sexta-feira, 23 de junho de 2017

A claraboia e o holofote #31 (IX)







Cenas da Revolução de 17


Cena IV


A primeira coligação




"A Revolução, apesar da resistência da pretensa democracia, levantava novas armas, consolidava os sovietes e armava os operários, se bem que ainda de maneira limitada. Os Sovietes, a princípio órgãos de controle, transformavam-se em órgãos administrativos. Não se resignavam a qualquer teoria de divisão dos poderes e intervinham na direção do exército, nos conflitos econômicos, nas questões de abastecimento e de transporte, e mesmo nos negócios judiciários. Sob a pressão dos operários, os sovietes decretavam a jornada de oito horas, eliminavam os administradores por demais reacionários, destituíam os mais insuportáveis dentre os comissários do Governo Provisório, procediam a detenções e inquéritos, interditavam jornais hostis. À frente dos sovietes, entretanto, e por toda a parte, achavam-se socialistas revolucionários e mencheviques que repeliam, com indignação, a palavra de ordem bolchevique: ‘Todo o poder aos Sovietes’.

As jornadas de abril, porém, evidenciaram, a impotência do Governo Provisório, que não encontrou nem sequer na capital um lugar seguro. Da crise provocada em abril, podiam-se conceber teoricamente três saídas:  - a volta integral do poder à burguesia. Isto não era realizável senão pelo caminho da guerra civil. Miliukov tentou mas fracassou; - a entrega de todo o poder aos Sovietes: era possível chegar lá sem recurso à guerra civil, bastando para isto levantar apenas o braço, bastava querer. Os conciliadores, porém, não queriam querer e as massas ainda confiavam nos conciliadores, se bem que com alguma reserva. As duas saídas principais – tanto na linha burguesa como na linha proletária – estavam fechadas. Restava a terceira possibilidade: a semi-saída confusa, híbrida, covarde, das acomodações. Aquilo que se chama coligação.

Em 26 de abril, quando o terreno já se achava suficientemente preparado, o Governo Provisório, através de manifesto especial, proclamou a necessidade de associar aos trabalhos do Estado “as forças criadoras ativas do país, que ainda não haviam participado deles”.

Ao aceitar a coligação, os conciliadores supunham poder abolir pacífica e gradualmente o sistema soviético. Parecia-lhes que a força dos Sovietes, concentrada em suas próprias pessoas, poderia ser transmitida imediatamente ao governo oficial. Na mente dos chefes conciliadores, o centro de gravidade deveria passar dos sovietes para os novos órgãos democráticos de administração autônoma.

As massas, que ainda não acompanhavam os bolcheviques, insistiam todas a favor da participação dos socialistas no governo. Se é bom que um Kerensky seja um ministro, seis Kerenskys valerão mais. As massas não sabiam que aquilo se chamava coligação com a burguesia e que esta última desejava dissimular-se por detrás dos socialistas para agir mais livremente contra o povo. Nas casernas a coligação era interpretada de maneira diferente do que era no Palácio Marinsky. As massas pretendiam, graças aos socialistas, expulsar a burguesia do governo. Foi assim que as duas pressões, que caminhavam em sentido contrário, chegaram, a um dado momento, a juntar-se em um só.

Tanto nesta questão quanto nas demais a guerra tinha uma influência decisiva. Os socialistas estavam dispostos a adotar, em relação à guerra, uma atitude de expectativa, bem como relativamente ao poder, isto é, ganhar tempo. A guerra, porém, não esperava. Os Aliados muito menos. O front não queria mais esperar. Justo no momento da crise governamental, apresentavam-se ao Comitê-Executivo do Soviete delegados vindos do front e formularam aos líderes à seguinte pergunta: Estamos em guerra ou não estamos? O que significa: assumir a responsabilidade da guerra ou não? Era impossível escapar pelo silêncio. A mesma pergunta era apresentada pela Entente e numa linguagem meio ameaçadora.

A 1º de maio, o Comitê-Executivo, após haver passado por todas as fases de hesitação imagináveis, decidiu, por maioria de 41 votos contra 18, participar do governo de coligação. Votaram contra apenas os bolcheviques e um pequeno grupo de mencheviques internacionalistas.

Os socialistas conseguiram 6 pastas dentre 15. Eles desejavam permanecer em minoria. Mesmo depois de se haverem decidido a participar abertamente do Governo, continuavam a brincar de perde-ganha. O Príncipe Lvov permanecia como primeiro-ministro. Kerensky passou a ser ministro da Guerra e da Marinha.

“Um governo de coligação”, escrevia o embaixador britânico George Buchanan, “representa para nós a última e talvez única esperança de salvação da situação militar desse front”. Era assim que, por detrás das plataformas, dos discursos, das conciliações e dos votos dos líderes liberais e democratas da Revolução de Fevereiro, se mantinha o maestro imperialista, personificado pela Entente.

A 11 de maio, Kerensky partia para o front, iniciando uma campanha de agitação em favor da ofensiva. A 14 de maio, Kerensky lança uma ordem aos exércitos: “Ireis onde vossos chefes vos conduzirem’ e, para embelezar esta perspectiva bastante conhecida e pouco sedutora para os soldados, ele acrescentou: “Levareis a paz na ponta de vossas baionetas”.
(Trotsky, História da Revolução Russa, vol. 1, capítulo XVIII A Primeira Coligação)






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