domingo, 31 de agosto de 2014

Quando a pátria que temos não a temos: conclusão





De Lisboa, com céu claro, vê-se toda a  Europa


(Uma introdução ao debate europeu)





1. A crise de legitimidade da União Europeia

No campo das análises institucionais, tornou-se corrente a distinção de dois tipos de legitimidade: de um lado, aquela que é reconhecida numa instituição em vista dos seus bons resultados e do incremento de benefícios que produz (output legitimacy); de outro lado, a que é atribuída a sua forma organizacional e a seus métodos de atuação (input legitimacy). Essa distinção conceitual é muito útil quando se trata de compreender os impasses da União Europeia nos últimos cinco anos.

O fracasso dos governos nacionais e dos órgãos executivos da União Europeia em controlar os efeitos desastrosos da recessão econômica levou a ondas de protestos, greves e troca de governos. Em vista dos índices econômicos negativos, instalou-se uma crise de output legitimacy.  Essa crise se agravou com a iniciativa do governo Sarkozy (França) e Merkel (Alemanha) de impor soluções tecnocráticas de emergência passando por cima dos mecanismos burocráticos de Bruxelas.  Ficou, então, evidente a derrocada institucional da Comissão Europeia, do Conselho Europeu e do Banco Central Europeu diante da força do setor financeiro franco-alemão, que emitia seus diktats a partir de Frankfurt (cf. The emergence of the Frankfurt Group has turned back the democratic clock). O fato de um tecnocrata como Mario Monti, former international advisor do Goldman Sachs, ter sido imposto pelo grupo de Frankfurt como primeiro-ministro da Itália de 2011 a 2013 mostrou ao mundo o risco que as democracias europeias corriam e a própria lacuna democrática dos órgãos executivos europeus, tomados de assalto pelos interesses da elite financeira. A legitimidade da estrutura organizacional da União Europeia (input legitimacy) passou a ser amplamente questionada à medida que os summits/cimeiras/reuniões de cúpula se sucediam e a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) impunha duras condições para o financiamento dos países endividados, ameaçando os serviços de bem-estar social implantado a tão duras penas. 


"Desde 9 de maio de 2009, o Conselho Europeu ultrapassou um limiar importante ao tomar decisões sobre pacotes de resgate e possíveis conversões da dívida, bem como ao declarar o propósito de harmonizar os orçamentos estatais em todos os domínios da política econômica, fiscal, de mercado de trabalho, social e de educação que fossem relevantes para a manutenção da concorrência. Para além desse limiar, surgem novos problemas de justiça distributiva; com a passagem de uma integração “negativa” para uma “positiva”, o peso se deslocou de uma legitimação de output para uma legitimação de input – para os cidadãos, uma influência ativa no tipo e no conteúdo das políticas e das leis se tornou cada vez mais importante na mesma medida em que cresceu a insatisfação com as prestações de serviços estatais. Portanto, residiria na lógica desse desenvolvimento que os cidadãos do Estado, que têm de aceitar uma redistribuição dos encargos para além das fronteiras nacionais, queiram ter uma influência democrática, no seu papel de cidadãos da União, sobre o que seus chefes de governo negociam ou combinam em uma zona juridicamente cinzenta. Em vez disso, observamos, por parte dos governos, uma tática de espera e, por parte das populações, uma rejeição ao projeto europeu em seu todo, atiçada de maneira populista. Esse comportamento autodestrutivo pode ser explicado pelo fato de as elites políticas e as mídias hesitarem em atrair a população para o tema do futuro de uma Europa comum." 
(Habermas, Sobre a Constituição da Europa,  p. 86) 

Nesse momento, o tratado promulgado em Lisboa em 2009, cujo objetivo anunciado era reforçar os mecanismos democrático-federalistas da União Europeia parecia ter sido enterrado e substituído por um  federalismo executivo não-democrático, com sua realpolitik cínica e indiferente aos protestos e sofrimentos de milhões de desempregados e pensionistas, para não mencionar a massa de imigrantes que se amontoava às portas da Europa em lugares como a ilha de Lampedusa, na costa italiana. 


 2. Quem se opõe à tirania de Bruxelas?


Todos os passos que conduziram à criação da União Europeia foram negociados pelas elites políticas e econômicas de alguns poucos países. Desde sempre houve um défice democrático, mas isso parecia menos importante nas décadas de 1950 e 1960, quando os governos social-democratas ou democratas cristãos da Europa Ocidental pareciam ter credenciais democráticas superiores aos seus antecessores da década de 1930. Além disso, o objetivo alegado de evitar uma nova guerra entre as nações europeias parecia uma razão forte o suficiente para que os cidadãos aceitassem acordos feitos a porta fechadas, o que se tornou ainda mais fácil quando os efeitos positivos desses acordos se fizeram sentir na década de 1970 e 1980 com a consolidação da Comunidade Econômica Europeia.

Se o défice democrático é tão sentido agora, isso se deve não somente à crise econômica que gerou milhões de desempregados. É que a própria compreensão do conceito de democracia sofreu uma mudança: não se espera apenas uma estrutura política que permita a representação dos eleitores através do processo eleitoral. Espera-se também que os cidadãos possam participar da gestão de seus interesses, orientar a pauta de negociações e fiscalizar os resultados. Diante dessas exigências novas, as personalidades políticas do período que vai do imediato pós-guerra até a década de 1970 - aquelas mesmas que firmaram as bases da futura União Europeia -, parecem figuras rígidas, paternalistas, burocráticas e um tanto ultrapassadas. O impulso civilizatório e pacificador de um poder exercido de maneira racional-burocrática, bem distante dos perigosos apelos carismático-populistas da década de 1930, envelheceu e agora parece autoritário face aos novos democratas da gestão participativa. É por isso que Bruxelas é vista hoje como sede de uma odiosa "tirania".

A reação ao federalismo executivo não-democrático de Bruxelas vem de dois grupos. De um lado, estão os europeístas, que defendem que é preciso que a União Europeia assuma a defesa dos interesses das populações afligidas pela crise econômica, através de um novo pacto de governança democrática (pacto que, para alguns, já estava sendo esboçado pelo Tratado de Lisboa). De outro lado, estão os eurocépticos, que põem em dúvida a capacidade da União Europeia de resolver os problemas que ela mesma ajudou a criar e questionam a possibilidade de uma cidadania europeia, entendida como uma participação democrática organizada acima e além das fronteiras nacionais dos países membros. 



(a) Os europeístas

De modo geral, um europeísta é um otimista que acredita que os problemas atuais da Europa só podem ser resolvidos pela ampliação da atuação da União Europeia em linhas transparentes e democráticas. Do ponto de vista político, os europeístas são moderados: socialistas, democratas cristãos, liberais. Sua agenda pode ser resumida em três pontos:


- a União Europeia tem um papel civilizador na medida em que oferece um campo de regras comuns e de soluções negociadas, ao invés das soluções manu militari.

- a União Europeia pode dar um papel relevante para a Europa do ponto de vista econômico e diplomático no quadro das potências mundiais.

- a União Europeia pode e deve assumir o papel de elevar os indicadores sociais dos países mais pobres da Europa e garantir condições de bem-estar homogêneas para todos os seus cidadãos.

O federalismo executivo não-democrático praticado pelas instituições europeias é visto como o principal entrave à agenda europeísta, pois nega aos cidadãos europeus qualquer capacidade decisória, levando-os a recusar o próprio projeto da União Europeia.

O artigo do jornalista espanhol  Jose Ignácio Torreblanca é representativo das aspirações e preocupações dos europeístas.

"Érase una vez un país llamado Eurolandia. Con 332 millones de habitantes, ese país era el tercero del mundo en población, sólo por detrás de China e India y ligeramente por delante de EE UU (que contaba con 318 millones de habitantes). Con un PIB de 9 billones de euros, Eurolandia era la segunda economía más grande del mundo, sólo por detrás de Estados Unidos (11 billones), muy por delante de China (6 billones) y a años luz de Rusia (1,6 billones). Con algo más de 28.000 euros de renta per cápita, sus ciudadanos disfrutaban de un nivel de riqueza y bienestar incomparablemente más alto que el de la mayoría de los habitantes del planeta y vivían en un espacio de libertad y seguridad sin parangón, con unos sistemas democráticos y de bienestar social que se contaban entre los más avanzados del mundo
Sí, bueno, los eurolandos y las eurolandas, pues así habían convenido en llamarse, también tenían problemas. No todo era perfecto en Eurolandia, ni mucho menos: había desempleo y desigualdades, regiones ricas y pobres, una población envejecida y endeudada, mujeres que ganaban menos que los hombres y unos jóvenes sin muchas perspectivas. Por haber, había hasta radicales extremistas que abominaban de todo. Pero no era eso lo que llamaba la atención al resto del mundo. Al fin y al cabo, ¿qué sociedad avanzada no tenía esos o parecidos problemas? No, lo que verdaderamente llamaba la atención a sus vecinos y visitantes era cómo los eurolandos conducían sus asuntos públicos. Pues la República de Eurolandia se gobernaba de una manera que al resto del mundo se le antojaba incomprensible.
Los eurolandos tenían una moneda común y un mercado integrado, con libertad de circulación de bienes, personas, capitales y servicios, pero no tenían impuestos comunes ni emitían deuda en común. Tampoco querían sentarse juntos en los organismos internacionales: en los sitios que contaban, como el FMI, el G-20 o el Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas, preferían ir por libre, apoyándose en sus viejas identidades y caducas estructuras estatales. Tampoco parecían apreciar las ventajas de tener una política exterior propia, prefiriendo relacionarse bilateralmente con el resto del mundo, aunque fueran más débiles y siempre salieran perdiendo.
Pero todos estos absurdos, incomprensibles para el resto del mundo, palidecían en relación a su manera de gobernarse. Los eurolandos no tenían un gobierno que gobernara ni una oposición que lo criticara. Tampoco un Parlamento que eligiera y controlara a su gobierno o que recaudara impuestos en su nombre. Además, decían no necesitar un Ministerio de Hacienda y no tener interés en que su banco central promoviera el crecimiento y el empleo. Tampoco parecían interesarse mucho por redistribuir la riqueza, sostener a sus mayores, formar a los jóvenes o garantizar la igualdad de oportunidades. Cuando les preguntaban por estas carencias, se encogían de hombros. A todo esto le llamaban “gobernanza”, y parecía no molestarles en demasía. Algunos ni siquiera iban a votar."
(José Ignacio Torreblanca, Érase una vez Eurolandia, El País,15 de maio de 2014)


(b) Os eurocépticos

Os eurocépticos argumentam que:

- A função pacificadora da União Europeia poderia ser realizada pelos próprios governos nacionais;

- A União Europeia não chegou a criar cidadãos europeus. A cidadania e o exercício da democracia se dão no âmbito nacional.

A agenda dos euroscépticos se reduz a poucos pontos:

- A Europa precisa de uma área de livre comércio (como a criada pelo Mercado Comum Europeu e pela Comunidade Econômica Europeia), mas a moeda comum e as instituições executivas comuns diminuem a área de atuação dos governos nacionais e submete os cidadãos de cada país às determinações de Bruxelas.

- É preciso impôr restrições ao livre movimento de pessoas (por exemplo, os ciganos) e fazer cessar o turismo de subsídios dos europeus mais pobres e imigrantes não-europeus em direção aos países mais ricos.


Politicamente, o eurocepticismo está em crescimento, como foi verificado nas eleições para o Parlamento europeu em maio de 2014. O Front National, de Marine Le Pen, que costuma ficar atrás da UMP e do Partido Socialista na França, foi o partido francês que mais elegeu representantes para o Parlamento Europeu. Algo semelhante aconteceu ao UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), de Nigel Farage, que não tem representantes no Parlamento Britâncio, mas elegeu 24 representantes nas eleições europeias de maio. Outros partidos eurocépticos como o FPÖ (Áustria), o Vlaams Belang (Bélgica), o PVV (Holanda) e a Lega Nord (Itália) tiveram desempenhos significativos.

Apesar do temor que a grande imprensa manifestou diante dessas vitórias, os partidos eurocépticos enfrentam várias dificuldades práticas, que podem colocar um termo a seu ímpeto. A primeira está no paradoxo de que tais partidos somente podem levar adiante as suas propostas anti-União Europeia se ocuparem cadeiras do Parlamento europeu e negociarem consensos no plano europeu. A segunda é que os partidos eurocépticos são demasiado heterogêneos e paroquiais, o que dificulta coalizações significativas no plano parlamentar. Basta lembrar que há os radicais à esquerda, como o Syriza (Grécia) e o Podemos (Espanha); há a direita neoliberal do UKIP, que quer a Europa como espaço de mercado, mas não como espaço de cidadania; há os partidos populistas ultranacionalistas como o Front National (França), a Aurora Dourada (Grécia), o Jobbik (Hungria) etc. (para um mapa da extrema-direita europeia, ver Cartographie de la extrême-droite, du populisme et du nationalisme en Europe).

O artigo a seguir exemplifica, em termos bastante moderados, alguns pontos de vista dos eurocépticos:

"It is time to let go of the past and to focus on the future. The union has now reached a stage where it is dangerous to continue with an attitude based on the premise that opposition to an ‘ever closer union’ is opposition to peace in Europe. Such a viewpoint is without doubt anachronistic and worse still has a debilitating effect on legitimate debate of crucial issues. For instance, were the Labour party to redirect £1.5 million worth of public funds into their election campaign the response would almost certainly have been one of outrage. Yet when the European Commission redirects €1.8million into the ‘Yes’ campaign for the second Irish referendum, all attempts to protest where stifled by cries of extremism, nationalism or both. This fundamentally fails to grasp the motivations behind such protests. Opposition to such an action is not necessarily based on hostility to EU membership or even to the treaty itself, but rather on the principle that it is wrong to allow vested interests to use public funds in an election. If this had occurred in a UK general election it is likely that the Electoral Commission would have ruled the result invalid. Alarm bells must surely be sounded when such dual standartds are applied in the name of democracy and yet, due to the highly polarised nature of pro-European lobby, they are not.
The answer to this quandary? Europe needs more Eurosceptics. And urgently. With the final ratification of Lisbon the EU institutions are, if not more powerful than member states, then they are certainly their equal. Yet the organisation remains riddled with flaws unthinkable to any democrat. Unresponsive to public pressure, unaccountable to elected scrutiny and, for all the good it does, increasingly alien to its citizens. How Europe matures in the face of rising Euroscepticism will play a large role in the making or breaking of the body as an actor of significance. But time is not on its side. After decades ofwriting off all opposition as nationalistic rejectionists who endanger the peace of a continent, the pro-European movement increasingly finds itself defending the indefensible. Seemingly indifferent to legitimate objection, the EU is in danger of giving undue credence to its more polarised opposition (Sweden’s ‘Left Party’ or the British ‘UKIP’) atthe expense of moderate reformists. The steps required to reverese this state of affairs will require a complete reevaluation of the way in which the EU handles criticism and how it sees itself- no longer as the martyred saviour, instead it must see every facet of the flawed reality - and ultimately how it conducts business. The acceptance of opposition to integration will not be an easy journey, it is however a vital one if ever the EU is to gain widespread legitimacy and support beyond its usual proponents."
(Elliot Nichols, In defence of Euroscepticism - Why Europe nees more, not less, Euroscepticism, Eureka, march 2010 p. 11)


3. A proposta democrático-normativa de Habermas


O silêncio dos intelectuais europeus a respeito da crise de legitimidade foi observado pelo jornalista sueco Per Wirtén no artigo Where were you when Europe fell apart?  As intervenções de Habermas, reunidas no livro Sobre a Constituição da Europa (publicado originalmente em 2011), se quebraram esse mutismo inexplicável, foram vistas com reservas, dada a sua fragilidade diante da gravidade e complexidade da situação europeia.

Para Habermas, a Europa é, antes de tudo, um projeto constitucional, porém este projeto tem sido obstruído pela crise de legitimidade da União Europeia e pela falta de coragem dos governos, seja diante do sistema financeiro e das agências de rating, com sua pressão desregulamentadora, seja diante do avanço dos partidos que se apoiam na insatisfação popular num momento de recessão econômica.

Como todos os europeístas, Habermas sustenta que a saída para os problemas da Europa exige o reforço das instituições da União Europeia.  No caso de Habermas, isso significa elaborar uma constituição que:

(a) supere o caráter não-democráticos dos pactos firmados na esfera governamental

"O "pacto pela Europa" repete um erro antigo: acordos sem obrigação legal firmados no círculo fechado dos chefes de governo são ineficazes ou antidemocráticos e, por essa razão, têm de ser substituídos pela institucionalização democraticamente insuspeita de decisões tomadas em comum."
(Jürgen Habermas, Sobre a Constituição da Europa, p.41)

(b) supere a fragmentação política, tornando possível a existência de uma esfera democrática transnacional para enfrentar os coerções do sistema financeiro globalizado

"(...) a fragmentação politica permanente no mundo e na Europa contradiz o crescimento sistêmico unificado de uma sociedade mundial multicultural e bloqueia o progresso na civilização jurídico-constitucional das relações de poder estatais e sociais. "
(idem, p. 44) 

"Pois apenas com tais capacidades transnacionais de controle podem ser domesticados os poderes sociais naturalizados que se desencadeiam no plano transnacional, vale dizer, as coerções sistêmicas que transgridem impassivelmente as fronteiras nacionais (hoje, em especial, as coerções oriundas do setor bancário global)."
(idem, p. 48) 

"Se não quisermos nos resignar diante do fato de que dependência crescente dos Estados nacionais em relação às coerções sistêmicas de uma sociedade mundial cada vez mais interdependente tem de ser reconhecida como irreversível, impõe-se então a necessidade política de ampliar os procedimentos democráticos para além das fronteiras nacionais."  
(idem, p. 53)  

"Portanto, as competências que foram transferidas do Estado nacional para instâncias supranacionais, ou distribuídas entre eles, certamente não devem ser apenas juridificadas, de modo geral, no regime dos tratados internacionais. Tais competências têm de ser juridificadas de forma democrática. No caso de uma transferência de direitos soberanos, o espaço de autonomia política só não diminuiria caso os cidadãos de um Estado concernido participassem com os cidadãos dos demais Estados envolvidos do processo de legislação supranacional de acordo com um procedimento democrático."
(idem, p. 56) 


Portanto, a juridificação democrática da União Europeia é uma forma de resistir ao controle não-democrático exercido pelo sistema financeiro através dos governos:

"Em 22 de julho de 2011, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy selaram um compromisso vago, e que certamente precisa ser esclarecido, entre o liberalismo econômico alemão e o estatismo francês, o qual traz à tona um propósito absolutamente diferente. Todos os sinais apontam para o fato de ambos quererem desenvolver um federalismo executivo já inscrito no Tratado de Lisboa, recorrendo a uma dominação intergovernamental do Conselho Europeu – e indo de encontro ao espírito do Tratado. Nesse caminho de um controle central por parte do Conselho Europeu, eles poderiam comunicar os imperativos do mercado para os orçamentos nacionais. Com isso, acordos feitos de modo não transparente e juridicamente informais são impostos, com base em sanções e pressões, sobre os parlamentos nacionais desprovidos de poder. Os chefes de governo acabam invertendo, desse modo, o projeto europeu. Aquela comunidade supranacional antes constituída democraticamente serviria como um arranjo para o exercício de uma dominação burocrática e pós-democrática.
A alternativa consiste em continuar de maneira consequente a juridificação democrática da União Europeia. Uma solidariedade civil em todo espaço europeu não poderia se desenvolver caso as desigualdades sociais se tornassem estruturalmente constantes entre os Estados membros, vale dizer nos pontos de ruptura nacionais. A União tem que garantir o que a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (no artigo 106, inciso 2) chama de “homogeneidade das condições de vida”. Essa “homogeneidade” diz respeito apenas a um campo de variação das condições sociais de vida considerado aceitável sob os pontos de vista da justiça distributiva, e não a um nivelamento das diferenças culturais. Além disso, é necessária uma coesão política socialmente revestida para que se possa proteger a diversidade nacional e a riqueza cultural incomparável do biótopo da “Antiga Europa” no interior de um processo de globalização rapidamente progressivo."
(idem, p. 88) 



4. Objeções a Habermas

A propósito de outra obra de Habermas (Direito e Democracia, entre facticidade e validade), Perry Anderson observou duramente que o autor faz um "vaivém teórico , do optativo ao indicativo, e vice-versa, que nunca se estabelece firmemente em nenhum dos polos (...) O resultado é uma teoria que não consegue ser nem uma descrição acurada do mundo real nem um conjunto de propostas críticas para um mundo melhor. (...) Seu efeito é apologético. Nossas sociedades são melhores do que as concebemos" (Perry Anderson, Espectro: da direita à esquerda no mundo das ideias, p. 154-5). 

No ensaio Sobre a Constituição da Europa, os problemas apontados por Perry Anderson se repetem. A insistência de Habermas no papel civilizador de uma constituição como resposta ao défice democrático da Europa parte das seguintes premissas:

(a) a exigência de normatividade é condição transcendental da vida social;

(b) em condições de comunicação perfeita, a normatividade é expressa em leis formuladas explicitamente e aceitas sem coação;

(c) todos os conflitos no plano fático resultam de desvios em relação à normatividade transcendental ou às leis já formuladas;

(d) esses conflitos precisam ser dirimidos pela (re)formulação de leis;

(e) a forma assumida pelas leis em cada país e em cada época é civilizadora porque regula o plano fático de acordo com a exigência transcendental de normatividade. 

Tais premissas se colocam num plano teórico que não é jurídico nem histórico-social, mas é constitutivo de ambos. Trata-se do plano a priori onde repousam as condições de validade das normas para os seres racionais e autônomos, bem como as condições que tornam possível o  império da lei nas sociedades existentes. Nessa esfera transcendental, a argumentação de Habermas é desenvolta e convincente, mas ela começa a mostrar fissuras tão logo é confrontada seja com o plano jurídico (o das leis e normas existentes), seja com o plano histórico-social (o dos conflitos). 

Embora Habermas mencione pontualmente alguns fatos que exemplificam o caráter não-democrático das instituições executivas da União Europeia, ele deixa de lado toda a sua tumultuada história: as resistências, as negociações de gabinete, os exercícios de força, assim como deixa de lado todos os aspectos econômicos e geopolíticos que complicam a crise: que o espaço da União Europeia não coincide com a zona do euro, que a economia da União Europeia concorre com a dos Estados Unidos, da China e dos países emergentes, que o expansionismo da União Europeia cria problemas econômicos, sociais e políticos que os órgãos europeus se mostram incapazes de resolver, que o movimento imigratório para a Europa exige lidar com o delicado problema das fronteiras e do fluxo de pessoas, que a Alemanha tem assumido claramente uma posição acima e à frente dos demais países da União Europeia etc.

A fragilidade da posição teórica de Habermas se torna mais clara quando ele enuncia os elementos fundamentais de uma comunidade democrática:

"Com esse objetivo, distinguirei três elementos que, de um modo ou de outro, têm de ser incorporados em toda comunidade democrática:
- a comunitarização de pessoas de direito que, em um espaço determinado, unem-se para formar uma associação de cidadãos livres e iguais, concedendo reciprocamente direitos que garantem  a todos igual autonomia privada e pública.
- a distribuição de competências no espaço de uma organização que assegura, com meios administrativos, a capacidade de ação coletiva dos cidadãos associados;
- o medium de integração de uma solidariedade civil estatal ou supraestatal necessária para uma formação política comum da vontade e, com isso, também para a produção comunicativa de um poder democrático e para a legitimação do exercício da dominação."
(Sobre a Constituição da Europa, pp. 58-59) 

Uma constituição apresenta esses três elementos na forma de (1) uma seção sobre os direitos fundamentais dos indivíduos, (2) uma seção sobre a organização política do Estado e (3) uma seção que define quem é o povo soberano, isto é, quem é o sujeito político da democracia. No entanto, embora uma constituição possa instituir - no próprio ato de enunciá-los - os direitos fundamentais do indivíduo e as regras de organização política, uma constituição não pode fazer surgir, por meio de um enunciado performativo, um povo soberano, dotado de vontade política comum.  No máximo, os dispositivos constitucionais podem reconhecer e regulamentar os meios de integração da sociedade civil.  Por isso, embora as redes sociais virtuais e os fóruns de discussão na internet tenham criado um  amplo espaço de manifestação e de formação de opinião pública em que os cidadãos de diferentes países possam se comunicar, discutir e expressar suas frustrações e anseios, isso ainda não foi suficiente para criar uma verdadeira solidariedade civil transnacional, tampouco uma verdadeira vontade política coletiva. Portanto, ainda não existe um povo, um demos, que seja sujeito político para além das fronteiras nacionais. Esse argumento ficou bastante popular como "no demos"

O problema está em encontrar um solo comum a partir do qual se poderia definir a experiência coletiva de pertencimento à Europa, como fundamento de uma cidadadia europeia. Primeiramente porque nenhuma proposta de federalismo democrático constitucional pode passar por cima do fato de que existe uma enorme diversidade cultural, linguística, religiosa e étnica dentro do espaço europeu, que se manifesta em vários movimentos autonomistas regionais. Todas as tentativas de encontrar um solo extra jurídico comum para legitimar o pertencimento a uma comunidade de cidadãos europeus esbarram nessa diversidade. Aqueles que consideram que a experiência das guerras e genocídios da primeira metade do século XX deveria ser suficiente para fundar uma Europa unida e pacífica, esquecem-se de que certos países como Portugal, Suíça, Suécia e Noruega escaparam do pior praticamente incólumes.  Por outro lado, mesmo nos países que sofreram de maneira mais brutal, a distância histórica crescente começa a surtir o efeito na forma de esquecimento, apesar dos periódicos eventos oficiais de rememoração, que soam cada vez mais falsos.  Nenhuma experiência histórica é vivida com a mesma intensidade e o mesmo significado por todos os envolvidos. Daí que seja inútil recorrer ao passado europeu para justificar todas as decisões que dizem respeito ao futuro da Europa. Mesmo os benefícios já alcançados pela integração dos países europeus nos pós-guerra não bastam para criar algum tipo de solidariedade política transnacional como base para um federalismo constitucional.

"A European demos need not define itself in linguistic, religious, ethnic, racial or any other purportedly ‘organic’ or ‘pre-political’ terms — that would be dangerous and unacceptable.  But, for better or worse, a European demos must still define itself historically.  This species of historical legitimacy builds on more than merely legal and technocratic foundations—indeed, on more than what Max Weber called ‘the directly economic disposition of goods and services’. Rather, it must be grounded in what Weber described as a ‘particular pathos’ and ‘enduring emotional foundations’ derived from a history of ‘common political struggle’.
The devastating legacy of extreme nationalism, war, and genocide in Europe in the first half of the twentieth century did much to propel the integration process forward in the second half.  But that devastating experience, along with the seeming benefits of the integration process itself (its so-called output legitimacy) have proven insufficient to create a sense of an autonomous European demos capable of self-rule through supranational institutions ‘constituted’ for this purpose.  Hence the limitations on supranational solidarity that one now senses in the Eurozone crisis."
(Peter Lindseth, The Eurozone Crisis and Europe’s Persistent ‘No-Demos Problem’)

Habermas, porém, não se impressiona com a força do argumento "no demos", que ele descarta sem mais considerações:

"A conhecida resposta "no demos" se impôs a partir de uma perspectiva presa ao século XIX: não existiria um pouco europeu; nesse sentido, uma união política que merecesse esse nome seria uma mera construção sobre a areia. Eu gostaria de contrapor a essa interpretação uma outra que considero mais adequada: a fragmentação politica permanente no mundo e na Europa contradiz o crescimento sistêmico unificado de uma sociedade mundial multicultural e bloqueia o progresso na civilização jurídico-constitucional das relações de poder estatais e sociais." 
(Sobre a Constiuição da Europa, p. 44) 

Que o argumento "no demos" seja desprezado como mera velharia política do século XIX é especialmente estranho quando se considera que a alternativa que Habermas propõe - a democracia cosmopolita - retoma um ideário ainda mais vetusto: a proposta de Kant para a Paz Perpétua (1795), que foi retomada duzentos anos depois por vários teóricos. 

Os defensores da democracia cosmopolita, como Daniele Archibugi, partem da observação empírica de que os estados são soberanos de iure, mas não autônomos de facto, uma vez que as populações de cada estado não podem ser protegidas contra as forças que ultrapassam fronteiras (como acidentes nucleares, grandes vazamentos de petróleo nos oceanos, efeitos das mudanças climáticas ou do movimento agressivo e globalizado do capital).  


"We are not, of course, living in a situation of international anarchy; nevertheless, many of the decisions that affect our lives are taken behind the scenes, by shadowy figures— people over whom neither we nor, it seems, our governments exercise any control. The state may pose itself as a protective womb, assuaging the anxieties of its population, but it has too often failed to deliver what it has guaranteed. Globalization makes it all the harder for it to fulfil its contract with its citizens." 
(Daniele Archibugi, Demos and Cosmopolis, New Left Review 13, January February 2002 p.28)

Embora Habermas seja simpático às propostas de uma democracia cosmopolita, a sua preocupação com a legitimidade da União Europeia constitucionalmente definida segue em faixa contrária ao aspecto mais interessante da teoria de Archibugi, que é justamente o caráter aberto, não-apriorístico e em construção permanente de uma democracia cosmopolita:

"One of the core assumptions of the idea of cosmopolitan democracy is that the membership of democratic constituencies should not be defined and closed ex-ante, but on the contrary that it should be able to include in the decision-making process all the agents that have a stake in the decisions to be taken. An increasing globalizing society is making communities more and more permeable. If democracy should be preserved as political method, it should learn how to include unexpected groups of stake-holders."
(Daniele Archibugi, Cosmopolitan democracy: a restatement, Cambridge Journal of Education, march 2012 p. 18)

Não se trata, assim, de propôr uma constituição para o "povo" do mundo, mas de dar voz a grupos heterogêneos de stake-holders em cada questão específica (por exemplo, a discussão das questões que envolvem o uso de combustíveis fósseis devem levar em conta as populações dos países produtores de petróleo ou carvão, as populações dos países que dependem dos combustíveis, os ambientalistas, as grandes empresas do setor etc).  Não é a juridificação que vai constituir o povo soberano, mas sim a prática pela qual os diversos segmentos conquistem sua voz no debate. Esse processo, feito de embates e confrontos, é lento e difícil. Mesmo na Europa, ele está apenas começando.


5.  As forças internas que ameaçam a integração europeia


Os problemas internos da União Europeia são amplamente noticiados pela imprensa ocidental. Com base no que se lê nos artigos especializados nos jornais, a insatisfação dos europeus se manifesta de duas maneiras: no retorno dos discursos e práticas nacionalistas e no avanço da extrema-direita. Trata-se de dois fenômenos que frequentemente são confundidos, embora sejam relativamente independentes um do outro.


(a) O retorno dos nacionalismos

Durante a crise da zona do euro, vários preconceitos latentes dentro da comunidade europeia ressurgiram, dando livre livre curso a velhos estereótipos: os povos mediterrâneos seriam indolentes e corruptos, os alemães criptonazistas, os franceses egoístas e arrogantes etc. A maneira como os governos Sarkozy e Merkel conduziram as negociações com as autoridades do Conselho Europeu também aumentou a tensão entre os países europeus ricos e pobres, razão pela qual alguns intelectuais alertam para o perigo do retorno dos nacionalismos, especialmente na Alemanha, pouco afetada pela crise, rica, poderosa e capaz de definir os rumos de toda a União Europeia, sem o consentimento dos outros países. 

"Any investigation of Europe, wherever you start and whichever direction you take at first, ends up in Germany. So it is interesting that the "German question" is now returning to the political debate, albeit formulated in new ways. Joschka Fischer has said that Germany, conscious of its historical role, has until now driven the realization of the European idea, but he is concerned that Germany may now have lost interest. However, the new "German question" has surely begun to change shape. Germany, aware of the strength that Fischer fears, has insisted on the submission of other nations and on continued integration according to conditions set from Berlin. What is about to change is the unwritten contract between Germany and the rest of the continent on the subject of the European idea.
(...)
I believe that, for once, Jürgen Habermas is misjudging the matter when he argues that the link between the European project and the concept of peaceful coexistence is no longer relevant. The national, chauvinistic and separatist passions sweeping through Hungary, northern Italy, Denmark and other countries indicate the opposite. The European experience has not been conquered. The demons that the European project succeeded in defeating still wait to take revenge."
(Per Wirtén, Where were you when Europe fell apart?)

Uma União Europeia sem a Alemanha é inconcebível; uma União Europeia que seja apenas o mercado da Alemanha é inaceitável, pois seria apenas realização capitalista do sonho do Terceiro Reich. 


(b) a hipótese da normalidade patológica na Europa

As eleições para o Parlamento Europeu realizadas em  maio de 2014 evidenciaram a força dos partidos de extrema-direita em alguns países da Europa, sobretudo França, Itália, Bélgica, Holanda,  Áustria, Grécia e Hungria. Ainda não se sabe como será a atuação desses partidos em Estrasburgo, mas um fantasma passou a assombrar aqueles que compõem o que pode  ser chamado de Zentrum europeu (os liberais, democratas-cristãos, socialistas e social-democratas). Esse Zentrum tende a ver toda as formas de resistência e de crítica à União Europeia como retrocessos democráticos, como uma volta ao autoritarismo da década de 1930. 

Muitos estudiosos argumentam que o avanço da extrema-direita, com seu discurso nacionalista, xenófobo e anti-político é efeito das contradições do processo de modernização e integração da Europa, que criou uma franja de descontentes e perdedores, ampliada pela crise econômica.  Os desempregados, os pensionistas, os pequenos comerciantes, os agricultores em dificuldades formam um grupo heterogêneo que dirige sua frustração contra a classe política tradicional e, como forma de protesto, adere ao discurso populista de direita, que acusa os imigrantes, os judeus, os ciganos, os trabalhadores eslavos, a globalização etc.  Trata-se de uma situação patológica gerada por crises intensas (como a depressão da década de 1930). O perigo dessa situação é que ela ameaça as instituições e as práticas democráticas e solapa todos os direitos fundamentais reconhecidos pela tradição liberal. Segundo essa interpretação, a extrema-direita desejaria o poder nu, exercido de forma não-politica.

Contra esse tipo de explicação, que vê a extrema-direita atual como uma repetição do nazi-fascismo, o cientista político holandês Cas Mudde propôs que seria mais interessante perceber que os valores defendidos pelos radicais de direita (nativismo, autoritarismo e populismo) não são reações a períodos de crise; trata-se de valores endêmicos entre os europeus. A força da extrema-direita estaria exatamente em defender uma purificação da vida política pelo resgate de um núcleo duro de valores amplamente aceitos: a luta contra a corrupção política, o desejo de segurança, a defesa da família e do torrão natal contra os de fora. Se o discurso da extrema-direita é patológico, trata-se de uma patologia ambiente e imanente, uma normalidade patológica da Europa.


"Many authors would focus almost exclusively on the historical background of the populist radical Right, in other words its connection to pre-war fascism and Nazism. The assumption was that the post-war populist radical Right had to be understood as the remnant of the past and not as a consequence of contemporary developments.

Almost all major theories of support for the populist radical Right within the normal pathology thesis refer to some form of crisis linked to modernization and its consequences: globalization, society, the post-Fordist economy, postindustrial society. The idea is always the same: that society is transforming fundamentally and rapidly, leading to a division between (self-perceived) "winners" and "losers", and that the latter will vote for the populist radical Right out of protest (anger and frustration) or support (intellectual rigidity). Under conditions of massive societal change, the "losers of modernization" will vote for populist radical Right parties.

Yet is the ideological core of the populist radical Right – defined as a combination of nativism, authoritarianism and populism– indeed at odds with the basic values of western societies? And are populist radical Right values really shared by only tiny minority of the European population?

As Margaret Canovan has argued, democracy has a redemptive and a pragmatic side: the former emphasizes the idea of vox populi vox dei (or "government of the people, by the people, for the people"), the latter the importance of institutions. "Inherent in modern democracy, in tension with its pragmatic face, is faith in secular redemption: the promise of a better world through action by the sovereign people".Populism builds upon this "democratic promise".Interpreting "the people" as a homogenous moral entity, populists argue that the common sense of the people should always take precedence and cannot be curtailed by "undemocratic" institutional constraints such as constitutional protection of minorities.

Although nativism is not the same as racism, surveys such as the Eurobarometer provide ample evidence of extreme nativist attitudes in Europe. For example, in December 1997 Eurobarometer found that "only one in three of those interviewed said they felt they were 'not at all racist'. One in three declared themselves 'a little racist' and one third openly expressed 'quite or very racist feelings'".

The argument is that key aspects of populist radical Right ideology are shared by the mainstream, both at the elite and mass levels, albeit often in a more moderate form. Not surprisingly, this has a profound influence on how we understand the relationship between the populist radical Right and western democracy.

(...) populist radical Right parties are "purifiers" that refer to "an ideology that has been betrayed or diluted by established parties", rather than prophets that "articulate a new ideology". They do not have to sway voters to a new position, they have to shift them to a new issue: away from socio-economic issues, like (un)employment, and towards the socio-cultural issues like immigration. The main struggle of the populist radical Right party family is to increase the saliency of "their" issues, i.e. corruption, immigration and security."
(Cas Mudde, The populist radical Right: A pathological normalcy)


Conclusão


A história das uniões europeias é longa. Houve o império romano, o império franco de Carlos Magno, as aspirações imperiais da Igreja, o império de Carlos V, o de Napoleão e o de Hitler. A atual União Europeia é, de longe, a mais benigna de todas as que foram tentadas. O problema é que a forma que ela buscou assumir, a velha democracia liberal representativa, com seus ritos eleitorais, seu parlamento, sua divisão de poderes e sacrossanto respeito pela carta constitucional não satisfaz as novas demandas democráticas que exigem respostas mais velozes, participação ativa, co-gestão e eliminação de entraves burocráticos. 

Os governos autoritários da década de 1930, baseados em carisma, apelos emocionais, retórica populista e complacência com o uso da força, conduziram a Europa a um grau de destruição sem precedentes. A geração que herdou a tarefa de reerguer o continente adotou metas racionais, ações pragmáticas e encapsulou o poder nos processos burocráticos e nas formas consagradas do liberalismo político (constituição, sufrágio, parlamento). Foram os homens dessa geração, de Robert Schuman e Jean Monnet até Jacques Delors, que lançaram as bases da União Europeia. 

Para Habermas, o problema da União Europeia consiste em não ter realizado completamente a forma liberal, pois lhe falta uma constituição. Habermas, nascido em 1929, pensa como um homem da sua geração, mas o figurino liberal que Habermas propõe é insuficiente para as demandas democráticas das gerações nascidas a partir da década de 1960, que são herdeiras do legado antiautoritário de 68, que cresceram entre televisores e computadores, que consideram a liberdade de movimento e de informação não uma conquista, mas uma condição de existência. Para essa geração, a União Europeia não é mais um projeto constitucional, ela deve ser uma prática de gestão coletiva e participativa que substancie o conceito de cidadania europeia. 

É essa Europa rica, civil, democrática, transparente, diversa e una, que eu desejo a todos os europeus, especialmente aos habitantes da belíssima cidade de Lisboa, donde, com céu claro e um pouco de imaginação, vê-se toda a Europa. 







Al Jazeera English, The Stream, The rise of Euroscepticism, 2014  |  Perry Anderson,  Espectro: da direita à esquerda no mundo das ideias, Boitempo, São Paulo, 2012  |  Daniele Archibugi, Cosmopolitan democracy: a restatement, Cambridge Journal of Education, march 2012  |  Daniele Archibugi,  Demos and Cosmopolis,  New Left Review 13, January February 2002    |  Editorial, If Britain leaves Europe, we will become a renegade without economic power, The Observer,  2012  |  Larry Elliot, The emergence of the Frankfurt Group has turned back the democratic clock, The Guardian, 2011  |  Bill Emmott, Leaving Europe won’t let us make all the rules, The Times, 2012  |  Jürgen Habermas, Sobre a constituição da Europa, Editora Unesp, São Paulo, 2013  |  Peter Lindseth, The Eurozone Crisis and Europe’s Persistent ‘No-Demos Problem’, Eutopia Law, 2012  |  Cas Mudde, The populist radical Right: A pathological normalcy, Eurozine, 2010  |  Elliot Nichols, In defence of Euroscepticism, Eureka, Politics & Society, Arts & Culture, issue 2, march 2010  |  Triangle Rouge: résistez aux idées d'extrême droite  |  José Ignacio Torreblanca, Érase una vez Eurolandia, El Pais, 2014  |   Alf Vanags, On euroscepticism, Dukascopy TV, Riga Direct | Per Wirtén, Where were you when Europe fell apart? Eurozine, 2011 









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