segunda-feira, 26 de maio de 2014

Aviso aos navegantes portugueses






O autor, cansado e sedento com percorrer a senda difícil que desce da Comuna de 71 até as portas do Soviete de 17, suspende por algum tempo o relato da fortuna vária e traiçoeira do Manifesto Comunista. 

Enquanto se refaz para as modestas tarefas políticas que ele mesmo há de realizar (não queira saber quais, indiscreto leitor), ocorreu ao autor fazer uma viagem na terra de Garrett, a quem não há jamais de perdoar  o se ter feito recluso justamente naquele 48 de emoções tão desencontradas. Liberal que fosse, o que não chegava a ser mau no tempo, não lhe faltava certa clarividência que, mais do que ouro, valia uma alma num mundo em que elas já se iam fazendo raras. Que se leiam, a propósito, as palavras do próprio:

"Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos-de-ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. — No fundo de tudo isto, o que lucrou a espécie humana?
Que há mais umas poucas de dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já deve de andar orçado o número de almas que é preciso vender ao Diabo, o  número de corpos que se têm de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel — seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis."
(Viagem na minha terra, capítulo 3)

Logo se vê que os liberais de antanho tinham bem outra têmpera, mas já o leite está derramado e chorar não é do feitio do Sobrinho de Enesidemo que, como dizia, resolveu andar em terras que são e não são suas, um tanto por desfastio, outro tanto por curiosidade e um bocado por saudade do antigo reino lusitano, hoje tão espezinhado pelos novos liberais que se assenhoraram de tudo.

A esses senhores do mundo, o presente autor, ora refestelado à sombra dos laranjais, só pode repetir o sábio conselho do irmão mais velho:

"Plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra."

Plantai batatas!







Nenhum comentário:

Postar um comentário