domingo, 22 de fevereiro de 2015

A claraboia e o holofote #28 (VIII) Apêndice









Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista



Alguns materiais a serem considerados



O ensaio Imperialismo, fase superior do capitalismo, que abordamos no capítulo anterior, é mais do que controverso. É um terreno onde paixões politicas se digladiam. A antologia que se segue pretende apenas oferecer alguns excertos das obras em que se assentam os pressupostos teóricos do famoso ensaio de Lenin.




1. Sobre o conceito de imperialismo no começo do século XX


“Não somente os marxistas, mas também os teóricos da economia capitalista liberal clássica predominantemente tinham a opinião de que as possibilidades de crescimento do moderno sistema capitalista não eram ilimitadas e que, portanto, era importante, se não essencial, estender este sistema a territórios virgens, ou, como diriam hoje, às áreas subdesenvolvidas do mundo. Considerações deste tipo já podiam ser encontradas na Filosofia do Direito, de Hegel. Por essa razão é que encontramos quase como um componente constante do pensamento burguês antes de 1914 a ideia de que a economia capitalista necessitava de mercados ultramarinos e oportunidades de investimento e que seria necessário obtê-los por meios imperialistas. A velha teoria liberal era de que o avanço da civilização, comércio e indústria por todo o globo era uma atividade missionária e que não requeria o estabelecimento de nenhuma soberania formal, salvo em casos excepcionais. Por isso muitos daqueles que acreditavam numa ordem econômica baseada no comércio mundial e no crescimento das exportações se opuseram por muito tempo ao imperialismo no sentido mais estrito. Eles argumentavam que, enquanto as políticas imperialistas capacitavam certas empresas a assegurar lucros monopolísticos às custas da comunidade, elas também distorciam o processo de crescimento econômico de uma maneira que estava destinada a ter consequências danosas. Foi somente depois de que um certo número de estados industriais gradualmente adotarem uma polícia de tarifas protecionistas - Alemanha em 1879, France (em algumas de suas colônias) nos anos de 1890 e os Estados Unidos na virada do século - é que os círculos liberais começaram a ter uma visão mais favorável, em termos econômicos, da aquisição de territórios d'além-mar pelos seus respectivos países. (...) De maneira geral, havia muita hesitação no campo burguês quanto a decidir se o imperialismo formal era desejável ou se a expansão econômica informal era suficiente, mas havia o consenso relativamente firme de que um dos principais objetivos do moderno imperialismo era fornecer às economias nacionais novas fontes de matérias-primas, mercados e áreas de investimentos além-mar. Essas tendências estavam relacionadas ao fato de que de 1973 em diante o ritmo da economia internacional começou a tornar-se mais lento: houve uma queda geral dos preços e uma considerável diminuição dos lucros A convicção de que a economia nacional precisava de territórios coloniais dependentes logo se tornou geralmente aceita pela classe burguesa de todas as nações industriais, e isso não aconteceu apenas por causa da pressão exercida pelos grupos empresariais diretamente envolvidos.”

(Wolfgang J. Mommsen, Theories of Imperialism, pp. 9-10)



2. Sobre a teoria do imperialismo de Hobson

Em 1902, num momento em que a imprensa e a opinião pública britânicas discutiam a 2ª Guerra dos Bôeres, o economista social-liberal John Atkinson Hobson publicou sua análise pioneira do imperialismo, um fenômeno novo que passara a fazer parte da agenda política das nações mais industrializadas, a começar pela Grã-Bretanha, a partir dos anos 70 do século XIX.

“Embora, por conveniência, o ano de 1870 tenha sido considerado o indicador do começo de uma política consciente de imperialismo, ficará evidente que o movimento não atingiu sua plena força até a metade dos anos 80. O vasto aumento de território e o método de divisão por atacado que nos cedeu grandes faixas de terras africanas pode ser datado de 1884. Em quinze anos, cerca de 3.750.000 milhas quadradas foram acrescidas ao Império Britânico.
No entanto, a Grã-Bretanha não estava sozinha nesta empreitada. Uma das características principais do imperialismo moderno, a competição entre impérios rivais, é produto deste mesmo período. O fim da Guerra Franco-Prussiana marca o começo de uma nova política colonial para a França e a Alemanha, destina a ter efeito na década seguinte.”

(J. A. Hobson, Imperialism: a study, pp. 19-20)

Na introdução de seu trabalho, Hobson expunha como o movimento das nacionalidades no século XIX abria a esperança de um internacionalismo pacífico:

“O velho nacionalismo era primeiramente um sentimento de inclusão; seu correspondente natural em termos de sentimento quanto aos outros povos era a falta de simpatia, não a hostilidade aberta; não havia um antagonismo inerente que impedisse as nacionalidades de crescerem e prosperarem lado a lado.” (idem, p. 10)

Não haveria, portanto, oposição entre o nacionalismo (tal como entendido no século XIX) e o internacionalismo:

“Um internacionalismo verdadeiramente forte na forma e no espírito implicaria a existência de nacionalidades fortes e orgulhosas que procuram união na base de interesses e necessidades nacionais comuns.  Tal desenvolvimento histórico seria muito mais conforme às leis do progresso social do que o surgimento de um cosmopolitismo anárquico a partir de unidades individuais em meio à decadência da vida nacional.” (idem, p. 9)

No entanto, se o nacionalismo e o internacionalismo se tornaram divergentes era por causa da forma pervertida que o nacionalismo assumiu:

“O imperialismo agressivo não somente derrota o movimento em direção ao internacionalismo ao promover as animosidades entre os impérios competidores; ele ataca também as liberdades e a existência das raças mais fracas ou inferiores estimulando nelas como contrapartida um excesso de autoconsciência nacional.” (idem, p.9)

“A disputa pela África e pela Ásia remodelou quase toda a política das nações europeias, provocou alianças que ultrapassavam todas as linhas naturais de simpatia e de ligação histórica, conduziu cada nação continental a consumir uma parcela sempre crescente de seus recursos humanos e materiais em equipamento militar e naval, arrastou a grande e jovem potência dos Estados Unidos do seu isolamento para o auge da competição; e, pela multiplicidade, magnitude e surpresa das questões que ele lançou na cena política, tornou-se um agente constante de ameaça e de perturbação da paz e do progresso da humanidade. A nova política tem exercido uma influência formidável e notável sobre o modo de governar assumido pelas nações que a incentivam. Enquanto produz para consumo popular doutrinas sobre destino da nação e a missão imperial civilizadora, contraditórias em seu significado, mas complementares uma às outras em seu papel de apoio ao imperialismo popular, também desenvolve um tipo ganancioso e calculista de maquiavelismo, chamado ‘real politik’ na Alemanha, onde foi elaborado, o qual remodelou toda a arte da diplomacia e erigiu o engrandecimento nacional sem piedade ou escrúpulos como motivo consciente da política externa”.  (idem, p 11)

“Enquanto as nacionalidades co-existentes são capazes de ajuda mútua, sem o envolvimento de qualquer antagonismo de interesses, os impérios co-existentes, ao seguirem cada qual a sua trajetória imperial de engrandecimento territorial e industrial, são naturalmente inimigos. A natureza completa deste antagonismo em seu aspecto econômico não pode ser entendida sem uma análise minuciosa das condições da moderna produção capitalista que leva a uma ‘luta pelos mercados’ cada vez mais aguda, mas o antagonismo político é óbvio." (idem, p. 10)

A análise da relação íntima entre produção capitalista e os antagonismos imperialistas requer resposta à questão: por que uma nação embarcaria numa uma política tão custosa e desastrosa como a imperialista? Isso é o que Hobson responde no capítulo IV, “Os parasitas econômicos do imperialismo”:

 “De longe, o fator econômico mais importante no Imperialismo é a influência ligada aos investimentos. O crescente cosmopolitismo do capital é a grande mudança econômica dessa geração. Cada nação industrial avançada tende a colocar uma parcela maior de seu capital fora dos limites de sua própria área política, em países estrangeiros, ou em colônias, e a extrair um rendimento crescente dessa fonte” (idem, p. 56)

“O imperialismo agressivo, que custa tão caro aos contribuintes, que tem tão pouco valor para o manufatureiro e o comerciante, que é repleto de tão grave e incalculável perigo para os cidadãos, é fonte de grande ganho para o investidor que não pode encontrar em casa o uso lucrativo que ele procura para seu capital, e insiste que seu governo deve ajudá-lo com investimentos lucrativos e seguros no exterior.” (idem, p. 62)

“As finanças manipulam as forças patrióticas geradas pelos políticos, soldados, filantropos e negociantes; o entusiasmo pela expansão que vem dessas fontes, embora forte e genuíno, é irregular e cego; o interesse financeiro tem aquelas qualidades de concentração e cálculo clarividente que são necessárias para fazer funcionar o imperialismo.’ (idem, p. 66)

A raiz desses capitais ociosos que levavam a investimentos no exterior seria a fraqueza do mercado interno, devido aos baixos salários dos trabalhadores. A solução seria uma distribuição melhor da renda:

“Não há necessidade de abrir novos mercados no exterior; os mercados internos são capazes de expansão indefinida. O que quer que seja produzido na Inglaterra pode ser consumido na Inglaterra, desde que a ‘renda’, isto é, o poder de demandar mercadorias, seja devidamente distribuída. (...) Uma economia que concede às classes possidentes um excesso de poder de consumo que eles não têm capacidade de usar e não podem converter em capital realmente útil, é uma economia do tipo que não come nem deixa comer.” (idem, p. 95)

A ampliação da capacidade de consumo deveria ser feita às expensas do capital rentista e especulativo (precisamente aquele que se beneficiava do imperialismo), por meiro da distribuição de renda e aumento da massa salarial.



3. Fragmentos de O Capital Financeiro, de Hilferding

Capítulo 15 – Price determination by the capitalista monopolies and the historical tendency of finance capital

“Classical economics conceives price as the expression of the anarchic character of social production, and the price level as depending upon the social productivity of labour. But the objective law of price can operate only through competition. If monopolistic combinations abolish competition, they eliminate at the same time the only means through which an objective law of price can actually prevail. Price ceases to be an objectively determined magnitude and becomes an accounting exercise for those who decide what it shall be by fiat, a presupposition instead of a result, subjective rather than objective, something arbitrary and accidental rather than a necessity which is independent of the will and consciousness of the parties concerned. It seems that the monopolistic combine, while it confirms Marx's theory of concentration, at the same time tends to undermine his theory of value. Classical economics conceives price as the expression of the anarchic character of social production, and the price level as depending upon the social productivity of labour. But the objective law of price can operate only through competition. If monopolistic combinations abolish competition, they eliminate at the same time the only means through which an objective law of price can actually prevail. Price ceases to be an objectively determined magnitude and becomes an accounting exercise for those who decide what it shall be by fiat, a presupposition instead of a result, subjective rather than objective, something arbitrary and accidental rather than a necessity which is independent of the will and consciousness of the parties concerned. It seems that the monopolistic combine, while it confirms Marx's theory of concentration, at the same time tends to undermine his theory of value.

(…)

The immediate effect of cartelization is a change in the rate of profit for the cartels at the expense of other capitalist industries. These different rates of profit cannot be equalized by the transfer of capital, because cartelization means that the competition of capitals for spheres of investment is restricted. The limitation of the free movement of capital by various economic factors or property relations (such as a monopoly of raw materials) is indeed a precondition for the abolition of market competition among sellers. Equalization of the rate of profit can only take place by participation in the higher rate of profit through self cartelization, or through the elimination of cartels by vertical integration. Both methods involve a growth of concentration and thus facilitate further cartelization.

(…)

Cartelization brings exceptionally large extra profits, and we have seen how these extra profits are capitalized and then flow into the banks as concentrated sums of capital. But at the same time cartels tend to slow down capital investment; both in the cartelized industries, because the first concern of a cartel is to restrict production, and in the non-cartelized industries because the decline in the rate of profit discourages further capital investment. Consequently, while the volume of capital intended for accumulation increases rapidly, investment opportunities contract. This contradiction demands a solution, which it finds in the export of capital, though this is not in itself a consequence of cartelization. It is a phenomenon that is inseparable from capitalist development. But cartelization suddenly intensifies the contradiction and makes the export of capital an urgent matter.

(…)

The tendencies towards the establishment of a general cartel and towards the formation of a central bank are converging, and from their combination emerges the enormous concentrated power of finance capital, in which all the partial forms of capital are brought together into a totality. Finance capital has the appearance of money capital, and its form of development is indeed that of money which yields money (M - M') - the most general and inscrutable form of the movement of capital. As money capital it is made available to producers in two forms, as loan capital or as fictitious capital. The intermediaries in this process are the banks, which endeavour at the same time to convert an ever increasing part of this capital into their own capital, thus endowing finance capital with the form of bank capital. This bank capital becomes increasingly the mere form - the money form - of actually functioning capital, that is, industrial capital. At the same time as finance capital eliminates the division between bank capital and productive capital, commercial capital also increasingly loses its independence, and within industrial capital itself the progress of combination among previously separate and independent branches of production breaks down the barriers between different spheres. The social division of labour - the division into diverse spheres of production which were only integrated as parts of the whole social organism through exchange - is constantly diminished, while on the other hand the technical division of labour within the combined enterprises continues to advance." 


Capítulo 22 – The export of capital and the struggle for economic territory

"The policy of finance capital has three objectives: (1) to establish the largest possible economic territory; (2) to close this territory to foreign competition by a wall of protective tariffs, and consequently (3) to reserve it as an area of exploitation for the national monopolistic combinations. Such aims, however, were bound to come into the sharpest possible conflict with the economic policy which industrial capital carried to a state of classic perfection during its period of absolute rule (in the double sense that commercial and bank capital were subordinated to it, and that it had absolute control of the world market) in England.

(…)

In so far as the protective tariff has adverse effects on the rate of profit, the cartel seeks to overcome them by means which the tariff system itself provides. In the first place the development of export subsidies, which have been called into existence by tariff protection, enables the cartel to surmount, at least in part, the tariff barriers of other countries and thus, to some extent, avoid any reduction of output. And this will be all the easier the larger the volume of domestic output, subsidized by its own protective tariffs. This again does not promote an interest in free trade, but rather in the expansion of its own economic territory and in raising tariff rates. Should these means prove ineffective, however, the alternative is to export capital in the form of factories built abroad. A branch of industry which is menaced by the protective tariffs of foreign countries now makes use of these tariffs for its own purposes by transferring part of its production abroad. If this prevents the expansion of the parent concern and excludes the possibility of increasing the rate of profit by reducing costs of production, it is compensated by the increased profit which the same owners of capital receive from the increase in the price of the goods which they now produce abroad. Thus the export of capital, which receives a powerful stimulus from the protective tariff at home in one way, is also promoted by the protective tariff of other countries, and contributes to the penetration of capital into all parts of the world and the internationalization of capital.

In this way the effect of the falling rate of profit, brought about by the restriction of productivity as a result of the modern protective tariff, is cancelled out. From the standpoint of capital free trade thus appears superfluous and harmful; and it seeks to overcome the restriction of productivity resulting from the contraction of the economic territory, not by conversion to free trade, but by expanding its own economic territory and promoting the export of capital.

(…)

We know, moreover, that the opening of new markets is an important factor in bringing an industrial depression to an end, in prolonging a period of prosperity, and in moderating the effects of crises. The export of capital accelerates the opening up of foreign countries and promotes the maximum development of their productive forces. At the same time it increases domestic production, which has to supply the commodities that are exported abroad as capital. Thus it becomes a very powerful impetus to capitalist production, which enters upon a new period of Sturm und Drang (storm and stress) as the export of capital becomes general, during which it seems to be the case that the cycle of prosperity and depression has been shortened and crises have become less severe. The rapid increase in production also brings about an increased demand for labour power which is advantageous to the trade unions, and the tendencies towards pauperization inherent in capitalism appear to be overcome in the advanced capitalist countries. The rapid rise in production inhibits a conscious awareness of the ills of capitalist society and generates an optimistic view of its viability.

(…)

The old social relations are completely revolutionized, the age-old bondage to the soil of the 'nations without a history' is disrupted and they are swept into the capitalist maelstrom. Capitalism itself gradually provides the subjected people with the ways and means for their own liberation. They adopt as their own the ideal that was once the highest aspiration of the European nations; namely, the formation of a unified national state as an instrument of economic and cultural freedom. This independence movement threatens European capital precisely in its most valuable and promising areas of exploitation, and to an increasing extent it can only maintain its domination by continually expanding its means of coercion.

(…)

This explains why all capitalists with interests in foreign countries call for a strong state whose authority will protect their interests even in the most remote corners of the globe, and for showing the national flag everywhere so that the flag of trade can also be planted everywhere. Export capital feels most comfortable, however, when its own state is in complete control of the new territory, for capital exports from other countries are then excluded, it enjoys a privileged position, and its profits are more or less guaranteed by the state. Thus the export of capital also encourages an imperialist policy.

The export of capital, especially since it has assumed the form of industrial and finance capital, has enormously accelerated the overthrow of all the old social relations, and the involvement of the whole world in capitalism. Capitalist development did not take place independently in each individual country, but instead capitalist relations of production and exploitation were imported along with capital from abroad, and indeed imported at the level already attained in the most advanced country. Just as a newly established industry today does not develop from handicraft beginnings and techniques into a modern giant concern, but is established from the outset as an advanced capitalist enterprise, so capitalism is now imported into a new country in its most advanced form and exerts its revolutionary effects far more strongly and in a much shorter time than was the case, for instance, in the capitalist development of Holland and England.

(…)

This ideology [a do capitalismo financeiro], however, is completely opposed to that of liberalism. Finance capital does not want freedom, but domination; it has no regard for the independence of the individual capitalist, but demands his allegiance. It detests the anarchy of competition and wants organization, though of course only in order to resume competition on a still higher level. But in order to achieve these ends, and to maintain and enhance its predominant position, it needs the state which can guarantee its domestic market through a protective tariff policy and facilitate the conquest of foreign markets. It needs a politically powerful state which does not have to take account of the conflicting interests of other states in its commercial policy.It needs also a strong state which will ensure respect for the interests of finance capital abroad, and use its political power to extort advantageous supply contracts and trade agreements from smaller states ; a state which can intervene in every corner of the globe and transform the whole world into a sphere of investment for its own finance capital. Finally, finance capital needs a state which is strong enough to pursue an expansionist policy and the annexation of new colonies. Liberalism opposed international power politics, and only wanted to secure its own rule against the old forces of aristocracy and bureaucracy by granting them the least possible access to state power, but finance capital demands unlimited power politics, and this would be the case even if military and naval expenditures did not directly assure the most powerful capitalist groups of important markets, which provide in most cases monopolistic profits.

The demand for an expansionist policy revolutionizes the whole world view of the bourgeoisie, which ceases to be peace-loving and humanitarian. The old free traders believed in free trade not only as the best economic policy but also as the beginning of an era of peace. Finance capital abandoned this belief long ago. It has no faith in the harmony of capitalist interests, and knows well that competition is becoming increasingly a political power struggle. The ideal of peace has lost its lustre, and in place of the idea of humanity there emerges a glorification of the greatness and power of the state. The modern state arose as a realization of the aspiration of nations for unity. The national idea, which found a natural limit in the constitution of a state based upon the nation, because it recognized the right of all nations to independent existence as states, and hence regarded the frontiers of the state as being determined by the natural boundaries of the nation, is now transformed into the notion of elevating one's own nation above all others. The ideal now is to secure for one's own nation the domination of the world, an aspiration which is as unbounded as the capitalist lust for profit from which it springs. Capital becomes the conqueror of the world, and with every new country that it conquers there are new frontiers to be crossed. These efforts become an economic necessity, because every failure to advance reduces the profit and the competitiveness of finance capital, and may finally turn the smaller economic territory into a mere tributary of a larger one. They have an economic basis, but are then justified ideologically by an extraordinary perversion of the national idea, which no longer recognizes the right of every nation to political self-determination and independence, and ceases to express, with regard to nations, the democratic creed of the equality of all members of the human race. Instead the economic privileges of monopoly are mirrored in the privileged position claimed for one's own nation, which is represented as a 'chosen nation'. Since the subjection of foreign nations takes place by force - that is, in a perfectly natural way - it appears to the ruling nation that this domination is due to some special natural qualities, in short to its racial characteristics. Thus there emerges in racist ideology, cloaked in the garb of natural science, a justification for finance capital's lust for power, which is thus shown to have the specificity and necessity of a natural phenomenon. An oligarchic ideal of domination has replaced the democratic ideal of equality."

(Rudolf Hilferding, Finance Capital)


4. Fragmentos de  O Imperialismo e a Economia Mundial, de Bukharin


“Todas as partes deste sistema, organizadas numa grande proporção (cartéis, bancos, empresas do Estado), entram num processo incessante de integração. O processo se acentua na mesma medida do desenvolvimento da concentração capitalista. A ‘cartelização’ e a formação de empresas combinadas criam de imediato uma comunidade de interesses entre os bancos, que os financiam. De outra parte, todo acordo dos bancos facilita a aglomeração dos grupos industriais. As empresas do Estado se tornam cada vez mais dependentes dos grandes agrupamentos industriais e financeiros e vice-versa. Assim, as diferentes esferas do processo de concentração e de organização se estimulam reciprocamente e criam uma tendência muito forte à transformação de toda a economia nacional numa gigantesca empresa combinada sob a égide dos magnatas da finança e do Estado capitalista, de uma economia que monopoliza o mercado mundial e que se torna a condição necessária da produção organizada em sua forma superior não-capitalista.

O capitalismo mundial, o sistema de produção mundial, adquiriu, por consequência, no curso dos últimos anos, o seguinte aspecto: alguns corpos econômicos organizados e coerentes (grandes potências civilizadas) e uma periferia de países retardatários que vivem sob um regime agrário ou semi-agrário. O processo de organização (que, diga-se de passagem, não constitui, em absoluto, o fim ou o motivo impulsionador dos senhores capitalistas, como o afirmam seus ideólogos, porém unicamente o resultado objetivo de suas aspirações a um lucro máximo) tende a sair do quadro nacional. Aqui aparecem, contudo, dificuldades muito mais sérias. Primeiramente, é bem mais fácil vencer a concorrência sobre o terreno nacional que sobre o terreno mundial (os acordos internacionais se formam geralmente sobre a base de monopólios nacionais já construídos). Em segundo lugar, a diferença de estrutura econômica e, por conseguinte, dos custos de produção torna os acordos onerosos para os grupos nacionais avançados. Em terceiro lugar, a aglomeração com o Estado, dentro de suas fronteiras, constitui um monopólio sempre crescente, que garante lucros suplementares.

(...)

A sociedade capitalista é inconcebível sem armamentos, tanto como é inconcebível sem guerras. Assim como não são os preços baixos que engendram a concorrência, porém, ao contrário, a concorrência é que engendra o aviltamento dos preços, tampouco é a existência do exército que é a causa essencial e a força motriz das guerras (conquanto, sem dúvida, as guerras sejam impossíveis sem exércitos). Ao inverso, a inelutabilidade dos conflitos econômicos é que condiciona a existência dos exércitos. Daí porque, em nossos dias, quando os conflitos econômicos alcançam o mais alto grau de tensão, assistimos à corrida armamentista. A dominação do capital financeiro supõe o imperialismo e o militarismo. Neste sentido, o militarismo é um fenômeno histórico tão típico quanto o capital financeiro.

À medida que cresce de importância, o poder governamental modifica sua estrutura interna. Torna-se, mais do que nunca, o ‘comitê executivo das classes dominantes’. É verdade que ele sempre refletiu os interesses das ‘camadas superiores’. Porém, na medida em que estas camadas superiores constituíam uma massa mais ou menos amorfa, o poder organizado se equilibrava com a classe ou as classes não-organizadas, das quais encarnava os interesses. Hoje, a situação se modifica radicalmente. Doravante, o aparelho governamental encarna não só os interesses das classes dominantes, mas também sua vontade coletivamente organizada. Ele se equilibra não mais com os membros esparsos das classes dominantes, porém com suas organizações. Assim, o governo vem a ser de facto um ‘comitê’ eleito pelos representantes das organizações patronais, bem como o diretor supremo do truste capitalista nacional.

Nisto reside uma das principais causas da crise do parlamentarismo. Faz pouco tempo, o Parlamento era a arena em que se desenrolava a luta das frações dos grupos dominantes (burguesia, proprietários de terras, camadas burguesas diversas etc.). O capital financeiro fundiu a quase totalidade de seus matizes numa ‘massa reacionária única’, agrupada numa multiplicidade de organizações centralizadas. Ao mesmo tempo, as tendências ‘democráticas’ e liberais cedem o lugar à tendência monarquista claramente expressa do imperialismo moderno, que tem maior necessidade da ditadura do Estado. De certo modo, o Parlamento não é mais, hoje, senão um cenário onde se aplicam as decisões previamente elaboradas nas organizações patronais e onde a vontade coletiva do conjunto da burguesia organizada obtém unicamente sua consagração formal. Um ‘poder forte’, apoiado numa frota e num exército gigantescos, constitui o ideal burguês moderno. Não se trata, em absoluto, de ‘sobrevivências capitalistas’, como alguns supõem. Não se trata de vestígios do passado, testemunhos fortuitos do velho mundo. É uma formação social e política inteiramente nova, engendrada pelo desenvolvimento do capital financeiro. Se a velha política guerreira de ‘ferro e fogo’ serviu de modelo para a forma, isto ocorreu somente na medida em que as molas impulsionadoras da vida econômica moderna empurram o capital pelo caminho de uma política agressiva e da militarização do conjunto da ‘vida social’. A melhor prova não está somente na política exterior de países democráticos como a Inglaterra, França, Bélgica (veja-se a política colonial da Bélgica) e os Estados Unidos, mas outrossim nas mudanças ocorridas em sua política interior (militarização e desenvolvimento monarquista na França, ataques reiterados contra a liberdade das organizações operárias em todos estes países e assim por diante).

Sendo ele próprio o principal acionista do truste capitalista nacional, o Estado moderno é sua mais alta instância organizada em escala universal. Daí a sua potência formidável, quase monstruosa.”

(Bukharin: Economia, coleção “Grandes Cientistas Sociais”, organização de Jacob Gorender, pp.99-100; 103-194)





5. Outra versão da crítica de Lenin a Kautsky

“Se o nome de ultra-imperialismo é dado a uma unificação internacional de imperialismo nacional (ou mais corretamente, estatais) que seria capaz de eliminar os conflitos mais aterradores, mais perturbadores e mais desagradáveis como as guerras, as convulsões políticas, etc,. das quais os pequeno-burgueses tem tanto medo, então porque não se desviar da época presente de imperialismo que já chegou – a época que está nos olhando de frente, que está cheia de todo tipo de conflitos e catástrofes? Por que não se desviar para os sonhos inocentes de um ultra-imperialismo comparativamente pacífico, comparativamente não-conflituoso, comparativamente não-catastrófico?

Nesta tendência para se evadir do imperialismo que está aqui e passar em sonhos para uma época de ‘ultra-imperialismo’, da qual não sabemos nem se é realizável, não há nem um grão sequer de marxismo.

Havia um tempo em que Kautsky prometia ser um marxista na época catastrófica e turbulenta que estava por vir, época que ele foi levado a prever e reconhecer de maneira definitiva quando estava escrevendo seu trabalho de 1909 sobre a guerra vindoura. No entanto, agora que se tornou absolutamente claro que essa época chegou, Kautsky novamente promete ser um marxista na época do ultra-imperialismo que está por vir, da qual ele não sabe sequer se virá! (...) Para amanhã, temos um marxismo a crédito, um marxismo como promessa, um marxismo adiado. Para hoje, temos uma teoria oportunista pequeno-burguesa – e não somente uma teoria – para abrandar as contradições.

Pode-se, contudo, negar abstratamente que uma nova fase do capitalismo em seguida ao imperialismo, a saber, uma fase de ultra-imperialismo, é ‘pensável’? Não. De modo abstrato, pode-se pensar em tal fase. Na prática, porém, quem nega as tarefas duras de hoje em nome de sonhos a respeito das tarefas suaves do futuro se torna um oportunista. (...) Teoricamente não há dúvida de que o desenvolvimento caminha na direção de um único trust mundial que engolirá todas as empresas e todos os Estados sem exceção. Mas o desenvolvimento nessa direção está ocorrendo com tal desgaste, com tal ritmo, com tais contradições, conflitos e convulsões – não somente econômicas, mas também políticas, nacionais, etc. etc. – que antes que um trust mundial único seja formado, antes que os respectivos capitais financeiros nacionais formem uma a união mundial do ‘ultra-imperialismo’, o imperialismo explodirá inevitavelmente, o capitalismo se tornará o seu oposto.”





6. O imperialismo e a questão da autodeterminação nacional nos escritos posteriores de Lenin

 “La distinction que Lénine faisait à partir de 1912 à propos de la question nationale, et sur laquelle il ne cessera plus de mettre l'accent, entre nations opprimées (colonisées ou minoritaires) et Etats oppresseurs hégémoniques, est intégrée à sa compréhension de l'impérialisme; elle est constitutive de l'impérialisme; il écrit ainsi :  ‘La division des nations en nations oppressives et nations opprimées... constitue l'essence de l'impérialisme... elle est capitale sous l'angle de la lutte révolutionnaire contre l'impérialisme’. C'est cette conception qui préside à la définition des tâches de l'Internationale communiste sur la question nationale ct coloniale à son  Congrès en 1920.”

(Dictionnaire critique du marxisme, verbete “Imperialisme”, de René Galissot)



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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein


Ernst Bloch



Из искры возгорится пламя







A claraboia e o holofote #28 (VIII)








Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista




Lenin 

8. Imperialismo, fase superior do capitalismo



"O capital financeiro não quer a liberdade, mas a dominação."

Rudolf Hilferding, O Capital Financeiro, cap. XXII




1. O imperialismo



O imperialismo não é invenção de Lenin nem do marxismo. No começo do século XX, havia um amplo consenso a respeito do aspecto agressivo que tinha assumido a política externa de alguns países como a França, a Alemanha, o Reino Unido, a Rússia, a Bélgica, o Japão e, em alguns aspectos, os Estados Unidos. Essa agressividade se manifestava no crescimento dos orçamentos militares, no expansionismo colonial na África e na Ásia, na constituição de blocos militares de defesa mútua em caso de agressão (a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente), no fortalecimento dos ultranacionalismos (ufanismo, chauvinismo, jingoísmo), na elaboração de teorias que procuravam legitimar as práticas colonialistas em termos de “conquista de espaço vital”, “missão civilizatória”, “fardo do homem branco” ou “direitos da raça superior”.
Diante dessa situação histórica, impunham-se certas questões gerais:
- essas mudanças teriam acontecido apenas no plano das relações internacionais (por exemplo, como resultado da decomposição das práticas diplomáticas que vigoravam desde o Congresso de Viena) ou seriam reflexo de mudanças na política interna das nações?
- essas mudanças eram de caráter conjuntural ou estrutural?
- essas mudanças tinham relação com a recente ascensão dos cartéis e do relativo declínio da livre concorrência na formação dos preços?
No caso dos socialistas, havia ainda uma outra questão:
- o imperialismo mudava a prática dos partidos que defendiam os trabalhadores?


2. Kautsky: imperialismo e ultra-imperialismo

Em várias ocasiões, Kaustky discutiu a questão do imperialismo, mas, ao contrário de Rudolf Hilferding (O Capital Financeiro, 1910) e Rosa Luxemburg (A Acumulação de Capital, 1913), nunca chegou a desenvolver uma teoria logicamente coesa sobre o tema:
"Karl Kautsky's ideas on imperialism never attained a similar coherence. Fruitful but profoundly contradictory, Kautsky's writings contain the germ of every significant view expresses by anti-revisionists theorists before 1914, as well as anticipating the non-Marxist model of imperialism advanced by Joseph Schumpeter"
(M.C. Howard & J.E. King, A History of Marxian Economics, vol. 1 1883-1929, p. 92)
Kautsky voltou ao assunto no artigo Ultra-imperialismo, publicado no periódico Die Neue Zeit, de setembro de 1914.  Sua premissa era a de que, até meados do século XIX, a Inglaterra era a única nação industrializada e o restante do mundo lhe fornecia alimentos e matérias-primas. O livre-comércio era o meio mais importante de expansão das áreas agrárias de acordo com as necessidades da indústria inglesa.
No entanto, essa relativa harmonia terminou quando os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental se industrializaram e impuseram tarifas protecionista contra os produtos ingleses. Ao invés de uma divisão mundial de trabalho entre a indústria inglesa e a produção agrícola do restante do globo, passou a haver uma competição entre os Estados industriais, que tentavam dividir as áreas agrárias ainda livres. A reação da Inglaterra contra essa situação deu origem ao imperialismo:
“O imperialismo é um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste em cada nação capitalista industrial ter o impulso de conquistar e anexar zonas agrárias cada vez maiores, sem nenhuma consideração pelas nações que vivem ali.”
O imperialismo foi estimulado pelo sistema de exportação de capitais para as zonas agrárias que surgiu na mesma época. O crescimento da indústria nos Estados capitalistas se tornara tão rápido que a expansão do mercado pelos métodos empregados até 1870 já não era suficiente. Nos países agrários, a construção de ferrovias para escoamento da produção agrícola e para permitir a chegada dos produtos industrializados aos novos consumidores exigia capitais, mas, para que essas ferrovias fossem lucrativas, era preciso que os interesses dos investidores fossem protegidos por Estados fortes e militarizados.  Portanto, à medida que aumentava a exportação de capitais, aumentava a tendência de subjugar as zonas agrárias do planeta, inclusive para impedi-las de desenvolver suas próprias indústrias.
Dada essa descrição do imperialismo,  a questão era saber se se tratava da forma final da política capitalista mundial ou se ainda seria possível uma outra.
A exploração dos recursos minerais e agrícolas, assim como a construção de ferrovias eram necessidades intrínsecas do capitalismo, por isso as zonas agrárias somente deixariam de ser subjugadas quando o proletariado ou a população dos países industrializados fosse forte o suficiente para sacudir o jugo do capital. Isso não significa, porém, que o imperialismo fosse uma necessidade do capitalismo. Na verdade, a própria economia capitalista era ameaçada pela rivalidade entre os países. A melhor maneira de o capital realizar a sua tendência para a expansão seria por meio da democracia pacífica e não pelos métodos violentos do imperialismo.
"Os capitalistas que enxergam mais longe deveriam clamar aos seus colegas: Capitalistas do mundo todo, uni-vos!”
O imperialismo estava cavando a própria cova, tornando-se um obstáculo ao capitalismo. A corrida armamentista e o custo da expansão colonial alcançavam níveis que ameaçavam a acumulação de capital e, portanto, da exportação de capital. Os Estados europeus já tinham dificuldade de cobrir seus empréstimos em tempos de paz. Com a guerra, isso iria piorar.  Contudo, o capitalismo não estava necessariamente no fim da linha. Do ponto de vista econômico, ele poderia ainda expandir-se à medida que o crescimento dos países industriais induzisse um crescimento correspondente da produção agrícola. Certamente a oposição do proletariado cresceria também, mas havia uma saída possível para impedir o colapso do sistema.
Da mesma maneira como as indústrias se uniram em cartéis, depois da guerra as nações imperialistas poderiam formar uma federação. Do ponto de vista puramente econômico, nada impediria que a guerra conduzisse a uma santa aliança de países imperialistas. Nesse caso, o capitalismo atingira outra fase, a da “cartelização” da política internacional, que exerceria seu controle sobre o mundo sem apelar para a força das armas. Essa seria a fase do ultra-imperialismo.
Na sua descrição da dinâmica do capitalismo pós-concorrencial, o artigo estava bastante próximo de Hilferding, mas chegava a algumas conclusões próprias que se mostraram bastante clarividentes no plano internacional pós-1945. Mas, em que pese o interesse intrínseco de certas observações e previsões, Kautsky era uma figura cada vez mais questionada.

Ele se esforçava por manter a ortodoxia internacionalista, usando expressões como “sacudir o jugo do capital” ou “proletariado (ou das populações) dos países industrializados”, mas afastava qualquer compromisso revolucionário imediato. Seu objetivo era duplo: (a) criticar o imperialismo e a guerra (no que ele tomava distância do social-chauvinismo); (b) preparar o proletariado para o ultra-imperialismo que poderia emergir depois da guerra.  Devido a esse aspecto procrastinatório e evasivo, talvez fosse o caso de afirmar:
“(...) the new definition of imperialism which Kautsky deduced from his theoretical argument about industry-agriculture proportions fitted in all too well with the sort of political stance that he had been settling into as he got older —a bland, middling, centrist stance, carefully equidistant both from the crassness of the Social Democracy’s more and more unashamedly short-sighted reformists and from the high-tension rigour of revolutionaries like Luxemburg and Lenin. Kautsky could rebuff the Social-Democratic right wing who argued that imperialism was just a further inevitable (...) Kautsky could also maintain his opposition to colonialism, arguing that it inhibited capitalist development in the colonies. But his scorn for those who would “widen” the concept of imperialism so much that “all the manifestations of modern capitalism are included in it, cartels, protective tariffs, the domination of finance, as well as colonial policy” — his dismissive comment that it was then the “flattest tautology” to say that imperialism should be fought by fighting capitalism — was directed against the left wing.”
(Martin Thomas, introdução ao artigo“Ultra-imperialism”, de Kaustky)


3. A resposta de Lenin

Ao longo de 1916, Lenin se dedicou a escrever uma resposta a Kautsky, que veio a ser  publicada em Petrogrado em meados do ano seguinte, com o título de Imperialismo, fase superior do capitalismo.
Já comentei noutro lugar (A claraboia e oholofote Para ler Lenin), que é preciso nos precavermos contra a tentação de ver em Lenin um teórico, isto é, um homem que formula modelos explicativos gerais. Essa tentação é especialmente forte no caso dessa obra famosa, uma vez que tudo indica que dessa vez estamos diante de um ensaio explicativo de amplo alcance. Acredito, contudo, que o próprio Lenin deu indicações suficientes e precisas de que a forma “teórica” assumida pela obra era mero resultado das circunstâncias:
“A brochura foi escrita tendo em conta a censura czarista. Por isso não só me vi forçado a limitar-me estritamente a uma análise exclusivamente teórica – sobretudo econômica – como também tive de formular as indispensáveis e pouco numerosas observações políticas com a maior prudência.”
(Imperialismo, fase superior do capitalismo, Obras Escolhidas, tomo 1, Prefácio da 1ª edição russa de 1917, p. 579)
Além disso, Lenin estava consciente de que a obra carecia da elaboração e do rigor necessários a uma exposição científica ou erudita, razão pela qual decidiu apresenta-la como um “ensaio popular”, como diz o seu subtítulo.
De fato, o livro não se pretendia uma nova teoria sobre o imperialismo. Lenin se apoiava declaradamente em dois trabalhos bastante conhecidos - O Imperialismo, de J. A. Hobson e O Capital Financeiro, de Rudolf Hilferding -, que já haviam servido de base para várias resoluções tomadas nos congressos social-democratas:
 “No fundo, o que se disse acerca do imperialismo durante estes últimos anos – sobretudo no imenso número de artigos publicados em jornais e revistas, assim como nas resoluções tomadas nos Congressos de Chemnitz e de Basileia que se realizaram no outono de 1912 – nunca saiu do círculo das ideias expostas, ou melhor dizendo, resumidas nos dois trabalhos mencionados ...”.
(Prefácio às edições francesas e inglesas de 1920, p. 586)
Lenin partiu de uma base teórica bem conhecida no meios social-democratas, mas tratou de enriquecê-la e ilustrá-la com uma documentação vasta, recente, variada e de alcance mais amplo do que aquela apresentada por Hobson ou Hilferding. 
(Para o leitor brasileiro, por exemplo, é surpreendente encontrar um fragmento do relatório do cônsul austro-húngaro em São Paulo dando conta do papel dos capitais franceses, belgas, britânicos e alemães na construção de ferrovias no Brasil. Cf. Capítulo IV, A Exportação de Capital, final). 
Portanto, se é preciso cuidado para não atribuir a Lenin uma fundamentação teórica que não é dele, também é preciso evitar a ideia de que o seu ensaio sobre o imperialismo fosse uma simples derivação de obras de outros autores.
“Uma objeção à teoria da “derivação” do livro de Lenin é que se ele fosse simplesmente seguir trabalhos anteriores, porque ele teria elaborado quase 800 páginas de notas em grande parte na sua preparação, sobretudo de fontes originais, e gasto um ano inteiro preparando seu estudo?”
(Kevin Anderson, Lenin, Hegel, and Western Marxism: a critical study, University of Illinois Press, Chicago. 1995  p. 124)
Na verdade, o debate a respeito dos méritos teóricos do ensaio de Lenin não pode chegar a parte alguma quando se resume a discutir as teses apresentadas na obra, deixando de lado seu papel prático-político imediato. Desse ponto de vista, seria mais correto afirmar que, a partir de premissas aceitas pelos próprios social-democratas, Lenin formulou uma visão do imperialismo que pretendia:
- assinalar o oportunismo de Kautsky e de sua teoria do ultra-imperialismo (o que legitimaria no plano teórico a ruptura política com os social-democratas):
“O movimento proletário revolucionário em geral e o movimento comunista em particular, que crescem em todo o mundo, não podem dispensar a análise e o desmascaramento dos erros teóricos do ‘kautskismo’.  Isso é tanto mais necessário quanto o pacifismo e a ‘democracia’ em geral – que não têm as mínimas pretensões de marxismo, mas que, exatamente como Kautsky e Cia. dissimulam a profundidade das contradições do imperialismo e a inelutabilidade da crise revolucionária que este engendra – são correntes que se encontram extraordinariamente espalhadas pelo mundo todo. A luta contra tais tendências é obrigatória para om partido do proletariado, que deve arrancar à burguesia os pequenos proprietários que ela engana e os milhões de trabalhadores cujas condições de vida são mais ou menos pequeno-burguesas.”
 (Prefácio às edições francesas e inglesas de 1920, p. 585)
- explicar as posições reformistas assumidas por parte do proletariado, demonstrando que os limites da consciência de classe do proletariado eram limites objetivos, ligados às mudanças que a fase imperialista trouxe à dinâmica da luta de classes:
“A cisão internacional de todo o movimento operário mostra-se agora com inteira nitidez (II e III Internacionais). (...) Onde está a base econômica desse fenômeno histórico mundial?
Encontra-se precisamente no parasitismo e na decomposição do capitalismo, inerentes à sua fase histórica superior, quer dizer, ao imperialismo.”
(Prefácio às edições francesas e inglesas de 1920, p. 584)
- justificar a visão de que o capitalismo entrava num período revolucionário (isto é, um período em que o partido bolchevique exerceria plenamente seu papel de vanguarda do proletariado)
“O imperialismo é a véspera da revolução social do proletariado. Isto foi confirmado à escala mundial desde 1917.”
(Prefácio às edições francesas e inglesas de 1920, p. 585)
O que era importante para Lenin não era, portanto, apresentar uma nova teoria sobre o imperialismo, mas expor suas consequências prático-políticas: a alteração da classe operária (surgimento de uma aristocracia operária), a penetração do social-chauvinismo no movimento operário, a divisão no campo operário (revolucionários versus reformistas), o aguçamento das contradições do capitalismo e a necessidade política de promover a revolução.
Ou seja, a importância do trabalho de Lenin estava justamente em consumar a ruptura com o legado da 2ª Internacional. O próximo passo seria dado em abril de 1917, quando Lenin propôs que os bolcheviques adotassem o nome de Partido Comunista. A ligação fundamental do comunismo (isto é, o marxismo-leninismo) com a teoria do imperialismo sempre foi amplamente reconhecida pelos Partido Comunistas e pelos anti-comunistas mais renhidos, mas ficou obscurecida aos olhos das correntes de esquerda que rejeitam ou, mais frequentemente ignoram, a obra de Lenin.


4. A estrutura do argumento de Lenin

 Etapa I
Construção do conceito leninista de Imperialismo

1. No começo do século XX houve uma transformação do capitalismo: a livre concorrência deu lugar aos monopólios (ou melhor, oligopólios: cartéis e trusts).
“Assim, o resumo da história dos monopólios é o seguinte: 1) Décadas de 1860 e 1870, o grau superior, culminante, do desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma exceção, não são sólidos, representando ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo.”
(Cap. 1 A concentração da produção e os monopólios, p. 591)

2. A fase monopolista aguça as contradições sistêmicas do capitalismo. Se, por um lado, a concentração de capital permite uma integração ampla da produção e uma exploração sistemática dos recursos, por outro lado, aumenta a desigualdade entre os que possuem e os que não possuem. Em outras palavras, a socialização cada vez maior da produção caminha ao lado da apropriação privada do lucro por parte de um número cada vez menor de indivíduos (especialmente os especuladores).
 “Isso já não tem nada a ver com a antiga livre concorrência entre patrões dispersos, que não se conheciam e que produziam para um mercado ignorado. A concentração chegou a tal ponto que se pode fazer um inventário aproximado de todas as fontes de matérias-primas (por exemplo, jazidas de minério de ferro) de um país, e ainda, como veremos, de vários países de todo o mundo. Não só se realiza ente inventário, mas também associações monopolistas gigantescas se apoderam das referidas fontes. Efetua-se o cálculo aproximado da capacidade do mercado, que estes grupos ‘partilham’ entre si por contrato. Monopoliza-se a mão-de-obra qualificada, contratam-se os melhores engenheiros; as vias de comunicação – as linhas férreas na América e as companhias de navegação na Europa e na América – vão parar nas mãos dos monopólios. O capitalismo, na sua fase imperialista, conduz à socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim dizer, os capitalistas contra a sua vontade e sem que disso tenham consciência, para um novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de concorrência e a socialização completa.
A produção passa a ser social, mas a apropriação continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um reduzido número de indivíduos, Mantém-se o quadro geral da livre concorrência, formalmente reconhecida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre o resto da população se torna cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável.”
(Cap. 1  A concentração da produção e os monopólios, p. 593)
“O desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil continue ‘reinando’ como antes, e seja considerada a base de toda a economia, na realidade encontra-se já minada e os lucros principais vão parar nos ‘gênios’ das maquinações financeiras. Essas maquinações e essas trapaças tem a sua base na socialização da produção, mas o imenso progresso da humanidade, que chegou a essa socialização, beneficia... os especuladores.”
(Cap. 1  A concentração da produção e os monopólios, p. 595)

2.1. Por aguçar as contradições sistêmicas, a formação de monopólios (oligopólios) não é capaz de evitar crises. Na verdade, os monopólios (oligopólios) agravam as crises.
“A supressão das crises pelos cartéis é uma fábula dos economistas burgueses, que põem todo o seu empenho em embelezar o capitalismo. Pelo contrário, o monopólio que se cria em certos ramos da indústria aumenta e agrava o caos de todo o sistema da produção capitalista. Acentua-se ainda mais a desproporção entre o desenvolvimento da agricultura e o da indústria, desproporção que é característica do capitalismo em geral.”
(Cap. 1 A concentração da produção e os monopólios, p. 596)

3. Na fase monopolista do capitalismo, há uma aproximação entre o sistema financeiro bancário e o sistema produtivo industrial concentrado em cartéis.
“A ‘união pessoal’ dos bancos com a indústria completa-se com a ‘união pessoal’ de umas e outras sociedades com o governo.”
(Cap. 2 Os bancos e o seu novo papel, p. 606)

3.1. Os cartéis têm o poder de manter os preços elevados e de sobreviver às crises, por isso, os bancos que estão ligado a eles podem acumular uma grande quantidade de capital financeiro, que passa a ser exportado.
“O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital.”
(Cap. 4 A exportação de capital, p.621)

4. O desenvolvimento desigual dos países é inevitável sob o capitalismo.
“O desenvolvimento desigual, por saltos, das diferentes empresas e ramos da indústria e dos diferentes países é inevitável sob o capitalismo."
(Cap. 4 A exportação de capital, p. 621)

4.1. Os países desenvolvidos, em que o capital não encontra mais oportunidade de investimento, passam a exportar seu capital para países “atrasados”, em que o lucro é elevado.
"A necessidade da exportação de capitais obedece ao fato de que em alguns países o capitalismo ‘amadureceu excessivamente’ e o capital (dado o insuficiente desenvolvimento da agricultura e a miséria das massas) carece de campo para a sua colocação ‘lucrativa’.”
(Cap. 4 A exportação de capital, p. 622)
“Nos países atrasados o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários baixos, e as matérias-primas baratas. A possibilidade da exportação de capitais é determinada pelo fato de uma série de países atrasados terem sido já incorporados na circulação do capitalismo mundial, terem sido construídas as principais vias férreas ou iniciada a sua construção, terem sido asseguradas as condições elementares para o desenvolvimento da indústria etc.“
(Cap. 4 A exportação de capital, p. 622)

5.  Os países que exportam capitais passam a dividir o mundo em áreas de influência, propiciando o surgimento de cartéis internacionais.
“Os países exportadores de capitais dividiram o mundo entre si, no sentido figurado do termo. Mas o capital financeiro também conduziu à partilha direta do mundo.”
(Cap. 4 A exportação de capital, p. 625)
“As associações de monopolistas capitalistas –carteis, sindicatos, trusts, partilham entre si, em primeiro lugar, o mercado interno, apoderando-se mais ou menos completamente da produção de um país. Mas sob o capitalismo o mercado interno está inevitavelmente entrelaçado com o externo. Há já muito que o capitalismo criou um mercado mundial. E à medida que foi aumentando a exportação de capitais e se foram alargando, sob todas as formas, as relações com o estrangeiro e com as colônias e as ‘esferas de influência’ das maiores associações monopolistas, a marcha ‘natural’ das coisas levou a um acordo universal entre elas, à constituição de carteis internacionais.”
(Cap. 5 A partilha do mundo entre as associações de capitalistas, p. 625)

6. A concorrência por matérias-primas leva os países capitalistas desenvolvidos à disputa por colônias.
“Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias.”
(Cap. 6 A partilha do mundo entre as grandes potências, p. 637)


Conclusão 1
O imperialismo é caracterizado por “cinco traços fundamentais”:
“(1) a concentração da produção e do capital leva da a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham papel decisivo na vida econômica; (2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse ‘capital financeiro’, da oligarquia financeira; (3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande ; (4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; (5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.”
(Cap. 7 O imperialismo, fase particular do capitalismo, p. 641-2)


Conclusão 2
 O imperialismo é uma época de transição para uma estrutura social e econômica mais elevada.
“O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau muito elevado do seu desenvolvimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. O que há de fundamental neste processo, do ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre concorrência, mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trusts e fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam bilhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos e intensos. O monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior.”
(Cap. 7 O imperialismo, fase particular do capitalismo, p. 641)
“Quando uma grande empresa se transforma em empresa gigante e organiza sistematicamente, apoiando-se num cálculo exato duma grande massa de dados, o abastecimento de 2/3 ou ¾ das matérias-primas necessárias a uma população de várias dezenas de milhões; quando se organiza sistematicamente o transporte dessas matérias-primas para os pontos de produção mais cômodos, que se encontram por vezes separados por centenas e milhares de quilômetros; quando, a partir de um centro, se dirige a transformação sucessiva de material, em todas as suas diversas fases, até obter as numerosas espécies de produtos manufaturados; quando a distribuição desses produtos se efetua segundo um plano único a dezenas e centenas de milhões de consumidores (venda de petróleo na América e na Alemanha pelo trust do petróleo americano), então percebe-se com evidência que nos encontramos perante uma socialização da produção, e não perante um simples ‘entrelaçamento’, percebe-se que as relações de economia e de propriedade privada constituem um invólucro que já não corresponde  ao conteúdo, que esse invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada artificialmente, que pode permanecer em estado de decomposição durante um período relativamente longo (no pior dos casos, se a cura do tumor oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer forma, será inelutavelmente suprimida.”
(Cap. 10 O lugar do imperialismo na história, p. 670)


Etapa II

Os efeitos sociais e políticos do imperialismo

1. Crescimento da camada ociosa dos rentistas
“O imperialismo é uma enorme acumulação num pequeno número de países de um capital-dinheiro que, como vimos, atinge a soma de 100 a 150 bilhões de francos. Daí o incremento extraordinário da classe ou, melhor dizendo, da camada dos rentistas, ou seja, dos indivíduos que vivem do pagamento de obrigações das ações e não participam em nada de nenhuma empresa, e cuja profissão é a ociosidade.”
(Cap. 8 O parasitismo e a decomposição do capitalismo, p. 650)

2. Endividamento dos países “atrasados” em relação aos países desenvolvidos, que exportam capitais.
 “O mundo ficou dividido num punhado de Estados usurários e numa maioria gigantesca de Estados devedores.”
(Cap. 8 O parasitismo e a decomposição do capitalismo, 651)

3. A violação da independência nacional dos países “atrasados”, juntamente com o fato de o próprio capitalismo fornecer os meios de emancipação (meios de comunicação mais eficientes, crescimento industrial, fim do isolamento internacional) e com o modelo de Estado livre e soberano oferecido pelos próprios países desenvolvidos suscita a luta pela independência nacional nas áreas que foram submetidas ao imperialismo.
“O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reação em toda a linha, seja qual for o regime político; a exacerbação extrema das contradições, também nesta esfera: tal é o resultado dessa tendência. Intensifica-se também particularmente a opressão nacional e a tendência para as anexações, isto é, para a violação da independência nacional (pois a anexação não é senão a violação do direito das nações à autodeterminação. Hilferding faz notar acertadamente a relação entre o imperialismo e a intensificação da opressão nacional: ‘No que se refere aos países recentemente – diz -, o capital importado intensifica as contradições e provoca contra os intrusos uma crescente resistência dos povos, cuja consciência nacional desperta; esta resistência pode transformar-se facilmente em medidas perigosas contra o capital estrangeiro. Revolucionam-se completamente as velhas relações sociais, destrói-se o isolamento agrário milenar das ‘nações à margem da história’, que se veem arrastadas para o torvelinho capitalista. O próprio capitalismo proporciona pouco a pouco, aos submetidos, meios e processos adequados de emancipação. E as referidas nações formulam o objetivo que noutros tempos foi a mais elevado das nações europeias: a criação de um Estado nacional único como instrumento de liberdade econômica e cultural. Este movimento pela independência ameaça o capital europeu nas suas zonas de exploração mais preciosas, que prometem as perspectivas mais brilhantes, e o capital europeu só pode manter a dominação aumentando continuamente suas forças militares.’
A isto há que acrescentar que, não só nos países recentemente descobertos mas também nos velhos, o imperialismo conduz às anexações, à intensificação da opressão nacional, e, por conseguinte, intensifica também a resistência. (...)"
(Cap. 9 A crítica do imperialismo, p. 665-6)

4. Fortalecimento do oportunismo no movimento operário das nações imperialistas
(entenda-se por oportunismo a prática política reformista, de abrandamento da luta de classes, limitada a objetivos de curto prazo - como obter ganhos salariais para a classe operária - em detrimento da emancipação e da tomada do poder pela classe operária)
“É preciso notar que, na Inglaterra, a tendência do imperialismo para dividir os operários e para acentuar o oportunismo entre eles, para provocar uma decomposição temporária do movimento operário, se manifestou muito antes dos fins do século XIX e princípios do século XX. Isto explica-se porque desde meados do século passado existiam na Inglaterra dois importantes traços distintivos do imperialismo: imensas possessões coloniais e situação de monopólio no mercado mundial. Durante dezenas de anos Marx e Engels estudaram sistematicamente essa relação entre o oportunismo no movimento operário e as particularidades imperialistas do capitalismo inglês. Engels escrevia, por exemplo, a Marx, em 7 de outubro de 1758: ‘O proletariado inglês vai-se aburguesando de fato cada vez mais; pelo que se vê, esta nação, a mais burguesa de todas, aspira a ter, no fim das contas, ao lado da burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês. Naturalmente, por parte de uma nação que explora o mundo inteiro, isto é, até certo ponto, lógico.’ Quase um século depois, na sua carta de 11 de agosto de 1881, fala das ‘piores trade-unions inglesas que permitem que a gente vendida à burguesia, ou, pelo menos, paga por ela, as dirija.’ Em 12 de setembro de 1882, numa carta a Kaustky, Engels escrevia: ‘Pergunta-me o que pensam os operários ingleses acerca da política colonial. O mesmo que pensam da política em geral. Aqui há apenas partido conservador e liberal-radical e os operários aproveitam-se, juntamente com eles, com a maior tranquilidade do mundo, do monopólio colonial da Inglaterra e do seu monopólio no mercado mundial.’”
(Cap. 8 O parasitismo e a decomposição do capitalismo, p. 655)

Essa quarta consequência do imperialismo merece atenção especial porque constitui a justificativa teórica do rompimento com a social-democracia. Devido à sua urgência política, Lenin explicitou essa questão no artigo Imperialismo e a cisão do socialismo, que veio a público no final de 1916, portanto vários meses antes de Imperialismo, fase superior do capitalismo. O argumento que ele formula é este:

4.1. A exploração imperialista gera superlucros para os cartéis das grandes potências. Uma parte desses superlucros é usada para cooptar uma parte dos trabalhadores, que se tornam uma “aristocracia operária” ou uma “burguesia operária” que apoia políticas nacionalistas e imperialistas. (Trata-se do social-chauvinismo que Lenin identificava em vários líderes da 2ª Internacional e que se consubstanciou no apoio que vários líderes socialistas deram à guerra)
 “A burguesia de uma ‘Grande’ Potência imperialista pode subornar economicamente as camadas superiores de “seus” trabalhadores gastando nisso uns cem milhões de francos por ano, pois seus superlucros chegam provavelmente a cerca de um bilhão.”
(Imperialism and the split in socialism)

4.2. Essa cooptação através de “suborno” tem limites: por causa da concorrência acirrada entre as potências imperialistas, será possível cooptar uma camada cada vez menor de operários; além disso, essa situação não poderá durar muito tempo, pois a massa do proletariado e do semi-proletariado vive em condições cada vez mais opressivas.
“(...) cada ‘Grande’ Potência imperialista pode e vai subornar camada cada vez menores (...) da “aristocracia operária”. Antes, o “partido da burguesia operária”, para usar a expressão notavelmente profunda de Engels, poderia surgir apenas em um único país, porque apenas este tinha o monopólio, mas, por outro lado, isso poderia acontecer por um longo período. Agora o “partido da burguesia operária” é típico e inevitável em todos os países imperialistas, porém em vista da luta desesperada que eles estão travando pela partilha do espólio, é improvável que tal partido possa prevalecer num grande número de países por muito tempo. Pois os trusts, a oligarquia financeira, os preços altos, etc., ao mesmo tempo que permitem o suborno de um punhado nas camadas altas, são cada vez mais opressivos, esmagadores, arruinando e torturando a massa do proletariado e do semi-proletariado."
(Imperialism and the split in socialism)

4.3. A história do movimento operário resultará da luta entre a tendência de apropriação da riqueza mundial por parte da burguesia de alguns países desenvolvidos (uma burguesia que já cooptou o apoio da “aristocracia operária” oportunista) e a tendência de as massas oprimidas se revoltarem contra a opressão.
"De um lado, existe a tendência da burguesia e dos oportunistas em converter um punhado de nações muito ricas e privilegiadas em “eternas” parasitas no corpo do resto da humanidade, a repousar sobre os louros da exploração dos negros, dos indianos, etc., mantendo-os na sujeição com a ajuda de armas excelentes de extermínio fornecidas pelo militarismo moderno. Do outro lado, existe a tendência das massas, que estão cada vez mais oprimidas que antes e que aguentam todo o fardo das guerras imperialistas, de sacudir este jugo e de derrubar a burguesia. Nesta luta entre essas duas tendências é que a história do movimento operário vai se desenvolver inevitavelmente. Pois a primeira tendência não é acidental; ela é “substanciada” pela economia. Em todos os países a burguesia já gerou, promoveu e assegurou por si mesmo os “partidos operários burgueses” dos social-chauvinistas."
 (Imperialism and the split in socialism)


Conclusão 1

É dever político dos marxistas preparar as massas para a revolução.
"A única linha marxista no movimento operário mundial é explicar às massas a inevitabilidade e necessidade de romper com o oportunismo, educá-las para a revolução travando uma luta sem descanso contra o oportunismo, para utilizar a experiência da guerra para expor, não para ocultar a completa baixeza da política operária nacional-liberal."
(Imperialism and the split in socialism)


Etapa III

Refutação das teses de Kautsky sobre o ultra-imperialismo

1. Kautsky nega a existência de um laço estrutural entre imperialismo e capital financeiro.
“O essencial é que Kaustsky separa a política do imperialismo da sua economia, falando das anexações como da política ‘preferida’ pelo capital financeiro, e opondo a ela outra política burguesa possível, segundo ele, sobre a mesma base do capital financeiro. Conclui-se que os monopólios, na economia, são compatíveis com o modo de atuar não monopolista, não violento, não anexionista, em política.”
(Cap. 7 O imperialismo, fase particular do capitalismo, p. 644)

Refutação: 
Todo o argumento exposto na etapa I pode ser aduzido para refutar essa tese de Kautsky.


2.  Kautsky nega que o domínio do capital financeiro torne mais agudas as contradições da economia mundial.
“As ocas divagações de Kaustky sobre o ultra-imperialismo estimulam, entre outras coisas, a ideia profundamente errada, que leva a água ao moinho dos apologistas do imperialismo, de que a dominação do capital financeiro atenua a desigualdade e as contradições da economia mundial, quando, na realidade, o que faz é acentuá-lo.”
(Cap. 7 O imperialismo, fase particular do capitalismo, p. 646)

Refutação:
a. No plano do capitalismo, a guerra é a única maneira de resolver as tensões produzidas pelo capital financeiro.
“Perante isto, é de perguntar: no terreno do capitalismo, que outro meio poderia haver, a não ser a guerra, para eliminar a desproporção existente entre o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de capital, por um lado, e, por outro lado, a partilha das colônias e das ‘esferas de influência’ do capital financeiro?”
(Cap. 7 O imperialismo, fase particular do capitalismo p. 649)


b. Alianças entre potências capitalistas só podem ser efêmeras (a pax “ultra-imperialista” que Kautsky antevia é uma ilusão)
“Por isso, as alianças ‘interimperialistas’ ou ‘ultra-imperialistas’ no mundo real capitalista (...) só podem ser, inevitavelmente, ‘tréguas’ entre guerras. As alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais.”
(Cap. 9 A crítica do imperialismo, p. 664)



Conclusão 1
As teses de Kautsky são condizentes com a atitude oportunista assumida por uma parte do movimento operário europeu. Assim, a linha pacifista de Kautsky prejudica a emancipação da classe operária tanto quanto a linha dos líderes social-democratas que apoiam a guerra imperialista em nome dos possíveis ganhos do operariado de seu próprio país.
“Tanto a análise teórica como a crítica econômica e política que Kautsky faz do imperialismo encontram-se totalmente impregnadas de um espírito absolutamente incompatível com o marxismo, de um espírito que oculta e lima as contradições mais essenciais, impregnadas da tendência para manter a todo o custo a unidade em desintegração com o oportunismo no movimento operário europeu.”
(Cap. 9 A crítica do imperialismo, p. 666)


Conclusão 2
A linha de Kaustky rompe com o marxismo e se funde com a oposição democrática pequeno-burguesa.
“O essencial na crítica do imperialismo consiste em saber se é possível modificar por meio de reformas as bases do imperialismo, se há que seguir para diante, agudizando e aprofundando ainda mais as contradições que o imperialismo gera, ou se há que retroceder, atenuando essas contradições. Como as particularidades políticas do imperialismo são a reação em toda a linha e a intensificação da opressão nacional – consequência da opressão da oligarquia financeira e da supressão da livre concorrência -, a oposição democrática pequeno-burguesa ao imperialismo aparece em quase todos os países imperialistas em princípios do século XX. E a ruptura com o marxismo, por parte de Kautsky e da vasta corrente internacional do kautskismo, consiste precisamente em que Kautsky, além de não se preocupar, de não saber enfrentar essa oposição pequeno-burguesa, reformista, fundamentalmente reacionária do ponto de vista econômico, se fundiu praticamente com ela.”
(Cap. 9 A crítica do imperialismo, p. 658)


Conclusão 3
A luta contra o imperialismo deve ser inseparável da luta contra o oportunismo.
“O maior perigo são as pessoas que não querem compreender que a luta contra o imperialismo é uma frase oca e falsa se não for indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo.”
(Cap. 10 O lugar do imperialismo na história, p. 669)


Conclusão 4
Uma vez que a luta contra o imperialismo e o oportunismo são inseparáveis, e que a luta contra o oportunismo consiste em preparar as massas para a revolução (conclusão 1 da etapa II), então é na política revolucionária que está a verdadeira luta contra o imperialismo. 

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Lenin passou o ano de 1916 às voltas com as questões da guerra e do imperialismo. Em fevereiro do ano seguinte chegou a notícia da queda do czar Nicolau II. O governo provisório permitiu a volta dos exilados. Era hora de Lenin deixar Zurich e empreender a complicada viagem de volta para a Rússia através da Alemanha em plena guerra. Era o começo de um processo revolucionário complexo, violento e surpreendente como não se via desde 1789.




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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein


Ernst Bloch



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