sexta-feira, 28 de julho de 2017

A claraboia e o holofote #31 (XII)






Cenas da Revolução de 17



cena VII



Kerenski à frente da nova coalizão



"Com a renúncia dos ministros kadets  e do Príncipe Lvov, Kerensky se tornou, no dia 7 de julho, Primeiro-Ministro do governo socialista remanescente, que prosseguiu cambaleante até o dia 21 de julho. Aqueles que apoiavam Kerenski entre os SR [partido socialista revolucionário], tentaram deter a maré montante de pacifismo e de radicalização agrária entre os SRs criando uma facção coesa em torno do jornal Volya Naroda (Vontade do Povo). Os esforços de Kerensky para resolve a “Crise de Julho” no governo eram contrariados pelos ultimatos feitos pelos Kadets, pelo novo Comitê-Central dos Sovietes de toda a Rússia e pelos SRs. A crise foi causada pelas exigências do General Kornilov ao ser promovido ao Comando Supremo do Exército no dia 18 de julho. No dia 21, Kerensky renunciou e se retirou por vários dias. Na sua ausência, uma conferência dos líderes burgueses e dos Sovietes aconteceu no Palácio de Inverno. O resultado foi a Segunda Coalizão, cujos membros deveriam prestar contas apenas ao gabinete [e não mais aos Sovietes]. O novo governo, liderado por Kerenski, esperava angaria ganhar apoio público na Conferência de Estado que deveria se reunir em Moscou em Agosto.  

A segunda coalizão durou de 25 de julho até 27 de agosto. Suas realizações positivas foram obscurecidas pela disputa quase pública entre o Primeiro Ministro e o Comandante Supremo, que passou para a história como o “Caso Kornilov”. As exigências de Kornilov de agir sem interferência do governo, de restaurar a pena de morte no exército, de militarizar as fábricas e estradas de ferro e de criar um governo ditatorial circulavam, a princípio, apenas em pequenos círculos, mas os rumores de tensão persistiam. A Conferência de Estado em Moscou (12 a 15 de agosto) reuniu burgueses e socialistas, mas não conseguiu superar a dissensão entre eles. O próprio Kerenski encerrou a segunda coalizão em 27 de agosto ao exigir a renúncia de todos os ministros para assim poder afastar Kornilov, a quem ele acusava de motim. Kerensky era agora legalmente ditador".  

(The Blackwell Encyclopedia the Russia Revolution, “1917 and after Political Developments, Provisional Government”, Blackwell, Oxford, 1988,  pp. 126-127)












sexta-feira, 14 de julho de 2017

A claraboia e o holofote #31 (XI)


 




Cenas da Revolução de 17



cena VI



As Jornadas de Julho






"No decorrer do debate, Martov relembrou a observação de Cavour 
de que qualquer asno poderia governar por meio de estado de sítio. 
É como os bolcheviques governaram depois. 
Infelizmente estaria além da capacidade de Tseretli 
mesmo com a ajuda do estado de sítio."

Sukhanov, The Russian Revolution 1917



“A 2 de julho, à notícia da contra-ofensiva alemã, os soldados e os operários dos subúrbios de Petrogrado começaram a agitar-se como em fevereiro. Depois, quando souberam que os ministros kadets tinham-se demitido sob o pretexto de que membros do governo haviam concluído um acordo com a Rada da Ucrânia, foram levados ao auge da indignação.

No Soviet, Zinoviev e Trotski censuraram os responsáveis, esses ministros kadets, agentes da contra-revolução no próprio seio do governo. Condenaram igualmente os membros do Comitê Executivo do Congresso dos Sovietes e exigiram sua detenção por não terem assumido o poder total, apesar de convidados a fazê-lo há várias semanas pelas fábricas e pelos regimentos da capital.

Estes apelos a uma manifestação repercutiam num ambiente já carregado: as ameaças dos cossacos, as advertências da Igreja e dos antigos líderes da Duma, a campanha da extrema-direita tinham sensibilizados os soldados para os perigos de uma reação. Os da retaguarda estavam furiosos por ver a disciplina retomar seus direitos, a guerra continuar, a Revolução terminar. Estavam prontos para responder à força com violência e os próprios bolcheviques ficaram surpreendidos e também preocupados com as reações que suas palavras de ordem tinham provocado.

Demonstrando sua cólera ao apelo do Pravda, os manifestantes se dirigiram para a sede dos Sovietes. Reprovaram violentamente seus líderes por não se apoderarem do poder, proferiram insultos e ameaças. Tchernov quis responde e quase foi linchado; escapou por um triz, graças a uma intervenção de Trotsky. Logo se produziram tumultos, chocando-se de um lado os marinheiros de Kronstadt, os soldados amotinados, uma parte dos manifestantes, e de outro tropas fiéis ao Soviet e ao governo. Houve cerca de 40 mortos e mais de 80 feridos. A volta à ordem deu lugar a cenas penosas, principalmente quando, na madrugada do dia 4 de julho, o exército dispersou  os operários de Putilov, suas mulheres e seus filhos, que tinham passado a noite em volta da sala do Congresso. Esses infelizes se haviam juntado à manifestação porque não tinham mais o que comer há vários dias.

Sabendo que contava com a direção dos Sovietes, o governo procedeu da maneira mais fácil: ignorou as causas profundas do descontentamento popular e acusou os bolcheviques que, por fim, se tinham unido ao movimento e haviam organizado manifestações em toda a Rússia. (...) Para produzir um efeito decisivo e dar um caráter espetacular às acusações, Perevertchev, Ministro da Justiça, tornou públicos documentos que mostram ser Lenin um agente do Kaiser. (...) O caso teve uma repercussão considerável. Lenin fugiu par a Finlândia, onde permaneceu oculto sob um disfarce, e essa fuga conferiu crédito às acusações formuladas contra ele. Trostky, Zinoviev e alguns bolcheviques foram presos”.
(Marc Ferro, A Revolução Russa de 1917, Perspectiva, São Paulo, 2007, pp. 69-70)

* * *

“Assim, ao aproximar-se o fim do quarto mês, a Revolução de Fevereiro, politicamente falando, já se tinha esgotado. Os conciliadores tinham perdido a confiança dos operários e dos soldados. O conflito entre os partidos dirigentes dos sovietes e as massas soviéticas tornara-se desde então inevitável. Após o desfile de 18 de junho, o antagonismo entre os dirigentes e as massas devia, inelutavelmente, assumir caráter de violência declarada.

Foi assim que sobrevieram as Jornadas de Julho. Quinze dias após a manifestação organizada de cima para baixo, os mesmos operários e soldados saíram para a rua, dessa vez porém graças à própria iniciativa, e exigiram do Comitê-Executivo Central que assumisse o poder. Os conciliadores recusaram-se categoricamente. As Jornadas de Julho provocaram conflitos de rua, causaram vítimas e terminaram pelo esmagamento dos bolcheviques, declarados também responsáveis pela incapacidade do regime de fevereiro. A proposta que Tseretelli fizera, a 17 de junho, para que se declarasse os bolcheviques fora da lei e para que fossem desarmados – proposta repelida naquela época – foi posta integralmente em execução no começo de julho. Os jornais bolcheviques foram interditados. Os contingentes militares dos bolcheviques foram dispersos. Foram tomadas todas as armas aos operários. Os líderes do Partido foram declarados mercenários do estado-maior alemão. Uns viram-se forçados a esconder-se, enquanto que outros foram presos.

Foi, porém, precisamente em virtude da “vitória” alcançada em julho pelos conciliadores contra os bolcheviques, que a impotência da democracia se manifestou plenamente. Contra os operários e soldados, os democratas foram obrigados a lançar tropas notoriamente contra-revolucionárias, hostis não somente aos bolcheviques, como também aos sovietes. O Comitê-Executivo não possuía mais tropas fiéis”.
(Trotsky, História da Revolução Russa, vol. 1, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, p. 383)





O SOBRINHO DE ENESIDEMO

2012-2017

5 ANOS


O adiamento

"Quando da célebre erupção do Helgafell, um vulcão
da ilha de Heimaey, transmitida ao vivo por uma dúzia
de equipes de TV a tossir sem parar, eu vi, sob a chuva sulfúrea
um homem de meia-idade, de suspensórios, que dava de ombros,
sem importar-se muito com a ventania, o calor,
as câmeras, as cinzas, os espectadores (inclusive eu,
acocorado em meu tapete, diante da tela azulada),
e investia com sua mangueira de jardim, delgada mas nítida,
contra a lava, até que finalmente vizinhos, soldados,
colegiais e mesmo bombeiros juntaram-se a ele, todos
apontando mais e mais mangueira para a lava incandescente
que avançava, erguendo um muro cada vez mais alto
de lava fria, endurecida pela água, cinzenta, e com isso
adiaram, não digo para sempre, não, mas ao menos
por enquanto, o naufrágio da civilização ocidental, de sorte que
as pessoas de Heimaey, uma ilha tão distante da Islândia,
a menos que tenham falecido de lá para cá, continuam
até hoje a acordar de manhã em suas casinhas de madeira
colorida e à tarde, longe do olhar das câmeras, regam a alface
adubada pela lava, que dá pés enormes em seus jardins,
só temporariamente, é claro, porém sem pânico".

Hans Magnus Enzensberger, O Naufrágio do Titanic, Canto X, 
Companhia das Letras, São Paulo, 2000