Cenas da Revolução de 17
Cena IV
A primeira coligação
A primeira coligação
"A
Revolução, apesar da resistência da pretensa democracia, levantava novas armas,
consolidava os sovietes e armava os operários, se bem que ainda de maneira
limitada. Os Sovietes, a princípio órgãos de controle, transformavam-se em
órgãos administrativos. Não se resignavam a qualquer teoria de divisão dos
poderes e intervinham na direção do exército, nos conflitos econômicos, nas
questões de abastecimento e de transporte, e mesmo nos negócios judiciários.
Sob a pressão dos operários, os sovietes decretavam a jornada de oito horas, eliminavam
os administradores por demais reacionários, destituíam os mais insuportáveis
dentre os comissários do Governo Provisório, procediam a detenções e
inquéritos, interditavam jornais hostis. À frente dos sovietes, entretanto, e
por toda a parte, achavam-se socialistas revolucionários e mencheviques que
repeliam, com indignação, a palavra de ordem bolchevique: ‘Todo o poder aos
Sovietes’.
As
jornadas de abril, porém, evidenciaram, a impotência do Governo Provisório, que
não encontrou nem sequer na capital um lugar seguro. Da crise provocada em
abril, podiam-se conceber teoricamente três saídas: - a volta
integral do poder à burguesia. Isto não era realizável senão pelo caminho da
guerra civil. Miliukov tentou mas fracassou; - a entrega de todo o poder aos
Sovietes: era possível chegar lá sem recurso à guerra civil, bastando para isto
levantar apenas o braço, bastava querer. Os conciliadores, porém, não queriam
querer e as massas ainda confiavam nos conciliadores, se bem que com alguma
reserva. As duas saídas principais – tanto na linha burguesa como na linha
proletária – estavam fechadas. Restava a terceira possibilidade: a semi-saída
confusa, híbrida, covarde, das acomodações. Aquilo que se chama coligação.
Em
26 de abril, quando o terreno já se achava suficientemente preparado, o Governo
Provisório, através de manifesto especial, proclamou a necessidade de associar
aos trabalhos do Estado “as forças criadoras ativas do país, que ainda não
haviam participado deles”.
Ao
aceitar a coligação, os conciliadores supunham poder abolir pacífica e
gradualmente o sistema soviético. Parecia-lhes que a força dos Sovietes,
concentrada em suas próprias pessoas, poderia ser transmitida imediatamente ao
governo oficial. Na mente dos chefes conciliadores, o centro de gravidade
deveria passar dos sovietes para os novos órgãos democráticos de administração
autônoma.
As
massas, que ainda não acompanhavam os bolcheviques, insistiam todas a favor da
participação dos socialistas no governo. Se é bom que um Kerensky seja um
ministro, seis Kerenskys valerão mais. As massas não sabiam que aquilo se
chamava coligação com a burguesia e que esta última desejava dissimular-se por
detrás dos socialistas para agir mais livremente contra o povo. Nas casernas a
coligação era interpretada de maneira diferente do que era no Palácio Marinsky.
As massas pretendiam, graças aos socialistas, expulsar a burguesia do governo.
Foi assim que as duas pressões, que caminhavam em sentido contrário, chegaram,
a um dado momento, a juntar-se em um só.
Tanto
nesta questão quanto nas demais a guerra tinha uma influência decisiva. Os
socialistas estavam dispostos a adotar, em relação à guerra, uma atitude de
expectativa, bem como relativamente ao poder, isto é, ganhar tempo. A guerra,
porém, não esperava. Os Aliados muito menos. O front não queria mais esperar.
Justo no momento da crise governamental, apresentavam-se ao Comitê-Executivo do
Soviete delegados vindos do front e formularam aos líderes à seguinte pergunta:
Estamos em guerra ou não estamos? O que significa: assumir a responsabilidade
da guerra ou não? Era impossível escapar pelo silêncio. A mesma pergunta era
apresentada pela Entente e numa linguagem meio ameaçadora.
A
1º de maio, o Comitê-Executivo, após haver passado por todas as fases de hesitação
imagináveis, decidiu, por maioria de 41 votos contra 18, participar do governo
de coligação. Votaram contra apenas os bolcheviques e um pequeno grupo de
mencheviques internacionalistas.
Os
socialistas conseguiram 6 pastas dentre 15. Eles desejavam permanecer em
minoria. Mesmo depois de se haverem decidido a participar abertamente do
Governo, continuavam a brincar de perde-ganha. O Príncipe Lvov permanecia como
primeiro-ministro. Kerensky passou a ser ministro da Guerra e da Marinha.
“Um
governo de coligação”, escrevia o embaixador britânico George Buchanan,
“representa para nós a última e talvez única esperança de salvação da situação
militar desse front”. Era assim que, por detrás das plataformas, dos discursos,
das conciliações e dos votos dos líderes liberais e democratas da Revolução de
Fevereiro, se mantinha o maestro imperialista, personificado pela Entente.
A
11 de maio, Kerensky partia para o front, iniciando uma campanha de agitação em
favor da ofensiva. A 14 de maio, Kerensky lança uma ordem aos exércitos: “Ireis
onde vossos chefes vos conduzirem’ e, para embelezar esta perspectiva bastante
conhecida e pouco sedutora para os soldados, ele acrescentou: “Levareis a paz
na ponta de vossas baionetas”.
(Trotsky, História
da Revolução Russa, vol. 1, capítulo XVIII A Primeira Coligação)
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