dos aluguéis, que fora concedida em agosto por Napoleão III para aliviar as dificuldades econômicas geradas pela guerra.  A pequena burguesia, que sofria para pagar seus aluguéis, passou imediatamente para o coro dos descontentes, do qual sempre fizera parte a classe trabalhadora de Paris.

O legislativo estava em segurança em Versailles, mas o poder executivo - representado por Thiers e pelos vinte prefeitos nomeados pelo extinto governo de defesa nacional -, continuava em Paris e se via desafiado pelo crescente poder da Guarda Nacional. No dia 3 de março, os delegados dos diversos batalhões haviam fundado a Federação Republicana da Guarda Nacional e, pouco depois, nomearam um Comitê Central executivo, composto de 4 delegados de cada região administrativa de Paris. O Comitê Central se apresentava como um órgão de defesa da república e da democracia social.

Thiers sabia que era preciso desarmar Paris e recuperar o controle sobre a Guarda Nacional.  Na noite de 17 para 18 de março, 15 mil soldados do exército foram enviados para tomar os canhões que eram guardados em Montmarte e em Beleville.  A população foi alertada e cercou as tropas, que se recusaram a atirar. Dois dos generais governistas que comandavam a operação foram fuzilados. Um deles, Clément-Thomas participara dos massacres de junho de 1848; o outro, Claude Lecomte, foi morto por seus próprios soldados.

O Governo ordenou a retirada do Exército. Os batalhões da Guarda Nacional começaram a tomar os edifícios públicos, os ministérios, as prefeituras, as estações de trens. Na tarde de 18 de março, Thiers fugiu de Paris, depois de ordenar que todos os funcionários públicos evacuassem a cidade e se transferissem para Versailles. Todos os serviços públicos foram abandonados.

O Comitê Central se instalou no Hôtel de Ville para anunciar as primeiras medidas: os tribunais militares foram suprimidos; os presos políticos, anistiados; a liberdade de imprensa, reestabelecida. Também se anunciaram eleições para a escolha dos delegados do autogoverno popular, o conselho da Comuna.   

Depois de alguns contratempos, as eleições se realizaram no dia 26 de março.  A abstenção foi alta nos bairros burgueses, mas o total de votantes era expressivo mesmo assim. Vinte e cinco operários foram eleitos num total de 86 delegados. Para substituir os delegados que abandonaram a Comuna, foram necessárias eleições complementares em abril.

A Comuna não tinha chefe de governo nem ministros. Não havia hierarquia entre os delegados do conselho da Comuna nem divisão técnica das atribuições. Em geral os delegados não tinham experiência política nem administrativa, mas eram obrigados a exercer múltiplas tarefas: administrar os arrondissements de que eram representantes, receber as queixas e reivindicações dos moradores, participar das comissões especiais para discutir propostas relativas às finanças, justiça, ensino, trabalho etc.

Devido ao contato direto dos delegados com a população, a pressão era constante e as decisões eram continuamente sujeitas a discussões. A multiplicidade de vozes, a atenção às demandas sociais (regulação das relações de trabalho, ensino laico público e gratuito, emancipação das mulheres) e a transparência do processo deliberativo eram radicalmente democráticas, mas a necessidade de defender a cidade que se encontrava mais uma vez sitiada exigia prontas tomadas de decisão e a capacidade de fazê-las cumprir. Esse era o ponto fraco da Comuna: muitos deliberavam, mas poucos obedeciam.


A Comuna enfrenta as tropas de Versailles

Thiers obteve da Alemanha a autorização de concentrar tropas com o objetivo de debelar a ComunaApós algumas negociações, Bismarck concedeu a libertação de cem mil prisioneiros de guerra para reforçar o contingente militar destinado a invadir Paris.

O primeiro confronto entre as tropas de Paris e as de Versalhes aconteceu no 2 de abril.  As sucessivas derrotas da Comuna  e o fuzilamento dos soldados capturados pelo exército legalista levaram a Comuna a ameaçar uma retaliação.  Várias pessoas leais a Versailles,  entre quais o arcebispo de Paris e muitos clérigos, foram tomadas como reféns. A Comuna anunciou que executaria três reféns por cada soldado federado que fosse capturado e fuzilado pelos versalheses. O arcebispo e outros reféns foram fuzilados nos momentos finais da Comuna. O ato forneceu aos inimigos da Comuna a prova cabal da barbárie e da loucura criminosa dos communards, mas Prosper-Olivier Lissagaray, republicano que lutou pela Comuna e escreveu a sua história, exige que esses fuzilamentos sejam devidamente pesados em relação ao massacre praticado pelo Exército durante a Semana Sangrenta.

Quando um punhado de exasperados, para se vingar de milhares de seus irmãos, fuzilam sessenta e três reféns entre os quase trezentos que eles tinham em mãos, a reação vela a própria face e protesta em nome da justiça. Que dirá então esta justiça daqueles que, metodicamente, sem nenhuma ansiedade quanto ao resultado da luta, fuzilaram vinte mil pessoas, das quais ao menos três quartos não tinham combatido” (Histoire de la Commune de 1871, p. 356)

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Paris estava sitiada mais uma vez. Quando os obuses do exército de Versailles começaram a cair sobre a região sul da cidade, a Comuna sofria com as decisões erráticas e incompetentes de seus comandantes militares. Para tornar mais ágeis as deliberações, as comissões foram reorganizadas no dia 21 de abril de modo que cada uma delas passou a ser chefiada por um delegado. Como isso não se mostrou suficiente,  foi instaurado um Comitê de Salvação Pública, de cinco membros, a despeito da oposição de uma minoria do conselho, que temia a deriva ditatorial da época do Terror.

Desde o final de abril, os federados perdiam posição dia após dia. No dia 20 de maio, 130 mil soldados de Versailles começaram a entrar em Paris. O Comitê de Salvação Pública lançou um apelo geral às armas. Os bairros populares encheram-se de barricadas. Para dificultar o avanço do adversário, os edifícios abandonados foram incendiados, tática de guerra amplamente usada ao longo da história, mas convertida em peça de acusação pelos inimigos da Comuna. 

(Uma das lendas mais persistentes criadas pela imprensa e pela historiografia reacionárias é a de que os incêndios foram atentados insensatos contra a propriedade privada e contra o patrimônio histórico perpretados por autênticas harpias munidas de tochas, fúria e petróleo, as "pétroleuses". Por mais horrenda e infame que seja a lenda, trata-se de um reconhecimento - bem torto, é verdade - do papel crucial que as mulheres tiveram na Comuna de Paris.)



A derrota e a Semana Sangrenta

No dia 24, o Conselho da Comuna abandonou o Hôtel-de-ville e se instalou na prefeitura do 11º arrondissement em plena área popular do leste de Paris. No dia 26, restavam apenas grupos isolados de resistentes no bairro Saint-Antoine e nas vizinhanças. No dia 28, as forças de Versailles tomaram a última barricada, na rua Oberkampf.  

O general Mac-Mahon pôde, então, proclamar em triunfo: “Moradores de Paris, Paris está livre! Hoje a luta terminou. A ordem, o trabalho e a segurança irão renascer.” (Histoire de la Commune de 1871, p. 351)

O renascimento da ordem, do trabalho e da segurança costumam ser cobrados a preço de sangue. Lissagaray lembra que “os massacres em massa duraram até os primeiros dias de junho e as execuções sumárias até o meio do mês. Não se sabe o número exato de vítimas da semana sangrenta. O chefe da justiça militar admitiu 17 mil fuzilados. O conselho municipal de Paris pagou pelo enterro de 17 mil cadáveres; mas um grande número de pessoas foram mortas ou incineradas fora de Paris; não é exagerado dizer vinte mil, cifra admitida pelos oficiais.” (idem p. 358)

Num telegrama, Thiers confidenciou a seus prefeitos:“O solo está juncado de cadáveres. Esse espetáculo pavoroso servirá de lição.” (idem, p. 356)

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Terminado o trabalho sangrento na capital, o governo Thiers enviou cem mil soldados para uma outra missão: conter uma revolta muçulmana na Argélia.




Hôtel de Ville  de Paris



Alfred Fierro, Histoire et Dictionnaire de Paris, Éditions Robert Laffont | Eric Hobsbawn, The Age of Capital 1848-1875, Abacus | Prosper- Olivier Lissagaray, Histoire de la Commune de 1871  | Roger Price, A Concise History of France, Cambridge University Press | Robert Ponge, A Comuna de Paris | Jacques Rougerie , Paris Libre 1871, Éditions du Seuil | Robert Schnerb, História Geral das Civilizações vol. 13 O século XIX , Difusão Europeia do Livro | Peter Watkins, La Commune (Paris, 1871), filme, 2000 (parte 1 e parte 2)





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