segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Deus, deuses e super-heróis: gênese e estrutura





Carta a Ivan Ciuffi Veronezi




Ivan,

Da última vez que vimos The Avengers, você estranhou que eu preferisse o Capitão America ao Homem de Ferro. Vamos esclarecer umas coisas: o Homem de Ferro foi um dos meus super-heróis favoritos quando eu assistia àqueles desenhos “desanimados” da Marvel no começo da década de 70. Nos filmes recentes, os gadgets estão melhores do que nunca e o trailer do Homem de Ferro 3 sugere que a imaginação tecnológica dos roteiristas e produtores visuais não tem limites; no entanto, no que diz respeito à imaginação “moral”, é melhor não comentar nada. 

O atual Tony Stark é uma mistura de playboy mundano e gênio incompreendido malcriado: a síntese de Hugh Hefner e Hugh Laurie (encarnado no Dr. Gregory House). Nada contra Robert Downey Jr. Definitivamente, ele é o alter-ego mais carismático que um super-herói poderia ter, bem longe daqueles tipos lamentáveis que encarnaram o Super Homem, os quais, a propósito, confirmam minha impressão de que Joe Shuster e Jerry Siegel não criaram realmente um super-herói, apenas deram forma mítica a uma doença: a angústia da falta de raízes, de ter de ocultar, sob uma aparente normalidade, a condição de alteridade absoluta. Exilado de um planeta extinto, órfão, obrigado a viver com uma espécie tecnologicamente inferior, o Super Homem é um alienígena que se fecha na sua Fortaleza da Solidão para vigiar o seu mundo de adoção. O próprio fato de que, ao voar, seja confundido com um pássaro ou um avião é uma marca dessa estranheza radical, que nenhum relacionamento com Lois Lane poderá superar.

Voltando ao Homem de Ferro: o ponto é que eu não aguento mais a ideia de que a riqueza ou a inteligência (ou ambas, no caso de Tony Stark) concedam alguma licença para que alguém se comporte como um jerk. Tá bom, reconheço que estou defendendo uma visão moral mais rígida, talvez mais conservadora, mas não vejo problema em ser conservador (só não admito ser reacionário). Por isso mesmo, gosto do senso de dever e do bom-mocismo antiquado do Capitão América. Sinal de que estou ficando velho? Com certeza. 

Talvez você argumente que os super-heróis não precisam ser moralmente perfeitos, pois, afinal, nem os santos são assim; você poderia acrescentar que as falhas morais expõem os limites dos super-heróis, tornando-os realmente interessantes. Um super-herói precisa ser finito, limitado e imperfeito de muitas maneiras. Ele precisa ter fraquezas e pontos vulneráveis. É preciso que ele encontre um rival capaz de dar-lhe uma boa surra. Talvez esta seja a razão pela qual, com exceção de Thor, os deuses não rendem bons super-heróis. O Deus único dos monoteístas, perfeito e onipotente, não daria assunto para três páginas de roteiro. Mesmo na Bíblia, toda a vez que ele resolve aparecer, a chatice se instala. Em termos de enredo, a história de Jesus contada no Novo Testamento só é interessante porque ele é apresentado como o filho do Todo-Poderoso e, portanto, um continuador da saga, mas o Paizão mesmo jamais aparece e deixa o filho se ferrando nas mãos dos inimigos. Quando ele pensa que encontrou aliados, descobre que entre eles há traidores. Jesus tem consciência de que sua situação é precária, que os deveres que ele assumiu (por exemplo, purificar os pecados do mundo) estão acima dos seus poderes reais (ele sabe apenas fazer mágicas em festas de casamento, como transformar água em vinho, ou fazer truques com comida, multiplicando pães e peixes... Dizem que ele ressuscitou Lázaro, mas poderia ser apenas um caso médico de catalepsia).  No fundo, Jesus está sozinho na sua luta. Seus inimigos sabem quem ele é e como ele pode ser ferido. Eles conhecem seus pontos vulneráveis. Enfim, eis o modelo de muitos roteiros de super-heróis, inclusive de Kick Ass, que terminei de ler anteontem e do qual gostei muito, principalmente por mostrar bem os motivos que levam alguém a querer essa coisa pouco razoável que é ser super-herói: o sentimento de tédio e de falta de sentido da vida, o desejo de se destacar da massa anônima, a vontade de fazer alguma coisa boa para os outros só para sair do individualismo egoísta, a necessidade narcísica de reconhecimento e de elogios, e por aí vai. 

Kick Ass deixa claro que não é o mundo que precisa de super-heróis: é a insignificância da vida urbana numa megacidade que gera em algumas pessoas o desejo de botar uma máscara para sair do anonimato. Botar uma máscara para mostrar quem você realmente é: taí o paradoxo que Kick Ass expõe da maneira mais clara. É por isso que os super-heróis são produtos do mundo impessoal dos formigueiros humanos: Metrópolis, Gotham City, New York ou Tóquio. Não há super-heróis rurais.  A urbanização mundial, em especial o surgimento das megacidades, vai continuar alimentando o imaginário niilista que fantasia catástrofes urbanas iminentes, sempre na esperança de que a salvação venha de algum indivíduo corajoso, capaz de colocar a Justiça acima da Lei e o Bem Comum acima da Propriedade, mesmo que, para isso, tenha que vestir-se como um bailarino de Lady Gaga. Se nós mesmos não temos coragem de colocar uma máscara para mostrar quem realmente somos, alguém tem que fazê-lo. Talvez seja inevitável que isso aconteça um dia – essa é a premissa mesma de Kick Ass: “Sempre me perguntei por que ninguém nunca tentou. Tipo, com tanto filme e seriado baseado em gibi, é de se pensar que pelo menos um carinha mais excêntrico teria feito uma fantasia. Todo mundo já quis ser super-herói.” (Kick Ass: Quebrando Tudo, issue 1, roteiro de Mark Millar, editora Panini).

A necessidade de deixar de ser um bosta é o que faz surgir um super-herói. O meu admirado Capitão América era apenas um fracote que queria lutar na 2ª Guerra Mundial e aceitou ser cobaia de um experimento que poderia matá-lo. Essa descida ao inferno do sofrimento é a condição para a ascensão de um verdadeiro super-herói. Os supervilões tem origem bem diferente. Eles são movidos pela necessidade de produzir um mundo perfeito, de ordem e de hierarquia, no qual eles – os supervilões – sejam reconhecidos e adorados pelo que gostariam de ser: artistas divinos, demiurgos. Um supervilão tem a ambição de introduzir a perfeição no mundo, o que somente seria possível por um ato de violência contra a imperfeição humana existente. Como os artistas wagnerianos, os supervilões sonham com a obra de arte total; como os grandes empreendedores capitalistas da nossa época, eles propõem projetos de destruição criativa; como os fascistas, eles almejam uma nova ordem. 

À luz dessas considerações, é importante evitar o maniqueísmo barato que reduz tudo à defesa do Bem contra o Mal. O fato é que o universo que gera super-heróis também gera supervilões porque eles querem a mesma coisa: eliminar o mal. O que os coloca em posições antagônicas é a diferença de interpretação que eles dão ao problema do mal. 

Para um supervilão, o mal é resultado da fraqueza de indivíduos que se agitam numa vida sem propósito nem grandeza. O mal é uma imperfeição que pode ser corrigida pela grandiosa implantação de um modelo de beleza e ordem superiores. O que é feio e fraco deve perecer. O nada é melhor do que a imperfeição e a banalidade. Para um super-herói, o mal está na tentativa de perturbar a ordem precária da vida social. Todo super-herói sabe que os seres humanos são fracos e imperfeitos e que tudo o que podem conseguir é uma pequena crosta de civilidade que os coloca a salvo da guerra de todos contra todos. É essa pequena crosta de civilidade, de justiça e de bem comum que precisa ser preservada contra as intervenções da megalomania artística dos supervilões, com seus projetos totalitários. Não é possível corrigir a natureza humana nem solucionar os problemas do mundo. Cada super-herói cuida somente de seu quintal (Gotham City, por exemplo) e zela para que as coisas não ultrapassem certos limites. Num texto famoso a propósito do Super-Homem, Umberto Eco comentou que ele poderia promover “as mais estonteantes revoluções da ordem política, econômica, tecnológica do mundo – da solução dos problemas da fome ao beneficiamento de áreas inabitáveis, à destruição de sistemas inumanos”, apesar disso, ele nunca vai muito além da comunidade em que vive prendendo criminosos comuns.  (Apocalipticos e Integrados, “O Mito do Superman”).  Umberto Eco parece não ter compreendido que os super-heróis são pessimistas resignados com a insuperável imperfeição humana, que pode ser apenas consertada por intervenções pontuais (prender um assaltante, salvar um gato, impedir que um ônibus cheio de crianças seja explodido por um terrorista). São os supervilões que fazem planos, sonhando com revoluções estonteantes e soluções finais aos problemas do mundo (E eu digo com meus botões: Umberto Eco era muito sensível à ideologia capitalista que permeia a indústria cultural, mas não parecia se melindrar com os horrores totalitários reais da União Soviética e da China de Mao Tsé-Tung).

Infelizmente, tanto os supervilões quanto os super-heróis tem opiniões fortemente dogmáticas sobre a natureza das coisas e dos homens. Nenhum deles poderia se dar ao luxo de questionar de maneira cética conceitos como perfeição ou maldade. Nenhum super-herói ou supervilão poderia pensar de maneira filosófica sem perceber o vácuo sobre o qual oscilam  suas frágeis opiniões de pessoas mal amadurecidas (o único que parece ter pensado com alguma seriedade sobre a sua condição foi o Surfista Prateado, mas esse é um caso a ser analisado à parte). Daí nunca ter existido um super-herói ou super-vilão cujo alter-ego fosse um filósofo ou um pensador. Não porque os filósofos sejam pouco inclinados a vestir roupas colantes excêntricas e sair à noite pulando sobre telhados. Tudo isso seria bem mais divertido do que participar de congressos de filosofia.  A questão é que a mera disposição de pensar entra em conflito com a impaciência irrefletida dos super-heróis e dos supervilões. 

Tanto quanto eu sei, nem você nem eu somos super-heróis ou supervilões. Por isso, temos mais tempo para pensar um pouco sobre o conceito de perfeição, que fascina tanto os artistas megalomaníacos que sonham com a obra de arte total (como Richard Wagner, mas também Lex Luthor e o Coringa). 

No ensaio que escreveu sobre o conceito de perfeição na arte, você imaginou um artista dotado de talento sobre-humano, um gênio absoluto ao qual você, significativamente, deu o nome de Leonardo. Há um trecho que coloca de maneira muito aguda o aspecto utópico do conceito de “perfeição” quando é assumido por um artista:

O perfeito é um conceito teórico/filosófico, tudo tende para o perfeito, mas nada pode alcançá-lo. Se dizemos que a humanidade fez progresso em qualquer área (social, artística ou científica), é porque assumimos que deve existir um modelo perfeito para a humanidade. No caso de Leonardo, precisamos imaginar não uma obra de arte perfeita de acordo com um período histórico ou uma cultura, mas uma obra perfeita hipotética a qual toda a produção artística tem buscado durante toda a história (...) Uma obra que possa abranger a perfeição em todos os aspectos possíveis, existentes e inexistentes, precisa ser uma obra infinita. E para que Leonardo possa confeccionar tal obra, ele precisa ser Deus.” (Ivan Ciuffi Veronezi, “O Artista que se tornou Deus”).

Esse Leonardo hipotético é um forte candidato a tornar-se um supervilão de escala cósmica, capaz de rivalizar com Galactus, o devorador de mundos. Diante do fantasma de uma perfeição meramente ideal e inatingível (como você mostrou no seu ensaio), seria o caso de tomar aquele velho remédio chamado Spinoza, que sempre ajuda a curar as tolices geradas pelos vícios do antropocentrismo:  

Portanto, a perfeição e a imperfeição são, na realidade, apenas modos do pensar, isto é, noções que temos o hábito de inventar, por compararmos entre si indivíduos da mesma espécie ou do mesmo gênero (...) Assim, à medida que reduzimos todos os indivíduos da natureza a esse gênero, comparando-os entre si, e verificamos que uns tem mais entidade ou realidade que outros, dizemos que, sob esse aspecto, uns são mais perfeitos que outros. E à medida que lhes atribuímos algo que envolve negação, tal como limite, fim, impotência etc.. dizemos que, sob esse aspecto, são imperfeitos, porque não afetam nossa mente da mesma maneira que aqueles que dizemos ser perfeitos, e não porque lhes falte algo que lhes seja próprio ou porque a natureza tenha errado. Com efeito, não pertence à natureza de alguma coisa senão aquilo que se segue da necessidade de sua causa eficiente. E tudo o que se segue da necessidade da causa eficiente acontece necessariamente”. (Spinoza, Ética, Parte 4, Prefácio, tradução Tomas Tadeu)

Para Spinoza, cada ser e cada obra são completos por si mesmos e, nessa medida, são perfeitos e reais. Uma coisa somente pode ser imperfeita quando nossa mente cria gêneros para agrupar as coisas, organiza-as numa suposta hierarquia de qualidades e considera imperfeita uma coisa que não tem qualidades que jamais lhe fizeram falta. Quem age assim, considera os cavalos inferiores aos pássaros porque não voam e considera o Capitão América inferior ao Homem de Ferro porque não tem uma armadura high tech. Portanto, se formos razoáveis (isto é, spinozistas consequentes), devemos declarar um empate entre o Capitão América e o Homem de Ferro (e aproveito para retirar o que disse sobre a jerkness do Tony Stark).

Um grande abraço para você, para sua mãe maravilhosa, para sua irmã sem juízo e para o seu pai, que é um dos caras mais legais que conheço.




sábado, 20 de outubro de 2012

Para que serve a filosofia?





Carta a Murilo Medici Navarro da Cruz




Murilo,


Você me escreveu:

"Mas sei que o materialismo dialético não se limita a estes pontos de vista renovados. Há nele uma pretensão sistemática. Há o objetivo de construir um edifício conceitual que explique a sociedade dita capitalista de cima a baixo, ou ao contrário, para nos mantermos no ponto de vista do materialismo que pôs o hegelianismo "de pé". E esta pretensão é que incomoda, porque me parece que deságua naquela discussão transcendental da qual você falou, a da teoria do valor e da dinâmica negativa do capital. Para o ceticismo, que compartilho com você, a imagem do sujeito-capital foi ficando cada vez mais estranha, distante e indesejável.

Se a pretensão do materialismo era que voltássemos nosso olhar para as relações sociais, talvez seja preciso mesmo um olhar mais direto aos acontecimentos do varejo sócio-econômico e cultural que nos cerca. Isso não significa deixar de lado o marxismo e se bandear para a posição de um crítico deste, mas apenas se contentar com as contribuições que a teoria crítica pode nos dar nesse olhar, sem ficar dizendo 'mas não é isso que está escrito n'O Capital...', como se este fosse um livro sagrado e o Marx nosso profeta.

Nesse sentido, para ir fechando este comentário também anti-twitter, ainda acho que vale a pena e faz sentido a consideração da filosofia. Como não fiz graduação nesta disciplina me sinto bem à vontade para me aproximar malandramente dos filósofos e seguir tentando me debater com os limites da linguagem. Até mesmo porque ainda acho que grande parte do que somos é linguagem, por enquanto é desta parte que eu quero tratar. É o que vem me interessando ultimamente. Será que já estou ficando velho? Esse é só o começo...?"



Um dos méritos de nosso falecido seminário é nunca ter acreditado que o objetivo da teoria social fosse diagnosticar as patologias pós-modernas. Ao contrário de Zizek, Bauman ou Lipovestky, nós nunca achamos que os modismos e cacoetes da classe média dos países centrais da OCDE definissem, como modelo, a direção de toda a humanidade restante (quer dizer, de uns poucos bilhões de chineses, hindus, africanos e latino-americanos); tampouco nos parecia verossímil que os cassinos de Las Vegas fornecessem alguma chave interpretativa para demolir o próprio conceito de realidade, como pretendia Baudrillard em seus momentos de humor involuntário. Felizmente, a nossa obtusidade materialista aliada à nossa boa formação uspiana nos protegeu de muita besteira.

Se não me engano, nossa pretensão era grande: nada menos do que uma crítica do capitalismo com base numa visão ampliada das práticas sociais. Daí nosso interesse pela antropologia e as memoráveis conversas que tivemos sobre Pierre Clastres. Mas nossa posição de esquerda e nossa comum herança marxista exigiam mais: a compreensão da dinâmica social deveria levar à emancipação, seja pela crítica das práticas existentes, seja pela proposição de novas relações que superassem as injustiças produzidas pelo processo histórico.

Mais de três anos se passaram desde o último encontro. Como disse na primeira carta que lhe mandei, não acredito mais que seja possível elaborar uma teoria que satisfaça nossas ambições totalizantes e emancipadoras. Você concordou com a linha geral de meu argumento e me respondeu que é necessário um "um olhar mais direto aos acontecimentos do varejo sócio-econômico e cultural que nos cerca" e que ainda acredita que a filosofia mereça consideração, mesmo que através de uma "aproximação malandra". Concedo tranquilamente que é preciso acompanhar o movimento do "varejo"; quanto à "aproximação malandra", tenho alguma coisa a dizer.

A filosofia é atividade e esforço. Que a palavra tenha a forma de substantivo é, para mim, sinal da reificação da atividade filosófica que, desde a antiguidade, sempre teve a tendência de transformar-se em resultados, em conclusões, em sistemas, em conteúdos doutrinais ensináveis. O ceticismo grego – especialmente a sua versão pirrônica – prestou um magnífico serviço à atividade filosófica denunciando o caráter contraditório das teorias filosóficas e de suas conclusões. Os céticos antigos chamavam de "dogma" a forma reificada e mumificada do esforço investigativo que as "escolas" (o platonismo, o aristotelismo, o epicurismo e o estoicismo) convertiam em ensinamentos que podiam ser vendidos na forma de livros ou de aulas de filosofia. Em outras palavras, o ceticismo combatia a transformação de uma atividade viva em produtos mortos que pretendiam se substituir à atividade que os havia gerado. Os resultados do esforço intelectual dos filósofos apareciam consubstanciados em obras que passavam a ser vistas como o próprio pensamento do filósofo. Na sua denúncia do caráter dogmático assumido pelo pensamento, os céticos antigos expuseram pela primeira vez o segredo do fetichismo da mercadoria. Portanto, para ser fiel à minha formação cética e marxista, devo considerar que a atividade filosófica não pode ser traída pelo fetichismo de seus resultados inevitavelmente parciais, contextuais e finitos, nem pode alimentar a esperança de ir mais longe do que isso. Então, a filosofia seria impossível?

Entre os freudianos, costuma-se dizer que há três profissões impossíveis: educar, curar e governar. Nessas atividades, a impossibilidade seria a de chegar a um resultado final definitivo que satisfaça as exigências dos envolvidos. Os freudianos gostam de fazer pose de realistas lúcidos, mas parecem ignorar que há dezenas de outras profissões no campo do impossível, a filosofia é apenas mais uma delas.

Como acontece com o alpinismo, o resultado da filosofia deve ser visto em conexão direta com o movimento que o produziu: escalar uma montanha depende dos atos físicos que, ao mesmo tempo, permitem a subida e nos colocam em risco. O êxito e o fracasso, a ascensão ou a queda estão implicados em cada movimento. A filosofia é a escalada impossível de uma montanha de altura infinita. Todas as etapas e resultados são apenas provisórios e não são independentes dos movimentos feitos, do percurso do pensamento, do processo lógico adotado. Podemos explicar o que um filósofo pensou e como ele chegou lá, mas tudo isso é apenas um quadro do que foi feito, uma linha num mapa, acompanhada de comentários. A filosofia estava na atividade que foi realizada e isso não pode ser ensinado sem que o percurso seja refeito em ato. O que poderia ser mais ridículo do que um curso teórico de alpinismo?

A filosofia, como profissão impossível, tem outra semelhança com o alpinismo: ela não serve para nada. E essa é precisamente a sua grandeza: ela não serve. Não está a serviço, não se coloca como serviçal nem como servo. Não se subordina, não se coloca no plano da utilidade. Esta sempre foi a superioridade aristocrática da filosofia sobre o plebeísmo das religiões. Non serviam: não servirei. O orgulho é uma virtude aristocrática dos filósofos contra a humildade hipócrita, ressentida e venenosa dos devotos, dos beatos, dos carolas e dos crentes em sistemas ideológicos (fascistas, comunistas, neoliberais, tanto faz).

A filosofia, como atividade que não serve ninguém, não serve para nada, coloca-se como o próprio negativo do mundo de relações sociais de onde provém. Diante da multidão de atitudes práticas e do mundo das trocas, a filosofia como investigação pura é um nada, uma excentricidade, um mero olhar curioso um tanto difícil de justificar, um luxo de dandy

Desde o seu início, a filosofia foi uma emancipação da condição alienada do homem no mundo da produção e das trocas, mas essa emancipação só se fez às custas da alienação do filósofo, do seu exílio na solidão ou atrás dos muros das academias, das pequenas irmandades, dos seminários entre amigos, dos clubes de pitagóricos, dos círculos iniciáticos. Alienados do meio social, os filósofos puderam entender a vida social como alienação primeira, como jogo de ilusões, como troca de opiniões sem fundamento, e viam no ser humano concreto apenas a idiossincrasia mesquinha e iludida que deveria ser superada para que se tivesse acesso ao campo da verdade universal e da totalidade do conhecimento. Todavia, muito cedo esse caminho de emancipação foi questionado  pelo ceticismo grego, que evidenciou o caráter conflitante das declarações dos filósofos e enumerou os obstáculos físicos, fisiológicos, cognitivos, sociais, ideológicos que impediam a apreensão da verdade e, com ela, o acesso à totalidade e à universalidade do conhecimento. 


Restou ao filósofo o horror à ilusão e o desprezo pelos que se comprazem com o fragmentário e o avulso, os mesmos que abraçam com facilidade a mistificação e o auto-engano. Por isso, uma das tarefas básicas da filosofia é articular discursivamente a experiência, que sempre se oferece de maneira parcial e situacional. Embora nem todos os filósofos acreditem na possibilidade de elaborar uma "suma" ou um sistema, não devemos nos enganar: todos os filósofos, mesmo os mais aforísticos, são movidos pelo desejo de exaurir as possibilidades de articulação da experiência através de conceitos como estrutura, ordem, lógica, hierarquia ou valor. Um filósofo é sempre alguém profundamente insatisfeito com a aparência suja e poluída da experiência tal como ela se oferece cotidianamente e, cheio de um zelo impaciente e enojado, pega o desentupidor de borracha para desobstruir as privadas cheias da bosta dogmática e dos vômitos opinativos, cujos odores nauseabundos empesteiam o ar do pensamento.

Trata-se de uma tarefa interminável porque a fragmentação e a desordem não são elementos que vem de fora da experiência, não são produtos recentes das relações pós-modernas, hipermodernas ou líquidas (de acordo com o ideólogo, quero dizer, sociólogo famoso de plantão). A fragmentação, a desordem e a alienação são constituídas pelo próprio mundo da produção, das trocas e da comunicação. No nível mais primário, somos um feixe de necessidades e carências que precisam ser satisfeitas por objetos e pessoas que não estão sob nosso controle. Nascemos destituídos de nós mesmos, somente sobrevivemos e crescemos através da mediação dos outros. Nós somos um outro – o feto, o bebê, o filho desejado ou indesejado – antes de podermos dizer "eu". Ninguém nasce como indivíduo autônomo das fantasias liberais, ninguém nasce enunciando cogito, ergo sum. Somos apenas um sistema nervoso incipiente e precariamente protegido em volta de um tubo digestivo que mama e defeca. Inter faeces et urinam nascimur. Chegamos ao mundo alheios a quase tudo e destituídos de quase tudo. Nascemos na alienação e nela permanecemos antes mesmo de sermos sequestrados pelo mundo do capital.

Nossas necessidades de alimento, abrigo ou sexo evidenciam a nossa finitude, a nossa incompletude, nossa alienação. Para satisfazer nossas carências, precisamos agenciar as pessoas como for possível e precisamos produzir ou adquirir os objetos de que temos necessidade. De negociação em negociação, de aquisição em aquisição, de produção em produção reunimos as condições para a nossa vida, mas o custo disso é experimentar o mundo sob a ótica da fragmentação, das limitações e das carências. O mundo nos vem em pequenos bocados.  A atividade de um filósofo é a tentativa de superar esse caráter fragmentado, episódico e áspero do mundo. O que incomoda na filosofia é a sem-cerimônia com a qual ela se coloca além do plano das carências e lamúrias do sujeito concreto e individuado. O caráter aparentemente abstrato da filosofia, mesmo nas filosofias ditas existenciais, é essa recusa de dar ouvidos à choradeira subjetiva que os psicanalistas escutam (e até incentivam) para ganhar o pão de cada dia.

O filósofo não se rende ao existente. Uma das tarefas do pensamento filosófico é formular, analisar e comparar possíveis diagramas de ordenação da experiência. O que move o pensamento é justamente essa tensão entre uma experiência subjetiva necessariamente carente, finita e fragmentada (que é a do próprio filósofo como ser humano concreto) e a exigência de compreensão exaustiva. Existem alpinistas porque existem montanhas, isto é, porque a superfície seca do planeta é desnivelada pelas forças tectônicas e erosivas que engendram e delineiam os continentes. Existem filósofos porque a experiência é fragmentada e contraditória devido às mesmas forças biológicas e sociais que engendram a vida, definem as relações humanas e tornam possível o pensamento.

Por causa disso, os esquemas e conceitos que ordenam, no plano intelectual, a experiência não eliminam o aspecto fragmentário inerente à própria experiência. O que quer que digam os filósofos, os indivíduos continuarão fundamentalmente carentes e sofredores. Nenhuma filosofia pode abolir a realidade biológica, psicológica e social que gera as contradições do mundo e das opiniões. A filosofia não tem o poder de pacificar o mundo e superar as contradições reais, da mesma maneira que o alpinismo não tem o poder de suprimir as montanhas. O filósofo escala as contradições reais para tentar ver além delas. Uma das belezas da filosofia é que as perspectivas possíveis que o filósofo entreviu ou explicitou nessa escalada podem ter valor heurístico para pessoas sem formação acadêmica em filosofia, para artistas, para cientistas ou para reformadores sociais. Essas pessoas tem todo o direito de "pilhar" as perspectivas delineadas pelos filósofos, apanhando conceitos e "ideias". Talvez isso seja uma "aproximação malandra", mas essa aproximação é bem vinda. Nesse caso, a palavra "malandragem" não tem carga pejorativa. É apenas uma maneira simpática de denominar uma atitude de curiosidade não-dogmática que é, em si mesma, uma virtude genuína de quem lê obras filosóficas.

"Malandragem" em filosofia seria produzir no leitor uma sensação de suficiência e de pacificação, seria promover a reconciliação e reduzir as angústias. Por isso mesmo, eu só consigo me relacionar com a filosofia no limite da ruptura. Minha insatisfação com os filósofos é imensa porque sei que nenhum deles pode reduzir as minhas necessidades e carências, aquelas mesmas que me impelem a uma resposta para além do limite da subjetividade lamurienta. É dessa tensão entre a individualidade concreta e a universalidade que não posso escapar, embora tenha renunciado – definitivamente – à consecução de tarefas acadêmicas em filosofia, tarefas que muitas vezes parecem uma malandragem de tipo bem pejorativo.

Há filósofos que buscam o espaço da academia como reserva florestal do pensamento, protegida pela lei contra o mundo das imposições do capital. Não posso censurá-los. Eu, que estou atolado até o pescoço no trabalho e nas relações econômicas, sei o quanto tudo isso custa ao pensamento. O que me incomoda são os que buscam a academia por causa de uma noção equivocada do status universitário e, como bestas apáticas numa jaula, esperam pelo bocado de refeição jogado pelo Estado, situação que os envergonha intimamente e que, por isso, deve ser afastada das cogitações intelectuais sob pena de quebrar aquela ilusão profissional que Bourdieu considerava parte do habitus acadêmico.

Em resumo, não acho que a filosofia possa me levar a alguma verdade, mas tenho que impedir que a ignorância e a besteira cresçam na ausência da verdade. Embora tenha decidido não ser filósofo profissional, não posso abandonar a atividade pensante sob o risco de me tornar um cretino confuso, como alguns que a profissão me apresentou. 

Mencionarei os nomes quando nos encontrarmos de novo. Até lá, aguardarei ansiosamente a cerveja, as novidades, os argumentos e os seus improváveis sinais de velhice.  


Um abraço do amigo




segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Badameco, badana e beldroegas




Carta a Renato Gomes de Carvalho


Renato,


Perdi a conta de quantas vezes conversamos sobre a poesia das músicas do Chico e do Caetano. Então não vou repisar o caminho batido. Quero falar dos novos, como aquele sambista talentoso, sagitariano de Vila Isabel (trata-se de um caso evidente em que a regência de Júpiter é tão importante quanto o feitiço da Vila), que ainda não fez vinte e sete anos e já desponta como uma bela promessa, com os augúrios de um nome que tem tudo a ver com presentes, dons e regalos natalinos.  O moço se chama Noel de Medeiros Rosa. É claro que ele não chega aos pés de gigantes da música como Lady Gaga ou, para ficar no âmbito nacional, Michel Teló – ambos dignos continuadores do minimalismo radical que domina a música de massa. Noel é muito inteligente, mas é exatamente a sua verve que o prejudica. O rapaz não se controla: chama uns parceiros de igual calibre (Vadico, Orestes Barbosa, Cartola) e dispara canções letais, com uma abundância apressada e generosa de quem pressente que a vida será curta e há muito samba a ser feito. 

Há quem conteste que um branquelo de classe média, sem passagem pelo morro nem pela malandragem, ainda por cima estudante de Medicina, possa fazer samba. Wilson Batista é desse alvitre, mas ele está errado. Se o Chico Buarque, criado num nicho de classe média culta, filho de um dos maiores intelectuais brasileiros, pode fazer samba, então Noel também pode. Noel não é menor que Chico Buarque. Contra o establishment emepebista, um cartel formado pela Bossa Nova Corporation, pela Buarque & Cia., pela Tropicália Ltda e pelo Clube da Esquina Holding,  eu ouso afirmar que Noel, embora jovem e bastante desconhecido, é o maior.  

Chico e Caetano, dois sujeitos inteligentíssimos, sempre foram movidos por um impulso de superação, de alcançar e de ir além de seus ídolos poéticos e musicais. Embora Caetano sempre fizesse uma pose vanguardista em contraposição ao aparente passadismo do Chico Buarque, tudo isso era jogo de cena, construção das personae artísticas. Chico e Caetano sempre avançaram inexoravelmente, sempre foram forças que empurram. Os métodos é que divergem. Nas músicas do Chico, o sujeito lírico recolhe e reconstrói, pela memória e pelo afeto nostálgico, os cacos do passado perdido, sabendo que não irá recuperá-lo. 

Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão (As Vitrines)

Em todo caso, amanhã vai ser outro dia.  É nesse passo que Chico caminha para o futuro.

Nas canções de Caetano, o eu-lírico exerce uma soberania seletiva, ele escolhe, elege, afirma o que quer.

As garras da felina
Me marcaram o coração,
Mas as besteiras de menina
Que ela disse, não. (Tigresa)

Chico, filho de historiador, age como arqueólogo que mergulha em cidades submersas para recuperar os fragmentos do que se foi e, pacientemente, liricamente, juntar os pedaços. O que é novo vai surgir daí. Caetano, vindo de uma classe média sem tradições e de cidade pequena, pega o material plástico do presente e da experiência passada, deixa de lado o que não lhe interessa – o lenço e o documento - e promove a parte pulsante do desejo, que ele identifica com a própria vida. Toda estrutura que aprisiona o desejo, que lhe tira a mobilidade e a transitividade “odara”, traz um pouco de morte. Há nisso um pensamento 68 que Caetano nunca traiu: a própria guinada “liberal” de Caetano nos anos FHC tem a ver com o seu desprezo pelo patrulhamento ideológico dos petistas (sempre dispostos a aplaudir o engajamento do Chico) e pela sua vontade de proibir qualquer proibição, em reduzir o horizonte normativo do Estado.

Apesar de suas diferenças, Chico e Caetano são ambos extremamente laboriosos, um labor que deixa uma marca de coisa pensada, intencional, elaborada e até rebuscada na maioria das letras que eles escreveram. Não há inocência na obra dos dois. Não há sequer a aparência de um inocente vir-a-ser, da coisa que brota, um tanto por acaso, ao sabor do momento. Essa aparência de inocência e espontaneidade é o domínio dos sambas de Noel, e lhes dá um frescor de juventude atemporal. 

Não sei qual é o samba de Noel de que mais gosto. Espero jamais ter que escolher entre "Conversa de Botequim", "Filosofia", "Feitio de Oração" ou "Palpite Infeliz".  Para não fazer a balança pender indevidamente, vou falar de um samba “menor” de Noel Rosa (o que, dadas as proporções de nosso personagem, ainda é enorme...):

João Ninguém
Que não é velho nem moço
Come bastante no almoço
Pra se esquecer do jantar
Num vão de escada
Fez a sua moradia
Sem pensar na gritaria
Que vem do primeiro andar

João Ninguém
Não trabalha e é dos tais
Que joga sem ter vintém
E fuma Liberty Ovais
Esse João Ninguém nunca se expôs ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião.

João Ninguém
Não tem ideal na vida
Além de casa e comida
Tem seus amores também
E muita gente
Que ostenta luxo e vaidade
Não goza a felicidade
Que goza João Ninguém

João Ninguém 
Não trabalha um só minuto
E vive sem ter vintém
E anda a fumar charuto
Esse João nunca se expôs ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião.

“João Ninguém” (1935) fala de um homem que vive como um Diógenes moderno. Mora num vão de escada, como poderia morar num barril, indiferente ao barulho da vizinhança que quer, talvez, enxotá-lo. Contenta-se com uma refeição por dia, desde que seja farta o suficiente para poupá-lo da preocupação de comer de novo. Mesmo sem trabalhar, ele consegue manter seus dois únicos vícios, jogar e fumar charutos ou cigarros Liberty ovais, famoso arrebenta-peito dos anos 30. Bastando-se com o abrigo, a comida e os amores (no plural), a pobreza do personagem é claramente superior em felicidade ao luxo ostensivo de muitos. Sem ideal, nem transcendência, nem perigo, nem inimigos nem opiniões, João Ninguém é um modelo de vadiagem feliz, um tipo de malandro “budista”, que conseguiu se colocar fora da roda-viva dos sofrimentos e dos desejos e alcançou uma nobre indiferença filosófica:

Mas a filosofia hoje me auxilia 
A viver indiferente assim  (Filosofia)

Segundo o Dicionário Houaiss, a expressão “joão-ninguém” (que consta do Caldas Aulete desde 1881) indica uma pessoa de condição social inferior ou desqualificada socialmente. Seus sinônimos são muitos e curiosos: badameco, badana, bangalafumenga, beldroegas, berdamerda, bereberé, bicho-careta, borra-botas, brochote, bunda-suja, cara-suja, chirimóia, chochinha, cusco, dunguinha, fabiano, fubica, fulustreco, fumega, futrica, gato-pingado, guaipé, guaipeca, guaipeva, guapeva, homenzinho, jagodes, janeanes, jangué, janistroques, joão-fernandes, lagalhé, leguelhé, lheguelhé, maenga, meijengro, mequetrefe, merda, mucufa, ningres-ningres, pé-de-chinelo, pé-de-poeira, pé-rachado, pé-rapado, pobre-diabo, sanfona, titica, xinxilha, zé-da-véstia, zé-dos-anzóis, zé-dos-anzóis-carapuça, zé-ninguém, zé-prequeté, zé-quitolas, zé-quitólis.

Muita literatura da década de 1930 falava sobre gente como Fabiano, de Vidas Secas, ou Naziazeno, de Os Ratos. Todos eles uns pobres-diabos, vergados pela opressão e pela pobreza. O João Ninguém de Noel é diferente. Ele não é um coitado, nem é uma figura digna de pena. Não que não haja pobres-diabos no cancioneiro de Noel. Basta lembrar de “Pela Décima Vez”, em que o sofrimento amoroso leva o eu-lírico a movimentos irrefletidos e a uma autonegação patética:

O costume é a força que fala mais forte do que a natureza
E nos faz dar provas de fraqueza
Joguei meu cigarro no chão e pisei
Sem mais nenhum aquele mesmo apanhei e fumei
Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:
Ela é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir

Ou o homem rico que perdeu tudo e vive às custas dos seus antigos comensais em “Pra esquecer”:

E hoje em dia, quando por mim você passa,
Bebo mais uma cachaça, com meu último tostão,
Prá esquecer a desgraça, tiro mais uma fumaça,
Do cigarro que filei de um ex-amigo que outrora sustentei.

Isso para não mencionar a galeria de anti-heróis, como “Tarzan, o filho do alfaiate”, que se cansa até com o peso do paletó de casimira.

Quem foi que disse que eu era forte?
Nunca pratiquei esporte, nem conheço futebol...
O meu parceiro sempre foi o travesseiro
E eu passo o ano inteiro sem ver um raio de sol
A minha força bruta reside
Em um clássico cabide, já cansado de sofrer
Minha armadura é de casimira dura
Que me dá musculatura, mas que pesa e faz doer.

O que Noel queria era viver de maneira “folgada”, no sentido de ter o suficiente para não ser acossado pela urgência do trabalho e pela inserção no mundo do dinheiro, que sempre lhe parece hostil. É o que se vê em “Quem dá mais”, no qual o samba é desmantelado e colocado aos pedaços para ser leiloado por valores irrisórios, ou em “Cem mil réis”:

Você me pediu cem mil réis,
Pra comprar um soirée,
E um tamborim,
O organdi anda barato pra cachorro,
E um gato lá no morro,
Não é tão caro assim.
(...)
Sei que você,
Num dia faz um tamborim,
Mas ninguém faz um soirée,
Com meio metro de cetim,
De soirée,
Você num baile se destaca,
Mas não quero mais você,
Porque não sei vestir casaca.

Para conseguir um tamborim, basta recorrer ao dom gratuito da natureza que é a pele de gato do morro; para fazer o soirée, é preciso comprar o cetim e o organdi. É melhor então desistir da amada que faz essas exigências de “luxo”. 

A “vida folgada” de Noel é o sonho do sujeito desmonetarizado, que, por ser "folgado", abusa da solicitude dos outros e aproveita-se de tudo o que é grátis, até o limite da impertinência. É o que faz a graça de “Conversa de Botequim”, em que o freguês muito mandão e pouco disposto a pagar, inferniza o garçom com suas demandas:

Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório
Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente

João Ninguém é o “folgado” bem sucedido, que prescinde totalmente do trabalho e do dinheiro. Embora a letra seja toda permeada de negações (ninguém, nem,  sem, nunca, não),  sua negatividade é, por assim dizer, positiva. Ele não é pobre, ele é livre. Pobre é o escravo do capital, é quem corre atrás do dinheiro sem jamais alcançá-lo. É quem lamenta a falta de posses. Sua única concessão ao mundo do consumo é a referência à marca de cigarros Liberty, mas mesmo esse nome é significativo da condição de independência – embora de maneira irônica, porque inscrita na esfera da mercadoria que jamais pode ser livre, e associada à dependência do vício tabagista.

A própria tessitura poética de “João Ninguém” repete o despojamento do personagem.  As duas únicas rimas finais para “Ninguém” são “vintém” (duas vezes: o que reforça a situação de desmonetarização de João) e “também” (que permite fazer um acréscimo ao reduzido círculo de necessidades de João: casa, comida e amores também). Em compensação, Noel Rosa, disseminou através dos versos os fonemas que compõem a palavra “ninguém”, que às vezes ressoa em rimas internas (tem, além, sem), da mesma maneira que o João ressoa no “vão” e no “não”.

João Ninguém é especial, mas dentro de um tipo, de uma categoria. Ele é “um dos tais que...” Por isso, ele pode ser apresentado com o demonstrativo “esse”, mas o demonstrativo aí não é apenas um dêitico exofórico que aponta um indivíduo dentro de uma classe; parece-me que se trata de um uso do “esse” oposto ao que se registra na linguagem popular quando se diz: “esse vagabundo”, de valor qualificativo disfórico, segundo Maria Helena de Moura Neves, na Gramática de Usos do Português.  Seria talvez o caso de dizer que a expressão “esse João”  tem um valor eufórico, ressaltando a exemplaridade singular do personagem. 

Como o uso do “esse” – ainda de acordo com a Gramática de Usos do Português -  pode indicar também a vinculação entre o falante e o ouvinte numa certa relação de comunicação, o pronome demonstrativo seria a única marca de interlocução da letra. O momento em que uma voz não identificada (que supomos ser a de Noel) indica para os ouvintes a posição exemplar que tem o seu personagem para o enunciador e para o interlocutor.

João Ninguém  realiza o ideal de uma vida feliz e low profile à margem do capital: sem perigos, sem inimigos e também sem opinião (a opinião, como o dinheiro, é apenas um meio de troca e aquisição de “valores”).

Trinta anos depois de Noel, os Beatles também gravaram uma música sobre um João-Ninguém, não mais como exemplar de uma felicidade utópica, mas como distopia do indivíduo que mergulhou na alienação e, por isso, forma a multidão anônima que comanda inconscientemente o mundo alienado.

He's a real nowhere man,
Sitting in his Nowhere Land,
Making all his nowhere plans
for nobody.

Doesn't have a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?

Nowhere Man please listen,
You don't know what you're missing,
Nowhere Man, the world is at your command!

Sei que José Ramos Tinhorão não aceitaria essa comparação entre Noel e os Beatles, por violar a singularidade e a cor local da música brasileira em confronto com as formas espúrias impostas pelas multinacionais da indústria fonográfica. Eu insisto que Noel não precisa ser poupado do confronto com o que de melhor se fazia na década de 1930 no mundo (a parceria de Brecht com Kurt Weil ou o jazz de Billie Holiday e de Lester Young) nem nas décadas seguintes. Prefiro pensar que num momento de extrema lucidez, John Lennon retomou a música de Noel e a refez nas condições do capitalismo avançado da Inglaterra dos anos sessenta. Da cabeça de um jovem genial para outro jovem genial, sem fronteira e sem nacionalismo para atrapalhar. Só a música. 

Renato, espero que você me perdoe a incursão amadorística nesta área que você domina. Sempre admirei a fineza com que você lida com a música, com o texto e com as  relações tão complicadas entre o som e o sentido. E sempre vou admirar a sua defesa pertinaz e pertinente do valor da cultura – do teatro, da música, do cinema, das artes plásticas – na formação do ser humano não-alienado.

Um grande abraço para você e para meus dois ex-pupilos, o Daniel e o Danilo.




domingo, 7 de outubro de 2012

Na companhia dos bons




Carta a Francisco José de Oliveira



Chico,


Já lhe contei muitas vezes a respeito da beatlemania da minha mãe e de como eu fui gestado - e vim ao mundo - junto com o Sgt Pepper’s. Uma das lembranças fortes da minha primeira infância é o alarde provocado pela notícia de que os Beatles iriam se separar. Uma década depois, eu voltava da escola e minha mãe, tristíssima, me deu a notícia de que Lennon fora assassinado. Ela comentou com o meu pai: a nossa geração está começando a morrer. Ela mesma se foi, treze meses depois, assassinada por um câncer. 

Quando Lennon morreu, eu ouvia Pink Floyd, the Police e começava a gostar dos Rolling Stones. Não iria demorar muito para conhecer Joy Division e descobrir que Ian Curtis cometera suicídio naquele mesmo ano de 1980. Não iria demorar muito para entrar na minha fase punk. Não iria demorar muito para ser hipnotizado por How soon is now?, dos Smiths.

Portanto, meu mundo musical afastava-se decididamente dos Beatles, que passaram a ser apenas a música de fundo das saudades da minha infância. Quando Kurt Cobain se matou, eu me dei conta de que minha geração estava começando a morrer. Resolvi reavaliar o quanto tinha sobrado da beatlemania herdada pelo gene materno. Os tempos eram favoráveis a isso. O novo rock inglês de então – Verve, Blur, Radiohead, mas especialmente o Oasis – inspirava-se generosamente nas melodias e nas estruturas harmônicas dos Beatles, enfatizando aquele elemento de solidão e desencanto que aparecia em algumas canções do grupo. Muita coisa tinha mudado na minha vida: eu era professor há alguns anos, estava casado, tinha filhos. Minha experiência começava a sedimentar. Foi quando descobri que a música definitiva, a espinha dorsal da minha afeição inesgotável pelos Beatles, aquela que expressava a estrutura de minhas opções de vida  era A day in the life, que nascera comigo e que, espero, continue vivendo eternamente quando eu não mais existir.

A day in the life fala sobre morte, rotina e evasão. E também sobre fotografia, cinema e leitura - sobretudo sobre leitura. (A canção também fala sobre drogas, mas sou careta e isso não me toca muito.) Depois de alguns acordes de violão e piano em crescendo, entra a voz de Lennon – frágil, aguda, um pouco rouca, de uma moleza sonolenta que arrasta a interjeição “oh boy” de maneira irônica e alonga demasiado as sílabas finais de cada verso, quase formando melismas. É como um mineiro do Norte de Minas, meio abaianado, que fala. Sem que saibamos o porquê, ele nos dá um compte-rendu do dia que se foi. Ele passou os olhos pelo fait divers e leu a respeito de um acidente de carro envolvendo um figurão. Ele também foi ver um filme sobre uma guerra vencida pelo exército inglês. O filme não tinha muito apelo popular, mas ele sentiu o impulso de vê-lo mesmo assim porque já tinha lido o livro que serviu de base para o roteiro.

No meio desse relatório desconexo sobre as atividades desse dia preguiçoso, em que Lennon expressa a vontade de trazer algum tipo de excitação para o seu interlocutor desconhecido (é apenas um you. Seremos nós?), entra a voz firme e mais grave de Paul, caindo da cama de manhã para começar a azáfama de mais um dia. É um descer e subir as escadas, pegar um ônibus na correria e no meio tempo dar um “tapa” num baseado para mergulhar num sonho. Entra novamente a voz aguda de Lennon num longo melisma da vogal “a” acompanhado de um crescendo sinfônico grandioso à maneira de Mussorgski. 

Volta o relatório sobre o fait divers da imprensa daquele dia. Dessa vez é uma notícia esdrúxula sobre quatro mil buracos que apareceram em Lancashire, seguido de um comentário digno do Chapeleiro Maluco em Alice no País das Maravilhas e, mais uma vez, a voz mineira abaianada querendo trazer excitação para a vida do interlocutor não-nomeado. A música termina, mas eu a escuto de novo e de novo, sempre satisfeito e sempre insatisfeito porque o círculo de interpretação não se fecha.

A day in the life é composta de duas letras, uma de Lennon, outra de Paul, que foram costuradas.  Na letra de Lennon, vemos a contemplação irônica do non-sense da vida, contemplação que parece não ser compartilhada pelos outros, nem pelo interlocutor, que o eu-lírico gostaria de estimular. Na letra de Paul, vemos uma rotina terra-a-terra, feita de pressa e de horários apertados, na qual a evasão só é possível através do “baseado”. Nenhuma outra canção dos Beatles expõe tão claramente a polaridade Lennon/McCartney. 

Depois da separação, Lennon se tornou muito panfletário e engajado; ao passo que Paul caiu com frequência no sentimentalismo e no saudosismo. Isso não nos deve fazer esquecer que Lennon fez da preguiça uma arma crítica contra a rapidez insensata da vida e transformou a cama em campo de batalha pela paz e pelo amor. Numa espécie de sabedoria Zen ou de espinosismo prático, ele aprendeu que era preciso olhar a máquina do mundo sub specie aeternitatis, sem espanto, sem pressa, “curtindo” a ironia do movimento insano das engrenagens. Viver nessa contemplação preguiçosa, rindo das notícias tristes dos jornais, é colocar-se em pleno coração da resistência passiva contra a brutalidade do mundo. Aquela atitude que vemos em prática em A day in the life, foi depois explicitada em Watching the wheels, a música que mais gosto da carreira solo de Lennon.

Paul McCartney é o homem do cotidiano, da família, das pequenas felicidades “ob-la-di, ob-la-da”, da evasão e refúgio em Mull of Kintyre. Ele é o homem dos compromissos que fazem parte da vida. Há beleza suficiente no mundo para que possamos suportar o fardo da maldade, da guerra e das injustiças. Há esperança de que será diferente um dia, talvez não cedo o bastante, mas esse dia virá. É o que ele dizia em Tug of War.

De um lado, Lennon – radicalmente moderno - parecia dar uma interpretação "gandhiana" às "doutrinas" situacionistas de Guy Debord, em especial ao conceito de dérive: "In a dérive one or more persons during a certain period drop their usual motives for movement and action, their relations, their work and leisure activities, and let themselves be drawn by the attractions of the terrain and the encounters they find there… "(Ken Knabb,  ed. Situationist International Anthology, 1995). A day in the life é uma deriva através dos "espetáculos" fornecidos pela mídia impressa e pelo cinema (A Sociedade do Espetáculo, de Debord, é do mesmo ano que Sgt. Pepper's).

De outro lado, Paul – digno herdeiro do realismo-romântico de Dickens e de Chaplin - ancorava-se solidamente na tradição obreira de Liverpool, com aquela sabedoria paciente de quem quer se divertir na sexta-feira à noite, no pub ou no dancing, depois de um dia de trabalho duro. A culminância dessa resignação de classe trabalhadora é Let it be.

Hoje eu sou muito mais Paul, por isso mesmo, admiro mais o ponto de vista de Lennon, com o qual procuro aprender tudo o que posso. Especialmente a atitude de distanciamento, cujas marcas são numerosas na letra da minha canção favorita.

A primeira dessas marcas é a temporalidade. A day in the life fala do dia de hoje, mas todos os verbos estão no passado ou no  condicional. A segunda é a mediação. O mundo chega a Lennon por meio do jornal, da fotografia, do cinema, do livro (por que não do rádio e da televisão? o que significa essa ausência?). A terceira é o isolamento. Não há pessoas ao seu redor, a não ser a multidão de basbaques que se juntou para ver um acidente de carro, como mostrava a fotografia no jornal. No cinema, as pessoas evitam o filme sobre o exército inglês que tanto interessou o eu-lírico (ele tinha até lido o livro a respeito do assunto). A quarta é a limitação sensorial. Trata-se de um mundo que chega através dos olhos, que quase só existe na visão. Os verbos pertencem ao campo semântico do ver: to see, to look, to stare, to notice the lights, to read. Lennon não toca o mundo, não degusta, simplesmente olha e vê (quem cai da cama, penteia o cabelo, toma uma xícara, corre e fuma é Paul). Daí que sua relação com o mundo se intelectualiza e ganha a marca da ironia. Ele é capaz de rir do figurão de sucesso que morreu porque não percebeu as luzes do semáforo. 

(Uma observação de passagem: o verso “he blew his mind out in a car” é curioso porque se aproxima da expressão blow his brains out. Poderia ter sido um suicídio ao invés de uma simples desatenção do figurão que não prestou atenção ao semáforo? Por que então ele estourou a mente e não os miolos? Suicídio ou morte por distração semiótica? Que importa? Num caso como no outro, gente famosa morre das maneiras mais banais. 

O sucesso e a fama não garantem nem mesmo que o corpo seja devidamente reconhecido pelos basbaques, que só podiam supor que se tratava de algum lord.  Eis o ato reflexo quase milenar de uma sociedade que identifica o privilégio da riqueza e do sucesso com  o poder político.)

O distanciamento de Lennon também é um autodistanciamento: as reações dele são impulsos espontâneos inexplicáveis e mais fortes do que sua vontade – verdadeiras compulsões que ele expressa com frases do tipo “I just had to laugh” ou “I just had to look” (ele usará essa mesma construção em Watching the Wheels).

Esse distanciamento não é produto de um espírito antissocial patologicamente frustrado com a phoniness das convenções que regem o mundo. Apesar de Catcher in the Rye ter sido o grande livro da geração de jovens a que Lennon pertencia, foi Mark David Chapman que tirou as consequências últimas do desajuste de Holden Caulfield. It’s funny how one insect can damage so much grain, comentou depois Elton John.

O jeito distanciado de Lennon em A day in the life tampouco tem algo a ver com a melancólica solidão de Eleanor Rigby, que guardava seu rosto numa  jarra perto da porta,  ou do Padre Mackenzie, que à noite cerzia as meias puídas e preparava sermões que ninguém escutava. Quem se importava com eles, essa pobre gente solitária? 

Nem excluído, nem anômico, Lennon fala como indivíduo autônomo no sentido de David Riesman: “Os autônomos são aqueles que, no todo, são capazes de se conformar às normas comportamentais da sua sociedade – uma capacidade que falta, em geral, aos anômicos -  mas que são livres de escolher entre se conformarem ou não” (A Multidão Solitária, capítulo 12). 

É essa autonomia paradoxal, porque despossuída de tudo, inclusive do controle de si mesmo, que permite ao eu-lírico da canção, a partir de sua deriva preguiçosa e distanciada, formular o desejo de excitar o interlocutor, que ele chama apenas de “you”. 

Quando foi lançada, a canção teve divulgação restrita porque o verso I'd love to turn you on  tinha conotação sexual, além de referir-se ao consumo de drogas. Não nego que esse aspecto era relevante para Lennon e para todo mundo que viveu a loucura de liberação comportamental  da segunda metade da década de 1960. Mas, para fazer jus à inteligência de Lennon e ao ideário da Internacional Situacionista, que parecia influenciá-lo, seria interessante entender o verso I'd love to turn you on  à luz de um certo sketch do Monty Python, grupo cujo universo ideológico se aproximava seja dos Beatles (Ringo era amigo dos Pythons), seja dos situacionistas, através de Terry Gilliam, que produzia as vinhetas animadas fortemente ligadas ao dadaísmo, ao surrealismo e ao trabalho gráfico da capa e do encarte do Sgt. Pepper's.

O sketch a que me refiro é Confuse-a-Cat  (primeira temporada do Flying Circus, que foi ao ar em novembro de 1969).  Como mostram os Pythons, é preciso salvar a mente do bichano comfortably numb estimulando-o até o limite da confusão, para tirá-lo do torpor pequeno-burguês e suburbano. O remédio é o non-sense e a provocação gratuita. Os Pythons entendiam bem do ofício. Confuse-a-cat é a profissão de fé do humor situacionista.

A meus ouvidos de fã do Flying Circus e de herdeiro involuntário da Internacional Situacionista, o verso I'd love to turn you on  significa que Lennon também queria sacudir o apatia do gato suburbano que nos habita. 

Termino aqui.

Desde que comecei estas minhas cartas, fazia tempo que eu pensava em mandar-lhe alguma coisa sobre nossas conversas musicais. Cheguei a rabiscar umas notas sobre Morrissey, sobre Bowie, sobre Leonard Cohen, sobre o Radiohead, sobre the National (que prolonga minha ligação musical com o Joy Division). Esta semana soube que Love me do fazia cinquenta anos; não demora e é o Sgt Pepper’s que completará comigo meio século. Daí veio a decisão de antecipar a homenagem que seria de qualquer maneira inevitável à música da minha vida. E olhe que nunca faltaram músicas belíssimas – aquelas de que sempre gostei e aquelas que conheci por sua causa: as canções do Drive by Truckers, de Pietra Brown, do Legendary Tigerman, de Sean Riley & the Slowriders, dos cds do Morrissey e do Lloyd Cole que eu ainda não tinha.

Por tudo isso, e principalmente por esses dez anos de amizade (já são dez anos, Chico!), vai aí um abraço afetuoso deste seu amigo.