Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista
Lenin
O Estado e a Revolução
1. As divergências de
interpretação
George
Lichtheim
O
Estado e a Revolução constitui uma de suas piores obras escritas e
também uma das menos importantes, no sentido de que não contém uma só ideia
realmente operativa, mas apenas uma abundância de sofismas destinados a
justificar a ruptura fundamental com a ortodoxia marxista (ver em particular as
páginas onde, mediante um passe de mágica, ele se desembaraça da distinção
entre democracia e ditadura).
Poucas
interpretações errôneas da natureza histórica são mais patéticas do que a
concepção de Lenin sobre uma sociedade sem classes e sem Estado, tal como
apontava em O Estado
e a Revolução, no instante mesmo que a revolução que ele
liderava estava a ponto de dar à luz o primeiro sistema totalitário da história
moderna.
El
Marxismo: um estudio histórico y crítico [1964}, Editorial Anagrama, Barcelona s/d, pp.
393 e 400
Leszek
Kolakowski
Ameaçado
de prisão, Lenin fugiu de Petrogrado e escondeu-se na Finlândia, dirigindo a
atividade do partido e, ao mesmo tempo, escrevendo O Estado e a Revolução –
um extraordinário projeto semi-anarquista para um estado proletário em que o
poder seria exercido diretamente pela totalidade do povo em armas. As ideias
básicas deste programa logo foram não apenas desmentidas no decorrer da
revolução bolchevique, mas ridicularizadas pelo próprio Lenin como fantasias
anarco-sindicalistas.
Main
currents of marxism [1976-1978],
volume II, Clarendon Press, Oxford, 1978 p. 475
Robert
Service
Por
que Lenin foi acusado de ter sido enormemente insincero no que diz respeito a
este livro? A principal razão está no contraste entre as predições feitas em O Estado e a Revolução e a
realidade do bolchevismo no poder. O Estado e a Revolução descreve
um futuro iminente em que a classe trabalhadora se tornaria a classe dirigente
e os trabalhadores comuns tomariam por si mesmos as decisões cruciais do Estado
e da sociedade. As coisas tomaram um rumo bem diferente depois de outubro de
1917, quando o Estado soviético rapidamente se tornou uma ditadura de partido
único que usava a força contra as greves industriais e os protestos políticos
dos trabalhadores. Uma longa sombra de dúvida foi lançada sobre as intenções de
Lenin quando escreveu O Estado e a Revolução.
Lenin: a biography [2000], Harvard
University Press, Cambridge, Massachusetts, 2000, p. 293
Tamás
Krausz
Duas
tendências principais podem ser observadas nas análises mais importantes. Uma
abordagem entende que se trata de uma obra intrinsecamente coerente e
teoricamente consistente (por exemplo, Neil Harding, Kevin Anderson), baseada
em ideais e princípios libertários. A outra abordagem leva em conta as
circunstâncias históricas e as consequências da revolução, relatando-as como se O Estado e a Revolução tivesse
sido a inspiração intelectual e a expressão de uma virada e de um desdobramento
autoritários (por exemplo, A.J. Polan, Robert Service).
De
todas as obras de Lenin, O
Estado e a Revolução é a que teve a posteridade mais interessante. A
ala marxista, e de fato a maioria dos movimentos anticapitalistas e críticos ao
sistema, apropriaram-se dela. O texto pode ser aplicado seja contra a
conceptualização stalinista do Estado, seja contra a capitalista, uma vez que o
objetivo final marxista de dissolução do Estado era (e é) afirmado como
objetivo da Revolução Russa e da revolução socialista universal.
Reconstructing
Lenin: an intellectual biography [2008], Monthly Review Press, New York,
2015 (ebook), p. 192
Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.
вся власть Советам!
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