Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista
Lenin
O Estado e a Revolução
"Também
aqui a doutrina de Marx, como sempre,
é um balanço da experiência iluminado
por
uma profunda visão filosófica do mundo
e um rico conhecimento da
história".
(O Estado e
a Revolução, capítulo II)
2.
Uma Antologia
Prefácio
A
questão do Estado adquire atualmente uma importância particular tanto no
aspecto teórico como no aspecto político-prático. A guerra imperialista
acelerou e acentuou extraordinariamente o processo de transformação do
capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado. A monstruosa
opressão das massas trabalhadoras pelo Estado, que se funde cada vez mais
estreitamente com as uniões onipotentes de capitalistas, torna-se cada vez mais
monstruosa. Os países avançados transformam-se – falamos da sua ‘retaguarda’ –
em presídios militares para os operários.
Os
horrores e as calamidades inauditas da guerra que se prolonga tornam a situação
das massas insuportável, aumentam a sua indignação. A revolução proletária
internacional amadurece visivelmente. A questão da sua atitude em relação ao
Estado adquire uma importância prática.’
(p.
223)
Capítulo
I
A
sociedade de classe e o Estado
O
Estado é o produto e a manifestação do caráter inconciliável das contradições
de classe. O Estado surge precisamente onde, quando e na medida em que as
contradições de classe objetivamente não podem ser conciliadas. E inversamente:
a existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis.
(...)
Segundo
os professores e publicistas pequeno-burgueses e filisteus – frequentemente com
referências benevolentes a Marx! – o Estado precisamente concilia as classes.
Segundo Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão
de uma classe sobre outra, é a criação da ‘ordem’ que legaliza e consolida esta
opressão moderando o conflito de classes. Segundo a opinião dos políticos
pequeno-burgueses, a ordem é precisamente a conciliação das classes e não a
opressão de uma classe por outra.
(p.
226)
Por
outro lado, a deturpação kautskiana do marxismo é muito mais sutil.
‘Teoricamente’ não se nega nem que o Estado seja um órgão de dominação de
classe nem que as contradições de classe sejam inconciliáveis. Mas perde-se de
vista ou esbate-se o seguinte: se o Estado é o produto do caráter inconciliável
das contradições de classe, se ele é um poder que está acima da sociedade e que
‘cada vez mais se aliena da sociedade’, então é evidente que a emancipação da
classe oprimida é impossível não só sem uma revolução violenta mas também sem a
destruição do aparelho do poder de Estado que foi criado pela classe dominante
e no qual está encarnada esta ‘alienação’. Esta conclusão, teoricamente clara
por si mesma, foi tirada por Marx, como veremos mais adiante, com a mais
completa precisão, na base histórica concreta das tarefas da revolução. E e
precisamente esta conclusão que Kaustky ‘esqueceu’ e adulterou.
(p.
227)
[A
organização armada espontânea da população] é impossível porque a sociedade da
civilização está dividida em classes hostis e, além disso, inconciliavelmente
hostis, cujo armamento ‘espontâneo’ conduziria a uma luta armada entre elas.
Forma-se o Estado, cria-se uma força especial, destacamentos especiais de
homens armados, e cada revolução, ao destruir o aparelho de Estado, mostra-nos
uma luta de classes descoberta, mostra-nos claramente como a classe dominante
se esforça por reconstruir os destacamentos especiais de homens armados que a
servem, como a classe oprimida se esforça por criar uma nova organização deste
gênero, capaz de servir não aos exploradores, mas os explorados.
(p.
228)
Atualmente,
o imperialismo e a dominação dos bancos ‘desenvolveram’ até uma arte
extraordinária ambos estes métodos de defender e pôr em prática a onipotência
da riqueza em quaisquer repúblicas democráticas. Se, por exemplo, logo nos
primeiros meses da república democrática na Rússia, poder-se-ia dizer durante a
lua-de-mel do casamento dos ‘socialistas’ – dos socialistas-revolucionários e
dos mencheviques – com a burguesia no governo de coligação, o sr. Paltchinski
sabotou todos as medidas para domar os capitalistas e o seu banditismo, a sua
pilhagem do tesouro por meio dos fornecimentos de guerra, se depois de ter
saído do ministério o sr. Paltchinski (substituído, naturalmente, por um outro
Paltchinski, absolutamente igual) foi ‘premiado’ pelos capitalistas com um
lugarzinho com um vencimento de 120.000 rublos por ano, então o que é isto?
Corrupção direta ou indireta? Uma aliança do governo com os consórcios
capitalistas, ou ‘apenas’ relações amistosas? (...)
A
onipotência da ‘riqueza’ também está mais segura numa república democrática
porque não depende de determinados defeitos do mecanismo político, do mau
invólucro político para o capitalismo. A república democrática é o melhor
invólucro político possível para o capitalismo, e por isso o capital, depois de
ter se apoderado deste invólucro, que é o melhor, alicerça o seu poder tão
solidamente, tão seguramente, que nenhuma substituição, nem de pessoas, nem de
instituições, nem de partidos nas repúblicas democráticas burguesas abala este
poder.
(pp.
230-1)
[As
duas citações fundamentais de Engels]
O proletariado toma o poder de Estado e
começa por transformar os meios de produção em propriedade do Estado. Mas, com
isto, suprime-se a si próprio como proletariado, com isso suprime todas as
diferenças de classes e antagonismo de classes, e com isto também o Estado como
Estado. A sociedade anterior, que se movia em antagonismos de classe, precisava
do Estado, isto é de uma organização da respectiva classe exploradora para
manutenção das suas condições exteriores de produção, nomeadamente, portanto
para a repressão violenta da classe explorada nas condições de opressão dadas
pelo modo de produção vigente (escravidão, servidão feudal, trabalho
assalariado). O Estado era o representante oficial de toda a sociedade, a
súmula desta num corpo visível, mas era-o apenas na medida em que era o Estado
daquela classe que representava ela própria, para o seu tempo, toda a
sociedade: na Antiguidade o Estados dos cidadãos proprietários de escravos, na
Idade Média da nobreza feudal, no nosso tempo da burguesia. Ao tornar-se, por
fim, efetivamente, representante de toda a sociedade, a si próprio se torna
supérfluo. Assim que deixa de haver uma classe social a manter na opressão,
assim que são eliminados, a par do domínio de classe e da luta, fundada na
anarquia da produção anteriormente existente, pela existência individual,
também as colisões e excessos deles resultantes, já nada mais há a reprimir que
torne necessária uma força especial para a repressão, um Estado. O primeiro ato
em que o Estado surge realmente como representante de toda a sociedade – a
tomada de posse dos meios de produção em nome da sociedade – é, ao mesmo tempo,
o seu último ato autônomo como Estado. A intervenção de um poder de Estado em
relações sociais torna-se supérfluo num domínio após o outro, adormecendo,
então, por si próprio. Em lugar do governo sobre pessoas surge a administração
de coisas e a direção dos processos de produção. O Estado não é ‘abolido’,
extingue-se. Portanto, por aqui se há-de aferir a frase sobre o ‘Estado livre
do povo’, tanto no que toca à sua justificação temporária de agitação como no
que toca à sua definitiva insuficiência científica; por aqui, igualmente, se
há-de aferir a reivindicação dos chamados anarquistas, segundo a qual o Estado
devia ser abolido de hoje para amanhã. (Anti-Dühring)
Que a violência, porém, ainda
desempenha outro papel na história (além do de ser agente do mal), um papel
revolucionário, que ela, nas palavras de Marx, é a parteira de toda a velha
sociedade que anda grávida com uma nova, que ela é o instrumento com o qual o
movimento social se realiza e quebra formas políticas petrificadas, mortas –
sobre isso não há uma palavra do senhor Dühring. Só com suspiros e gemidos
admite a possibilidade de talvez vir a ser necessária a violência para o
derrubamento da economia de exploração – infelizmente!, pois todo o uso da
violência desmoraliza quem a usa. E isto em face do elevado ascenso moral e
espiritual que era a consequência de toda a revolução triunfante! E isto na
Alemanha, onde um choque violento, a que o povo pode vir a ser obrigado, teria
pelo menos a vantagem de exterminar o servilismo que penetrou na consciência
nacional a partir da humilhação da Guerra dos Trinta Anos. E este modo de
pensar de pregador, débil, sem seiva nem vigor, reivindica impor-se ao partido
mais revolucionário que a história conhece? (Anti-Dühring)
(pp. 232-3; 235)
(pp. 232-3; 235)
A
substituição do Estado burguês pelo proletário é impossível sem a revolução
violenta. A supressão do Estado proletário, isto é, a supressão de todo Estado,
é impossível a não ser pela via da extinção.
(p. 236)
Capítulo
II
O
Estado e a Revolução. A experiência dos anos 1848-1851
O
Estado é a organização especial da força, é a organização da violência para a
repressão de uma classe qualquer. Qual é então a classe que o proletariado deve
reprimir? Naturalmente apenas a classe dos exploradores, isto é, a
burguesia.
(...)
Os democratas pequeno-burgueses, esses pretensos socialistas que substituíam a luta de classes pelos sonhos de entendimento das classes, concebiam a própria transformação socialista de um modo sonhador, não sob a forma do derrubamento do domínio da classe exploradora, mas sob a forma da submissão pacífica da minoria à maioria que ganhou consciência das suas tarefas. Esta utopia pequeno-burguesa, indissoluvelmente ligada ao reconhecimento de um Estado colocado acima das classes, conduzia na prática à traição dos interesses das classes trabalhadoras, como o mostrou, por exemplo, a história das revoluções francesas de 1848 e 1871, como o mostrou a experiência de participação 'socialista' nos ministérios burgueses na Inglaterra, na França, na Itália e em outros países no fim do século XIX e no princípio do século XX.
Os democratas pequeno-burgueses, esses pretensos socialistas que substituíam a luta de classes pelos sonhos de entendimento das classes, concebiam a própria transformação socialista de um modo sonhador, não sob a forma do derrubamento do domínio da classe exploradora, mas sob a forma da submissão pacífica da minoria à maioria que ganhou consciência das suas tarefas. Esta utopia pequeno-burguesa, indissoluvelmente ligada ao reconhecimento de um Estado colocado acima das classes, conduzia na prática à traição dos interesses das classes trabalhadoras, como o mostrou, por exemplo, a história das revoluções francesas de 1848 e 1871, como o mostrou a experiência de participação 'socialista' nos ministérios burgueses na Inglaterra, na França, na Itália e em outros países no fim do século XIX e no princípio do século XX.
(p.238)
A
doutrina da luta de classes, aplicada por Marx à questão do Estado e da
revolução socialista, conduz necessariamente ao reconhecimento do domínio
político do proletariado, da sua ditadura, isto é, de um poder não partilhado
com ninguém e que se apoia diretamente na força armada das massas. O
derrubamento da burguesia só pode ser realizado pela transformação do
proletariado em classe dominante capaz de reprimir a resistência inevitável,
desesperada, da burguesia e de organizar para um novo regime de economia todas
as massas trabalhadoras e exploradas.
O proletariado necessita do poder do Estado, de uma organização centralizada da força, de uma organização da violência, tanto para reprimir a resistência dos exploradores como para dirigir a imensa massa da população, o campesinato, a pequena burguesia, os semiproletários, na obra da organização da economia socialista.
Educando
o partido operário, o marxismo educa a vanguarda do proletariado, capaz de
tomar o poder e de conduzir todo o povo ao socialismo, de dirigir e de
organizar todos os trabalhadores e explorados na obra da organização da sua
vida social, sem a burguesia e contra a burguesia. Pelo contrário, o
oportunismo hoje dominante educa no partido operário representantes dos
trabalhadores mais bem pagos, que se desligam das massas, que se 'arranjam'
bastante bem sob o capitalismo, que vendem por um prato de lentilhas o seu
direito de primogenitura, isto é renunciam ao papel de chefes revolucionários
do povo contra a burguesia.
"O Estado, isto é, o proletariado organizado como classe dominante" (Manifesto Comunista) - esta teoria de Marx está indissoluvelmente ligada a toda a sua doutrina sobre o papel revolucionário do proletariado na história. O remate deste papel é a ditadura proletária, o domínio político do proletariado."
"O Estado, isto é, o proletariado organizado como classe dominante" (Manifesto Comunista) - esta teoria de Marx está indissoluvelmente ligada a toda a sua doutrina sobre o papel revolucionário do proletariado na história. O remate deste papel é a ditadura proletária, o domínio político do proletariado."
(p.
239)
O poder do Estado centralizado, próprio da sociedade burguesa, surgiu na época da queda do absolutismo. As duas instituições mais características desta máquina do Estado são: o funcionalismo e o exército permanente. (...)
O
funcionalismo e o exército permanente são um 'parasita' no corpo da sociedade
burguesa, parasita gerado pelas contradições internas que dilaceram esta
sociedade, mas precisamente um parasita que 'obstruiu' os poros vitais. O
oportunismo kautskiano hoje dominante na social-democracia oficial considera
que esta concepção do Estado como um organismo parasitário é um atributo
particular e exclusivo do anarquismo. (...)
O
desenvolvimento, o aperfeiçoamento, a consolidação deste aparelho burocrático e
militar prosseguem através de todas as revoluções burguesas que a Europa viu
muitas vezes desde o tempo da queda do feudalismo. Em particular, precisamente,
a pequena burguesia é atraída para o lado da grande burguesia e é submetia a
ela, em grau significativo, por meio deste aparelho, que dá às camadas
superiores do campesinato, dos grandes artesãos, dos comerciantes etc.,
lugarzinhos relativamente cômodos, tranquilos e honrosos, que colocam os seus
possuidores acima do povo.
(p.
241)
Quanto mais se procede às 'redistribuições' do aparelho burocrático entre os diversos partidos burgueses e pequeno-burgueses (entre os democratas-constitucionalistas, os socialistas-revolucionários e os mencheviques, para tomar o exemplo russo), tanto mais claro se torna para as classes oprimidas, com o proletariado à cabeça, a sua hostilidade irredutível em relação a toda a sociedade burguesa. Daí a necessidade para todos os partidos burgueses, mesmo para os mais democráticos e 'revolucionários-democráticos', entre eles, reforçar a repressão contra o proletariado revolucionário, de consolidar o aparelho de repressão, isto é, a própria máquina de Estado. Tal curso dos acontecimentos obriga a revolução a 'concentrar todas as suas forças de destruição' contra o poder de Estado, obriga a colocar a tarefa de não melhorar a máquina do Estado, mas de destrui-la, de suprimi-la.
(p.242)
Capítulo
III
O
Estado e a Revolução. A experiência da Comuna de Paris de 1871. A análise de
Marx
A
única ‘correção’ que Marx julgou necessário fazer no Manifesto Comunista foi
feita por ele na base da experiência revolucionária dos communards parisienses.
O
último prefácio à nova edição alemã do Manifesto Comunista, assinado por ambos
os seus autores, é datado de 24 de junho de 1872. Neste prefácio os autores,
Karl Marx e Friedrich Engels, dizem que o programa do Manifesto Comunista ‘está
hoje, num passo ou noutro, obsoleto’.
‘...A
Comuna, nomeadamente, forneceu a prova de que a classe operária não pode
limitar-se a tomar conta da máquina de Estado que encontra montada e a pô-la em
funcionamento para atingir os seus objetivos próprios...’
(...)
Assim,
Marx e Engels consideravam que uma das lições principais e fundamentais da
Comuna de Paris tinha uma importância tão gigantesca que a introduziram como
correção essencial do Manifesto Comunista.
É
extraordinariamente característico que precisamente esta correção essencial
tenha sido deturpada pelos oportunistas, e nove décimos, se não noventa e nove
centésimos, dos leitores do Manifesto Comunista ignoram certamente o seu
sentido. (...) Por agora bastará assinalar que a ‘compreensão’ corrente,
vulgar, da famosa máxima de Marx citada por nós consiste em que Marx teria
sublinhado aqui a ideia de um desenvolvimento lento, em oposição à conquista do
poder, e outras coisas semelhantes.
Na
realidade, é exatamente o contrário. A ideia de Marx consiste em que a classe
operária deve quebrar, demolir a ‘máquina de Estado que se encontra montada’ e
não limitar-se simplesmente à sua conquista.
(p.
246-7)
Pelo
que substituir a máquina de Estado quebrada?
A
esta pergunta Marx dava em 1847, no Manifesto Comunista, uma resposta ainda
completamente abstrata, ou melhor, uma resposta que indicava as tarefas, mas
não os meios para as resolver. Substitui-las pela ‘organização do proletariado
como classe dominante’, pela ‘luta pela democracia’ – tal era a resposta do
Manifesto Comunista.
Sem
cair em utopias, Marx esperava da experiência do movimento de massas a resposta
à questão de quais as formas concretas que tomaria esta organização do
proletariado como classe dominante, de que maneira precisa esta organização se
conciliaria com a mais completa e a mais consequente ‘luta pela democracia’.
(p.
249)
Aqui
observa-se exatamente um dos casos de ‘transformação da quantidade em
qualidade’: a democracia, realizada de modo tão completo e consequente quanto é
possível, converte-se de democracia burguesa em proletária, de Estado (=força
especial para a repressão de uma classe determinada) em qualquer outra coisa
que já não é, para falar propriamente, Estado.
(p.
250)
A
elegibilidade completa, a amovibilidade a cada momento de todos os funcionários
públicos sem exceção, a redução dos seus vencimentos ao habitual ‘salário
operário’, estas medidas democráticas simples e ‘compreensíveis por si mesmas’,
unindo completamente os interesses dos operários e da maioria dos camponeses,
servem ao mesmo tempo de ponte que conduz do capitalismo para o socialismo.
Estas medidas dizem respeito à reorganização estatal, puramente política da
sociedade, mas só adquirem, naturalmente todo o seu sentido e importância em
ligação com a realização ou a preparação da ‘expropriação dos expropriadores’,
isto é, com a transformação da propriedade privada capitalista dos meios de
produção em propriedade social.
(p.
251-2)
A
Comuna substitui o parlamentarismo venal e apodrecido da sociedade burguesa por
instituições onde a liberdade de opinião e de discussão não degenera em engano,
porque os próprios parlamentares têm de trabalhar, executar eles próprios as
suas leis, comprovar eles próprios o que se consegue na vida, responder eles
próprios diretamente perante os seus eleitores. As instituições representativas
permanecem, mas o parlamentarismo como sistema especial, como divisão do
trabalho legislativo e executivo, como situação privilegiada para os deputados
não existe aqui. Não podemos conceber uma democracia, mesmo uma
democracia proletária, sem instituições representativas, mas podemos e devemos
concebê-la sem parlamentarismo, se a crítica da sociedade burguesa não é para
nós uma palavra oca (...)
(p.
253)
Organizaremos
a grande produção partindo do que já foi criado pelo capitalismo, nós próprios,
os operários, apoiando-nos na nossa experiência operária, criando uma
disciplina rigorosíssima, de ferro, apoiada pelo poder de Estado dos operários
armados, reduziremos os funcionários públicos ao papel de simples executantes
das nossas diretivas, de capazes e contabilistas (naturalmente com técnicos de
todos os gêneros e níveis) responsáveis, amovíveis e modestamente pagos – eis a
nossa tarefa proletária, eis por onde podemos e devemos começar na realização
da revolução proletária. (...)
Um
espirituoso social-democrata alemão dos anos 1870 chamou aos correios um modelo
de empresa socialista. Isto é muito justo. Os correios são agora uma empresa
organizada segundo o tipo de monopólio capitalista do Estado. O imperialismo
transformará progressivamente todos os trusts em organizações de tipo
semelhante. Acima dos ‘simples’ trabalhadores, que estão sobrecarregados e que
passam fome, encontra-se aqui exatamente a mesma burocracia burguesa. Mas o
mecanismo de gestão social aqui já está pronto. (...)
Toda
a economia nacional organizada como os correios, de forma que os
técnicos, os capatazes, os contabilistas, como todos os funcionários públicos
recebam um vencimento que não exceda um ‘salário operário’, sob o controle e a
direção do proletariado armado – eis o nosso fim imediato.
(p.
255-6)
Capítulo
IV
Continuação.
Explicações complementares de Engels
(...)
aquela ideia fundamental que passa como um fio vermelho através de todas as
obras de Marx, a saber, que a república democrática é a via de acesso mais
próxima para a ditadura do proletariado, Pois tal república, não eliminando de
modo nenhum o domínio do capital e, consequentemente, a opressão das massas e a
luta de classes, conduz inevitavelmente a um tal alargamento, desenvolvimento,
clarificação, agravamento desta luta que, uma vez que surge a possibilidade de
satisfazer os interesses fundamentais das massas oprimidas, esta possibilidade
se realiza inevitável e unicamente na ditadura do proletariado.
(p.
269-70)
Engels
chega aqui ao limite interessante em que a democracia consequente, por um lado,
se transforma em socialismo e, por outro lado, reclama o socialismo.
Pois para suprimir o Estado é preciso transformar as funções do serviço de
Estado em operações de controle e de registro tão simples que sejam acessíveis
e realizáveis pela imensa maioria da população e, depois, por toda a população
sem exceção. E que a completa eliminação do carreirismo exige que o lugarzinho
‘honroso’, ainda que não lucrativo, ao serviço do Estado, não possa servir de
trampolim para saltar para lugares altamente lucrativos nos bandos e nas
sociedades por ações, como acontece constantemente em todos os países mais
livres.
(...)
O
desenvolvimento da democracia até o fim, a procura das formas desse
desenvolvimento, a sua comprovação na prática, etc., tudo isso é uma das
tarefas integrantes da luta pela revolução social. Tomado em separado, nenhum
democratismo dá o socialismo, mas na vida o democratismo nunca será ‘tomado em
separado’, antes será ‘tomado juntamente com’, exercerá sua influência também
na economia, impelirá a sua transformação, sofrerá a influência do
desenvolvimento econômico, etc. Tal é a dialética da história viva.
(p.
275)
Nos
raciocínios habituais sobre o Estado comete-se constantemente o erro contra o
qual Engels adverte aqui e que assinalamos de passagem na exposição anterior. A
saber: esquece-se constantemente que a supressão do Estado é também a supressão
da democracia, que a extinção do Estado é a extinção da democracia.
À
primeira vista tal afirmação parece extremamente estranha e incompreensível;
talvez mesmo surja em alguns o receio de que nós esperemos o advento de uma
organização social em que não se observe o princípio da subordinação da minoria
pela maioria, pois não será a democracia precisamente o reconhecimento de tal
princípio?
Não.
A democracia não é idêntica à subordinação da minoria à maioria. A democracia é
um Estado que reconhece a subordinação da minoria à maioria, isto é, uma
organização para exercer a violência sistemática de uma classe sobre outra, de
uma parte da população sobre outra.
Propomo-nos
como objetivo final a supressão do Estado, isto é, de toda a violência
organizada e sistemática, de toda a violência obre os homens em geral. Não
esperamos o advento de uma ordem social em que o princípio da subordinação da
minoria à maioria não seja observado. Mas, aspirando ao socialismo, estamos
convencidos de que ele se transformará em comunismo e, em ligação com isto,
desaparecerá toda a necessidade da violência sobre os homens em geral, da
subordinação de um homem a outro, de uma parte da população a outra parte dela,
porque os homens se habituarão a observar as condições elementares de
convivência social sem violência e sem subordinação.
(p.
277-8)
Capítulo
V
As
bases econômicas da extinção do Estado
Democracia
significa igualdade. Compreende-se a grande importância que tem a luta do
proletariado pela igualdade e a palavra de ordem de igualdade se a
compreendermos corretamente no sentido da supressão das classes. Mas a
democracia significa apenas igualdade formal. E imediatamente depois da
realização da igualdade de todos os membros da sociedade em relação à
propriedade dos meios de produção, isto é, a igualdade do trabalho, a igualdade
do salário, levantar-se-á inevitavelmente perante a humanidade a questão e
avançar da igualdade formal para a igualdade de fato, isto é, para a realização
da regra: ‘de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas
necessidades.’ Por que etapas, através de que medidas práticas a humanidade
chegará a este fim supremo, não sabemos nem podemos saber. Mas o que importa é
compreender como é imensamente falsa a concepção burguesa habitual segundo a
qual o socialismo é qualquer coisa morta, cristalizada, dada de uma vez para
sempre, quando na realidade apenas com o socialismo começa um movimento de
avanço rápido, verdadeiro, efetivamente de massas, com a participação da
maioria e depois de toda a população, em todos os domínios da vida social e
individual.
A
democracia é uma forma de Estado, uma das suas variedades. E, consequentemente,
ela representa em si, como em qualquer Estado, a aplicação organizada,
sistemática, da violência sobre as pessoas. Isso por um lado. Mas, por outro
lado, significa o reconhecimento formal da igualdade entre os cidadãos, do
direito igual para todos de determinar a organização do Estado e de o dirigir.
E isto, por seu turno, liga-se ao fato de que num certo grau de desenvolvimento
da democracia, ela, em primeiro lugar, une a classe revolucionário que está
contra o capitalismo, o proletariado, e permite-lhe quebrar, demolir
completamente, fazer desaparecer da face da terra a máquina de Estado burguesa,
mesmo que republicana-burguesa, o exército permanente, a polícia, o
funcionalismo, e substitui-los por uma máquina de Estado mais democrática, mas
ainda uma máquina de Estado, sob a forma das massas operárias armadas que
passam à participação de todo o povo na milícia.
Aqui
“a quantidade transforma-se em qualidade’: este grau do democratismo está
ligado à saída do quadro da sociedade burguesa, ao começo da sua reorganização
socialista. Se todos participam realmente na administração do Estado, então o
capitalismo cria, por sua vez, as premissas para que ‘todos’ possam realmente
participar na administração do Estado. Entre estas premissas conta-se a
alfabetização geral já realizada por uma série de países capitalistas mais
avançados, em seguida o ‘educar e disciplinar’ de milhões de operários pelo
grande, complexo e socializado aparelho dos correios, dos caminhos-de-ferro,
das grandes fábricas, do grande comércio, dos bancos etc., etc.
Com
tais premissas econômicas é perfeitamente possível, depois de derrubados os
capitalistas e os funcionários, passar imediatamente à sua substituição de um
dia para o outro – em matéria de controle da produção e da distribuição, em
matéria de registro do trabalho e dos produtos – pelos operários armados, por
todo o povo armado.
Nota:
Quando um Estado se reduz na parte principal de suas funções a este registro e
controle por parte dos próprios operários, então deixa de ser um ‘Estado
político’, então as funções públicas transformam-se de políticas em funções
simplesmente administrativas.
(p.
289)
Capítulo
VI
A
vulgarização do marxismo pelos oportunistas
De
uma maneira geral, pode-se dizer que do esquivar-se à questão da atitude da
revolução proletária para com o Estado, esquivar-se vantajoso para o
oportunismo e que o alimentava, resultou a deturpação do marxismo e sua
completa vulgarização.
(p.
292)
A
social-democracia germânica, na pessoa de Kautsky, parecia declarar:
mantenho-me nas minhas concepções revolucionárias (1899). Reconheço em
particular a inevitabilidade da revolução social do proletariado (1902).
Reconheço que começa uma nova era de revoluções (1909). Mas, apesar de tudo
isso, recuo em relação àquilo que Marx disse já em 1852, logo que coloca a
questão das tarefas da revolução proletária em relação ao Estado (1912).
(p.
298)
Posfácio
É
mais agradável e mais útil viver a ‘experiência da revolução’ do que escrever
sobre ela.
(p.
305)
_________
(V.I.
Lenin, O Estado e a Revolução in Obras Escolhidas, tomo 2, Edições Avante/Edições Progresso, Lisboa - Moscou, 1978, pp.
219-305)
_________
Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.
вся власть Советам!
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