Carta a Silas Passos Ferreira
Mano,
A posse do ministro Joaquim Barbosa como Presidente do Supremo Tribunal Federal foi uma daquelas ocasiões em que as forças contraditórias que movem a nossa vida social e política afloram em pronunciamentos, caretas e clichês. Havia o desconforto dos petistas: a dureza do ministro foi notória durante o julgamento do Mensalão; havia a comoção da comunidade negra que o via como o mais novo baluarte da "raça"; havia o alegre esforço dos fotógrafos em dar conta do enxame de famosos; havia a cautela politicamente correta de ignorar a pele negra do juiz e, ao mesmo tempo, celebrar o fato de que se tratava do primeiro negro a presidir o STF. Havia a euforia daquele setor da imprensa sobre o qual paira a suspeita de golpismo (os jornais O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de S.Paulo e a revista Veja) que exaltava os serviços prestados à nação pelo ministro Joaquim Barbosa contra José Dirceu et alii. Pairava no ar um certo tom autocongratulatório que ficou evidente na coluna de Eliana Cantanhêde:
"Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, num dia histórico, Joaquim Barbosa elogiou a ‘trajetória vitoriosa de um povo que soube (...) entrar no seleto clube das nações respeitáveis'.
Pois o país também se orgulha da trajetória de um brasileiro negro, pobre e muito especial que entrou ontem no seleto clube de presidentes da mais alta corte.
Pois o país também se orgulha da trajetória de um brasileiro negro, pobre e muito especial que entrou ontem no seleto clube de presidentes da mais alta corte.
Vale aí um reconhecimento a Lula: foi o primeiro operário presidente da República que nomeou o primeiro negro para o Supremo. O resultado dessa soma é que, apesar de ainda faltar muito, o Brasil se torna cada vez mais uma ‘nação respeitável’." (Folha de S.Paulo, 23 de novembro de 2012)
Nas muitas fotos divulgadas pela imprensa, o rosto austero da presidente Dilma Rousseff, em que alguns enxergavam o esgar de descontentamento com as sentenças de encarceramento aplicadas aos próceres do PT, parecia contrastar com a expressão segura e satisfeita de Joaquim Barbosa promovido a Robespierre, duro e incorruptível. Era possível, porém, ver outra coisa nas fotografias: ali estava a primeira presidente mulher ao lado do primeiro presidente negro do Supremo Tribunal Federal e ambos eram nomes indicados pelo primeiro operário a se tornar Presidente da República. Só faltou alguém puxar o bordão lulista "Nunca antes na história deste país..." E por tudo isso, parabéns ao povo brasileiro e felicitações a nós mesmos pela nação respeitável que seremos em breve!
O que dizer desta cediça retórica ufanista? Confesso que, no meio da ufanorreia, tive vontade de gritar TOCA RAUL! De preferência "Ouro de Tolos".
Por tudo isso, não quero resistir à tentação de comentar frases feitas como "num dia histórico", "o pais se orgulha", "a trajetória de um brasileiro negro, pobre e muito especial", "seleto clube", "uma nação respeitável" e "o resultado dessa soma".
Por tudo isso, não quero resistir à tentação de comentar frases feitas como "num dia histórico", "o pais se orgulha", "a trajetória de um brasileiro negro, pobre e muito especial", "seleto clube", "uma nação respeitável" e "o resultado dessa soma".
1."num dia histórico"
Peço perdão aos historiadores (especialmente ao meu velho amigo Renato Alencar Dotta), mas a História é uma rameira descarada! Ela está na boca de todo mundo, ela se presta a qualquer manipulação, ela se dá por toda parte e de todos os lados! Tudo pode se tornar "histórico", já que todos se julgam clientes da História, assim como técnicos da seleção brasileira de futebol.
Para que um acontecimento seja declarado "histórico" basta que seja significativo para um grupo e que possa ser o suporte de um valor de evocação. Um dia "histórico" é um dia que queremos recordar, um dia sobre o qual os discursos se concentram e se cruzam. A importância de um "dia histórico" não está na conjuntura que se oferece à análise do historiador treinado. Do ponto de vista historiográfico, os dias "históricos" (como o dia da tomada da Bastilha ou do assassinato de Kennedy) são paupérrimos. No diário de Colombo, não há anotação no dia 12 de outubro. Um "dia histórico" expressa somente um valor simbólico apropriado por uns e repelido por outros. "Dias históricos" são marcos de disputa política, são atestados das posições de força num dado momento. Eles sinalizam conquistas, declarações de guerra, armistícios e revoltas vitoriosas.
Este valor simbólico é eficiente porque está decalcado sobre uma estrutura de narrativas míticas. O "dia histórico" vale porque é um dejà vu de outro "dia histórico" numa cadeia que chega aos mitos fundadores, muitas vezes de origem religiosa ou folclórica, que estão no limiar de nossa consciência. Os antigos teólogos cristãos sempre entenderam isso muito melhor do que os historiadores, razão pela qual explicavam que o Antigo Testamento era a prefiguração do Novo Testamento: os três dias de Jonas no ventre da baleia eram a figura, isto é, o anúncio metafórico dos três dias de Jesus no sepulcro antes de ressuscitar. As sequências de passos que levavam à redenção universal formavam um amplo sistema de correspondências, analogias e equivalências aparentes. É isso que acontece com os "dias históricos".
Que tipo de cerimônia foi a posse de Joaquim Barbosa? A apoteose do herói salvador que restabeleceu a ordem ameaçada pela arrogância insensata dos homens (um pouco como Cincinato, na classificação que Raoul Girardet elaborou em Mitos e Mitologias Politicas). É verdade que, como Cincinato, o nosso herói teve origem humilde (para usar o clássico eufemismo para a pobreza), o que dá mais relevo e grandeza a seu serviço.
Pelo que percebo da imprensa supostamente golpista, os cumprimentos e elogios destinados a Joaquim Barbosa naquele "dia histórico" deveriam ser entendidos assim: Parabéns, herói! Agora descanse com sua coroa de louros e não arrisque a sorte numa nova empreitada. Não vá querer escarafunchar as mazelas do PSDB! Nada de mensalões tucanos, hein! Repouse na paz dos justos, você já fez a sua parte.
2."o país se orgulha"
Numa entrevista, Deleuze comentou que Michel Foucault ensinou que é indecente tomar a palavra em nome do outro e usurpar o seu lugar de enunciação.
Na vida política das democracias parlamentares, essa usurpação é quase inevitável. Cada figura pública ou jornalista que sobe à tribuna da imprensa pensa estar falando em nome de um amplo consenso.
Essa retórica do consenso utiliza substantivos abstratos que expressam coletividades humanas concretas: o povo, a pátria, a nação, o país, a república, a sociedade. No discurso político manipulatório esses substantivos são sempre promovidos ao papel de entidades vivas e pulsantes, autênticos personagens alegóricos que querem isso ou aquilo. Trata-se de usurpar o lugar da enunciação daqueles que não podem se manifestar pelos canais da imprensa, do palanque ou da tribuna. Trata-se de esconder a diversidade e segmentação das demandas reais e promover a imagem de uma comunidade que fala em uníssono, sem cisões. A unidade seria o mais religioso de todos os mitos políticos segundo Raoul Girardet.
É claro que não se trata de negar a existência dos corpos coletivos, como as sociedades, as pátrias e as nações, e de afirmar que só há indivíduos. Deixo essa e outras tarefas cômicas para a notável equipe da revista Veja, que conta com humoristas do porte de Reinaldo Azevedo e José Roberto Guzzo.
O problema é que nenhum indivíduo que estuda e pensa pode aceitar o uso político da prosopopeia em frases feitas como "o país se orgulha" ou "a sociedade brasileira exige", não importa se as frases venham da direita ou da esquerda, dos brancos ou dos negros. É indecente usurpar o lugar da enunciação do outro para declarar uma comunhão nacional, principalmente quando o usurpador fala em nome de apenas 10 a 20% da população do Brasil, como acontece com os plumitivos do Planeta Diário que lemos pela manhã.
3."a trajetória de um brasileiro negro, pobre e muito especial"
É curioso que no discurso jornalístico, basta que alguém adquira um certo renome para deixar de ser uma pessoa e passar a ser um projétil ou um bólido. Não se trata mais de vida, mas de trajetória.
Uma vida se dá em muitos planos, tem segredos, sujeiras e contradições. Uma vida é feita de rotina, fezes, trabalho, pequenos deslizes e manchas nas cuecas ou calcinhas, desventuras variadas, cochilos e hipocrisias. A metáfora da trajetória é reconfortante porque reduz a vida de alguém a uma partícula puntiforme que se desloca numa linha unidimensional orientada por um vetor. Ou seja, uma série de parâmetros de grandeza identificável.
Na vida de Joaquim Barbosa, tudo se resumiria em superar a pobreza, já que não era possível deixar de ser negro, e tornar-se Presidente do Supremo Tribunal Federal depois de alcançar a fama como juiz durão num processo de corrupção de alto coturno, envolvendo figurões próximos ao ex-presidente da República. Para definir uma trajetória, basta haver dois pontos: a pobreza do menino negro de Paracatu e o esplendor midiático que, até data recente, seria dedicado a Lady Gaga.
E por que a história do brasileiro Joaquim Barbosa é "especial"? Porque é uma exceção notável. Porque raramente um brasileiro negro e pobre consegue chegar tão longe:
"As mortes por assassinato entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos. Em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros foi de 72 para cada 100 mil habitantes; enquanto entre os jovens brancos foi de 28,3 por 100 mil habitantes. A evolução do índice em oito anos também foi desfavorável para o jovem negro. Na comparação com os números de 2002, a taxa de homicídio de jovens brancos caiu (era 40,6 por 100 mil habitantes). Já entre os jovens negros o índice subiu (era 69,6 por 100 mil habitantes).
De acordo com o professor Julio Jacobo, responsável pelo estudo, os dados são "alarmantes" e representam uma "pandemia de mortes de jovens negros. (...)
O professor enfatizou que as taxas de assassinato entre a população negra no Brasil são superiores às de muitas regiões que enfrentam conflitos armados. Jacobo também comparou a situação brasileira à de países desenvolvidos, como Alemanha, Holanda, França, Polônia e Inglaterra, onde a taxa de homicídio é 0,5 jovem para cada 100 mil habitantes"
O professor enfatizou que as taxas de assassinato entre a população negra no Brasil são superiores às de muitas regiões que enfrentam conflitos armados. Jacobo também comparou a situação brasileira à de países desenvolvidos, como Alemanha, Holanda, França, Polônia e Inglaterra, onde a taxa de homicídio é 0,5 jovem para cada 100 mil habitantes"
Nesse campo de guerra, a palavra "trajetória" volta ao seu sentido próprio e a realidade cobra seu tributo de sangue. Que um negro pobre brasileiro tenha finalmente se tornado Presidente do STF deveria ser ocasião para reflexões amargas sobre o racismo brasileiro e não para regozijos fáceis.
Por isso mesmo é vergonhosa a maneira como articulistas da imprensa, valendo-se de palavras do próprio Joaquim Barbosa, usaram o caso muitíssimo excepcional do menino negro e pobre que chegou ao estrelato jurídico como justiceiro do Mensalão, para criticar mais uma vez as cotas raciais nas universidades.
Carlos Heitor Cony, por exemplo, veio com essa na crônica espantosa chamada "Um homem é um homem" na Folha de 30 de novembro:
"O ministro é, acima de tudo, um cidadão como outro qualquer, não deve o cargo que ocupa atualmente a uma cota racial, é um brasileiro nascido em Paracatu, que se destacou no ofício que escolheu e para o qual se preparou ao longo da vida, vencendo dificuldades que, de uma forma geral, todos nós enfrentamos, uns mais, outros menos, no desafio clássico do "struggle for life", a luta pela vida.
Se há um povo que não tem necessidade de rotular seus filhos pelas características raciais, esse povo é o brasileiro, formado e formatado pela miscigenação do branco europeu, do negro africano e do índio nativo. Gobineau e Chamberlain abasteceram os nazistas e os demais racistas, condenando a mistura do sangue como o maior inimigo do gênero humano.
Se há um povo que não tem necessidade de rotular seus filhos pelas características raciais, esse povo é o brasileiro, formado e formatado pela miscigenação do branco europeu, do negro africano e do índio nativo. Gobineau e Chamberlain abasteceram os nazistas e os demais racistas, condenando a mistura do sangue como o maior inimigo do gênero humano.
No caso brasileiro, apesar da discriminação que ainda existe, embora atenuada em relação a outros tempos (fomos o último país a abolir a escravidão), há motivos de sobra para não nos admirarmos quando um negro ou afrodescendente (detesto essa classificação pretensamente correta) ocupa na sociedade o lugar que mereceu.
Basta citar que três dos nossos maiores artistas foram negros: Aleijadinho, na escultura, Machado de Assis, na literatura, e padre José Maurício, na música erudita. Isso sem falar na arte dita popular, bastando citar Pixinguinha, sem falar em vultos históricos como José do Patrocínio, Cruz e Souza, André Rebouças, ou nossos atletas e artistas em todos os setores.
(...)
E para recuar ainda mais a constatação da negritude como elemento civilizatório, lembrarei aquele hino atribuído a Salomão: Nigra sum sed formosa, ideo dilexit me Rex et introduxit me in cubiculum suum (Sou negra, mas formosa, por isso o rei me amou e me introduziu em seu cubículo).
Na realidade, o rei não introduziu uma negra em sua alcova. Introduziu uma mulher que lhe deu prazer e descendência."
(...)
E para recuar ainda mais a constatação da negritude como elemento civilizatório, lembrarei aquele hino atribuído a Salomão: Nigra sum sed formosa, ideo dilexit me Rex et introduxit me in cubiculum suum (Sou negra, mas formosa, por isso o rei me amou e me introduziu em seu cubículo).
Na realidade, o rei não introduziu uma negra em sua alcova. Introduziu uma mulher que lhe deu prazer e descendência."
Que Carlos Heitor Cony, dono de uma prosa tão elegante, tenha escrito um texto tão ruim é sinal de que está doente ou de que foi convencido a endossar opiniões com as quais não concorda. Nem vou discutir o título tautológico "Um homem é um homem", marca costumeira de conformismo que pretende se passar por lucidez.
Segundo Cony, Barbosa não é exceção, é apenas um cidadão como qualquer outro que ascendeu pelo mérito, dispensando o benefício do sistema de cotas. Ele simplesmente foi vitorioso na batalha darwiniana pela vida, que todos enfrentam, uns mais, outros menos. Cony "passou batido" pelo fato de que a batalha de uns já está ganha de antemão, enquanto outros não vão ter trajetória porque estão na trajetória de uma bala.
Será que Cony diria que os jovens negros que não param de morrer são apenas incompetentes derrotados no struggle for life ? Como entender o uso da expressão inglesa por parte de Cony?Seria pudor diante da obscenidade de uma vida social regida pelas leis do estado de natureza? Ou seria uma piscadela do escritor para nós, seus admiradores, que esperam que ele esteja apenas brincando de assumir o discurso do patronato? Será que Carlos Heitor Cony entrou numa "Frias"?
Da maneira mais inconsequente, depois de fazer menção ao struggle for life que Joaquim Barbosa teria vencido com garbo e merecimento, a crônica se lembra do espírito de harmonia que há no Brasil, resultado do congraçamento das raças. É a tradicional fantasia branca de que a miscigenação, por envolver sexo, seria um ato de amor em que a mulher oferece ao homem prazer e descendência. No entanto, a assimetria da relação está inscrita no próprio texto bíblico: a jovem negra Sulamita é apenas uma concubina levada ao harém do rei mais poderoso de Israel para lhe dar uns momentos de gozo. (Nigra sum sed formosa: sou negra, mas formosa, diz a mocinha "morena" se desculpando perante o rei branquelo, que está louquinho para dar uma bimbada e voltar a lamentar a vanidade do mundo no Eclesiastes...)
No Brasil, somente é possível sustentar a fantasia da miscigenação feliz por meio de alguma amnésia seletiva, como se nenhuma índia jamais tivesse sido estuprada por algum bandeirante ou grileiro, nenhuma escrava jamais tivesse sido violada por um feitor ou por um sinhozinho assanhado querendo aumentar o plantel de negrinhos. É sabido que gente de origem senhorial, para mostrar espírito progressista, gosta de confessar que tem "um pé na cozinha". Fernando Henrique fez isso.
Cony não nos poupa nem aquele chavão que consiste em elencar o indefectível rol de negros e mulatos elevados a "vultos históricos" (palavra típica dos livros de educação moral e cívica e dos manuais escolares de priscas eras): Aleijadinho, Machado de Assis, André Rebouças, José do Patrocínio, Cruz e Souza, Pixinguinha e nossos atletas... Sobre as dificuldades imensas que eles enfrentaram, nenhuma palavra: nada sobre as circunstâncias abjetas da morte de Cruz e Sousa ou as razões do alcoolismo e das internações de Lima Barreto. Nenhuma explicação sobre os critérios de admissão nesse reduzidíssimo panteão de celebridades negras, sobre os quais se tecem comentários dignos de serem compilados no dicionário de idées reçues de Bouvard e Pécuchet.
No Brasil, somente é possível sustentar a fantasia da miscigenação feliz por meio de alguma amnésia seletiva, como se nenhuma índia jamais tivesse sido estuprada por algum bandeirante ou grileiro, nenhuma escrava jamais tivesse sido violada por um feitor ou por um sinhozinho assanhado querendo aumentar o plantel de negrinhos. É sabido que gente de origem senhorial, para mostrar espírito progressista, gosta de confessar que tem "um pé na cozinha". Fernando Henrique fez isso.
Cony não nos poupa nem aquele chavão que consiste em elencar o indefectível rol de negros e mulatos elevados a "vultos históricos" (palavra típica dos livros de educação moral e cívica e dos manuais escolares de priscas eras): Aleijadinho, Machado de Assis, André Rebouças, José do Patrocínio, Cruz e Souza, Pixinguinha e nossos atletas... Sobre as dificuldades imensas que eles enfrentaram, nenhuma palavra: nada sobre as circunstâncias abjetas da morte de Cruz e Sousa ou as razões do alcoolismo e das internações de Lima Barreto. Nenhuma explicação sobre os critérios de admissão nesse reduzidíssimo panteão de celebridades negras, sobre os quais se tecem comentários dignos de serem compilados no dicionário de idées reçues de Bouvard e Pécuchet.
4."seleto clube"
Seria o caso de aplicar aqui a celebérrima piada de Groucho Marx sobre não querer entrar nos clubes que o aceitassem como sócio? Mas foi visível a satisfação de Joaquim Barbosa ao entrar no "seleto clube". Isso é que é a verdadeira promoção que marca a trajetória de um negro pobre. Agora ele faz parte da elite majoritariamente branca. E, de preferência, nada de cotas para facilitar a ascensão de outros negros. Um clube seleto não pode admitir cotistas, apenas candidatos que foram duramente testados segundo os critérios estabelecidos por legisladores brancos cujas famílias remontam às capitanias hereditárias, coté casa grande e não coté senzala.
A maldade me atiça e me dá ganas de perguntar: Tivesse Joaquim Barbosa assumido o papel desempenhado pelo relator Lewandowski ou por Dias Toffoli - ambos considerados brandos e até coniventes com os réus -, teria a sua posse como Presidente do STF recebido tanta cobertura da imprensa? Será que não ouviríamos comentários bem desagradáveis a respeito da "pele morena" de Barbosa e das coisas que gente "de cor" costuma fazer na entrada ou na saída? Vou perguntar para dois ou três eleitores do PSDB que eu conheço.
5."um país respeitável"
Para uma camada não muito grande da população brasileira, tudo se passa como se o primeiro presidente operário, a primeira mulher presidente e o primeiro negro na presidência do STF fossem atestados de que as questões cruciais já estivessem a caminho de uma solução. Agora somos – ou em breve seremos - um país respeitável, no "seleto clube" das potências de primeiro escalão. Mais dois ou três negros, mulheres ou operários em posições importantes e já poderemos dizer que somos uma democracia plena em que as oportunidades são iguais, sem necessidade de medidas de reforço e de promoção social.
Esse negro no STF, essa mulher ou esse operário no Palácio do Planalto ocupam um papel duplo na argumentação da imprensa: ora eles representam indivíduos que chegaram a suas posições por um processo único e irrepetível, ora eles são vistos como pessoas metonímicas que representam um grupo, uma classe, uma categoria social inteira: o ministro negro representa a conquista realizada por todos os negros; a presidente mulher é a emancipação de todas as mulheres; o presidente operário e migrante nordestino redime a condição social dos trabalhadores que passaram pelas agruras do êxodo rural. Como indivíduos singulares, eles podem ser admirados ou criticados. Joaquim Barbosa seria autoritário e turrão, Dilma seria mal humorada e conduziria a economia de maneira desastrosa, Lula seria um grosseirão ignorante e cachaceiro. Entretanto, como pessoas metonímicas, elas são citadas com condescendência até por seus inimigos políticos como sinais do avanço social no Brasil, que nos coloca em plano de igualdade com os "países respeitáveis" (aqueles que dispõem de poderio militar conjugado com alto índice de desenvolvimento humano).
O problema é que a própria ideia de "país respeitável" é apenas uma imagem criada pelo bovarismo tradicional das nossas elites, que gostam de comparar o calçamento ruim de São Paulo com as calçadas impecáveis de certos países-padrão. Essa elite faz compras na rua Montenapoleone, na Avenue Montaigne e na Via Veneto, mas finge que não vê os africanos que pedem dinheiro para os turistas na frente do Duomo de Milão, os barracos de madeira e lata a 5 km do centro turístico de Paris, a multidão sem-teto que dorme na marquise da estação Termini em Roma. Não chegam a ver os desempregados que vagam nas praças, nem a tensão raivosa na cara dos franceses de origem árabe que moram nos cortiços de Saint-Denis, ou os velhos abúlicos que estão perdendo seus benefícios sociais com os programas de austeridade que pipocam por toda a União Europeia. Nossa elite acha ousado fumar maconha em Amsterdam, mas não se preocupa com o avanço da direita xenófoba nos países do Norte. Pois é essa elite que fala de "países respeitáveis", como a pacífica Noruega, onde um fanático de extrema direita mata dezenas de estudantes em férias.
Ah, os países respeitáveis!
6."o resultado dessa soma"
Nas contas da Eliane Cantanhêde, a soma tem resultado diferente de zero e positivo. Não conferi, mas sei que alguns jovens negros morreram enquanto eu escrevia esta carta e não sei quando é que teremos outro negro no STF. Tudo bem. Sei que não são apenas os negros pobres que passam por dificuldades no struggle for life. Você e eu vivemos num país em que os ruralistas chamam os índios de latifundiários e os Guarani-Kaiowá estão fodidos... Há colunistas da imprensa supostamente golpista que encolhem os ombros e dizem que o modo de vida dos índios está definitivamente comprometido por causa do... consumismo.
"Mesmo hoje, quando restam poucos John Waynes a advogar que índio bom é índio morto, a cultura dessas populações sofre uma ameaça ainda mais séria, que é o desejo de seus representantes de gozar as facilidades da vida moderna. Não dá para censurá-los por essa escolha." (Folha de S.Paulo, Índios e a globalização, 13 de novembro de 2012)
Helio Schwartsman, de quem me lembro nos corredores do Departamento de Filosofia da USP carregando gentilmente a valise de Gérard Lebrun, esqueceu que os John Wayne não são poucos no Mato Grosso do Sul.
Helio Schwartsman, de quem me lembro nos corredores do Departamento de Filosofia da USP carregando gentilmente a valise de Gérard Lebrun, esqueceu que os John Wayne não são poucos no Mato Grosso do Sul.
Chega. Comecei a carta com espírito de ironia, mas fui perdendo a paciência com tudo. Lembrei-me de uma velhíssima charge do Angeli da época do Presidente Figueiredo, que dizia que o Brasil mudou, mas não avisou para onde.
Para você, o tradicional abraço macho-pra-caramba. E não deixe de mandar um grande abraço para a Sara, para a Gabi, para o Neylor, para o Rodrigo e para a Dona Leila.
E tomara que o struggle for life seja manso para todos nós.
Valdir, um grande prazer ter lido esta sua carta, que nesse caso parece ter um caráter menos epistolar. Até me esqueci, ao longo da leitura de que era este o formato. Mas o prazer esteve mais relacionado ao conteúdo, muito agradável e, ao mesmo tempo, violentamente crítico e desmistificador do discurso da grande imprensa e seus soldados.
ResponderExcluirAdorei a opção de destrinchar as frases feitas. Um alento ceticista adorável e necessário. Mutio bom também o caminho da argumentação acerca das cotas raciais, tema tão difícil hoje para nós que vivemos cercados crédulos no self made man.
Abraço.
Murilo,
ResponderExcluirAgradeço as suas palavras e reconheço que você tem razão: a carta se transformou num artigo. O fato é que havia mais gente interessada em saber da minha opinião sobre o assunto, então aproveitei para fazer um texto menos pessoal.
Um dos pontos centrais do meu texto é evitar a discussão conceitual sobre o que é racismo, raça e preconceito racial. Minha questão é: se a probabilidade de um jovem negro morrer de maneira violenta é maior do que a de um jovem branco, então há aí um problema que não pode ser resolvido por debates teóricos. Algum sistema de promoção social ou de ação afirmativa é urgentemente necessário, mesmo com o risco de abrir questões que gostaríamos de ver banidas, como todas aqueles que envolvem as distinções de cunho racial.
O que não podemos fazer é endossar a posição liberal clássica de que os sistemas de cotas devem ser evitados por ferirem a igualdade dos cidadãos perante a lei. Se a desigualdade racial pode ser constatada pelas estatísticas de mortes violentas entre os jovens, seria cinismo ou iniquidade ignorar ações que talvez violem o aspecto formal da igualdade civil, mas garantem e protegem a dignidade substantiva do ser humano.
Peço perdão ao meu amigo Silas pelo fato de que não cheguei a escrever a carta pessoal que ele merece. Mas sei que haverá muitas outras oportunidades.
Um abraço.
Olá Valdir,
ResponderExcluirNão sei se era sua intenção receber respostas de estranhos, ainda mais pra um post tão antigo.
Mas como esse post mexeu com algumas convicções recentemente adquiridas, acabei ficando bem transtornado, pois como admiro demais o que você escreve, sua opinião tem pra mim um peso enorme.
O ponto que me chamou atenção não podia ser outro: as cotas raciais e a metonímia indivíduo-grupo.
A principal justificativa das cotas é a educação estatal de péssima qualidade. As cotas seriam uma correção para um problema estrutural. Na minha opinião é um paliativo desastroso que gera um ciclo vicioso de incompetência em vários segmentos da sociedade. Geralmente um estudante cotista ingressa no curso superior sem os mínimos requisitos básicos para isso. Dependendo do curso e com um mínimo de esperteza é possível se formar um perfeito péssimo profissional. Em outros cursos, esses alunos vão compor uma massa de reprovados que nunca saem do primeiro semestre. Daí, vendo que cotistas em cursos mais difíceis são. na verdade, oprimidos, a hierarquia exige a planificação do ensino para que todos tenham acesso a uma educação porca; o que outrora se restringia ao E. Médio se estende até a pós-graduação. Falo isso com base na minha experiência, de aluno, em dois cursos na UFPE: Nas engenharias as provas são padronizadas, basta observar um modelo antigo, disponível no próprio site da instituição e garantir uma boa nota. Nas licenciaturas a situação é diferente, os estudantes chegam num nível de analfabetismo muito mais profundo do que o meu próprio. É comum ouvir coisas como "A igreja do Egito" ou frases como "Aquimais mim interessou"(A que mais me interessou). Os professores fazem vista grossa e até estimulam todo tipo de opinião que os alunos tenham, é o que eles classificam como educação criativa, em que o aluno é o principal agente da educação e que ele próprio pode ensinar o professor. No caso da licenciatura em química, professores introjectam nas mentes do novatos que as formalidades de uma ciência são desastrosas, pois são, enciclopédicas, mecânicas e mortas; além de instrumento de opressão utilizados pelas elites para exclusão dos oprimidos. Assim a aula se baseia sempre no que o aluno acha e isto é o que importa. O livro é sempre menosprezado pois contém teoria morta, dada a impossibilidade de testar o seu conteúdo no dia-a-dia, então não é possível entendê-las e aprender pois o conhecimento é construído através da ação social. Assim, a deseducação --um misto de marxismo, freirismo e sócio-construtivismo -- e a burrice se instalam. E são louvadas. Os alunos, gradativamente, tornam-se vândalos: Fazem grafite na faxada do Departamente de Educação com apologia às drogas, ao sexo, ao aborto, ao desmatamento e a homossexualidade, além de frases em spray em defesa da revolução, dos black blocs e do comunismo. Ah e contra a polícia.
É claro que eu fugi completamente do foco, mas é porque a situação aqui em Recife está caótica, o crime já virou a conduta moral vigente, o movimento revolucionário está em estado avançado e a universidade é seu grande difusor.
A outra questão é sobre o Joaquim Barbosa ou qualquer outro Negro da história ser um exemplo. Porque esta análise é tão equivocada?
ResponderExcluirSerá que hoje não há uma dependência excessiva em relação às instituições? Será que nenhuma pessoa pobre pode se dirigir a uma biblioteca, pegar um livro, estudá-lo individualmente e ser aprovado num vestibular? É óbvio que isso não impossível.
Fala-se muito da vantagem dos alunos das escolas particulares, mas se esquece, que mesmo diferentes escolas particulares possuem qualidade variáveis, sendo algumas comparáveis à públicas. Ou seja, nem todo mundo tem a mesma educação mesmo entre os filhinhos de papai.
A respeito do maior número de negros mortos: Porque esse dado é tão relevante? Só porque a taxa de morte entre negros é mais alta isso justifica as cotas?
Eu acho que se mudarmos o nome do conjunto é possível alterar as estatísticas. Ao invés de refletir sobre o número de negros, por que não pensar em moradores da periferia? É bem possível que a grande maioria dos brancos mortos componham os mesmo grupo. O fato é que a periferia é dominada por uma valorização cultural abjeta, inclusive justificada pelas universidades e pelo Estado, ou seja, valorização da cultura do crime: funk, rap, hip hop, sexo, drogas, rock'n'roll. O papel das droga é central, pois ela se constitui num hábito cada vez mais comum nas periferias, a dívida também é mais comum, bem como a morte. Agora pegue o camarada na cultura das favela e o leve para aquela escola, com um professor naquele perfil que falei. Qual o teor da aula: O negro excluído, o pobre oprimido, o capitalismo selvagem. O branco responsável. Justifique o crime: o criminoso é uma vítima do sistema, é um epifenômeno da desigualdade social. Adicione um pouco de ódio com a certeza da impunidade, o camarada sai da escola aos 17, tem mais um ano para prática impune do crime. Basta uma justificação filosófica de que o crime é na verdade justiça social: é a receita do revolucionário perfeito: Oprimido, de menor e herói.
Aí eu pergunto, isso tudo é pura viagem? Não existe dominação ideológica das esquerdas nas universidades e na mídia? A maioria da mídia é de direita? Se Joaquim Barbosa não é exemplo para raça negra, por que um terrorista Norueguês pode representar cristãos e a direita? A obsessão dos governos com o aborto, direitos dos homossexuais, fim da família tradicional, preservação ambiental e affair com o islamismo, resumindo, destruição total do legado judaico-cristão, não tem nada ver com a nova frente de batalha adotada pelos comunistas, ou seja, a guerra cultural? Não estamos vivendo uma revolução do tipo cultural Gramscista? Tudo isso é doidice?
Meu deus, não há um um espectro rondando, se não o mundo, pelo menos a América Latina? A claraboia e o holofote é mais atual do que parece. E você sabe disso.
Um abraço.
Se ignorar, a admiração continua.
Espero que não seja militante, caso sim entendo sua posição.
Falo simplesmente como indivíduo.
Como posso escrever como você?
Thiago.
Thiago,
ExcluirAgradeço muito a sua intervenção.
Cada um dos pontos que você mencionou é digno de debate e todos merecem análise cuidadosa. Certamente voltarei a esses assuntos ao longo de 2014, mas, pelo momento, quero apenas dar o meu parecer sobre algumas questões que você levantou.
(a) A má qualidade do ensino
Sou professor e fico muito triste em ouvir relatos, como o que você fez, sobre a situação calamitosa nas universidades, que estendem até a pós-graduação o descalabro do ensino fundamental e médio.
Acredito que você está certíssimo quando critica a demagogia educacional que, sob o nome pseudocientífico de "construtivismo", faz um pacto de mediocridade entre a preguiça ignorante de muitos estudantes e a incompetência preguiçosa de muitos professores.
Sou a favor de dar oportunidade e estímulo aos estudantes (sem importar raça, sexo ou condição social), mas também sou a favor de que o estímulo e a oportunidade sejam acompanhadas de condições acadêmicas exigentes e competitivas. É importante que se recompense o mérito de quem se dedica com afinco e supera as expectativas. Fazer da universidade uma instituição de caridade é comprometer o futuro da pesquisa no Brasil.
(b) Cotas
Acredito que, se existem desigualdade de oportunidade de acesso ao ensino superior, é preciso haver iniciativas corretivas, no plano público e privado.
Por isso, seria melhor pensarmos sobre sistema de cotas com a mesma tranquilidade com que pensamos a respeito dos sistemas de concessão de bolsas de estudo. O cotista, assim como o bolsista, deve fazer jus à oportunidade que lhe foi oferecida. A avaliação deve ser individual, séria e transparente.
Para aqueles que foram selecionados, é imprescindível que haja sistemas paralelos de apoio e orientação, mas também deve haver exigências e metas a serem cumpridas.
A lógica da contrapartida me parece clara: o Estado (ou qualquer instituição mantenedora) não deve simplesmente fazer caridade ou conceder favores. Ele deve dar oportunidade e exigir resultados. Se esses resultados não vierem, o aluno-cotista ou bolsista deve ser desligado da instituição. É o que acontece quando um bolsista na pós-graduação não cumpre suas obrigações de pesquisa.
Um bom sistema de cotas seria aquele que não rebaixasse o nível de ensino da universidade; seria aquele que tornasse o cotista competitivo do ponto de vista acadêmico. Um sistema assim custa caro e requer um nível de organização do qual estamos longe. Mas veja que o problema não está no sistema de cotas em si mesmo, mas na tentativa mal conduzida e populista de democratização de acesso ao ensino superior. Nesse ponto, estamos fazendo um papel feio do ponto de vista internacional.
(continua)
Excluir(c) Indivíduos de exceção e indivíduos exemplares
Dou extremo valor ao mérito individual. Indivíduos notáveis como Machado de Assis jamais precisaram de sistema de cotas, mas tente imaginar se houvesse um sistema de cotas para "afro-descendentes" que concedesse a Machado de Assis uma educação formal até a universidade? A que alturas inimagináveis de genialidade não teria chegado Machado de Assis?
Concordo que homens como Joaquim Barbosa se fizeram sozinhos, mas eles são exceções. Ou, na melhor das hipóteses, casos-limite. Dizer que eles representam um comportamento que poderia ser imitado por outros negros é tão absurdo quanto achar que um extremista homicida como Anders Anders Breivik seja um exemplo do comportamento dos brancos cristãos de direita, ou dizer que os homens-bomba do Hamas representem a conduta dos muçulmanos.
Colocar o foco nos casos extremos e nas exceções é sempre má argumentação. Temos que ser cuidadosos quando pensamos na situação de grupos étnicos, religiosos ou sociais. Temos que olhar para a "barriga" da curva de Gauss, não para suas pontas. Temos que pensar naquela massa de pessoas comus e anônimas e nas dificuldades que elas enfrentam. Por exemplo, os jovens negros tem maior probabilidade de morrer à bala do que os jovens brancos de mesma idade.
Isso é inaceitável de qualquer ponto de vista:
- fere os princípios de justiça e igualdade sociais, defendidos pela esquerda;
- fere o respeito à vida humana, defendido pelos adeptos de todas as grandes religiões;
- fere o princípio cristão da caridade e do amor ao próximo;
- fere a proteção dos direitos individuais do liberalismo clássico;
- fere os princípios de decência e respeito que sempre foram pontos fortes da direita;
- fere os fundamentos do humanismo laico.
Se é assim, é preciso fazer alguma coisa para corrigir a iniquidade dessa situação.
A politica de cotas pode dar esperança para a massa anônima que está na "barriga" da curva de Gauss. Essas pessoas não serão Machados de Assis, mas podem se tornar indivíduos bem-sucedidos, mais do que seriam se não tivesse tido a oportunidade de entrar na universidade. E, tendo em vista essa esperança de ascensão social, é possível que muitos jovens negros pobres consigam ver uma luz no fim do túnel antes de serem atingidos por um projétil.
Essa é apenas uma esperança que eu tenho. Não uma certeza.
Thiago,
Foi um prazer recebê-lo aqui. Espero ter mais ocasiões para conversarmos.
um grande abraço,
Valdir
Caro Valdir Veronezi,
ExcluirObrigado pela resposta tão gentil.
Sobre a questão da elevada probabilidade de negros serem mortos: não vejo como isto pode se relacionar com a desigualdade social ou mesmo como a justificativa para cotas. Só posso fazer duas interpretações:
1ª - Num país igualmente justo, negros e brancos deveriam morrer nas mesmas proporções.
2ª - O acesso à educação de nível superior é um colete à prova de balas.
A primeira interpretação é grotesca por si só.
Eu tenho sempre o pé atrás com esse tipo de estatísticas, pois, "desde que Stalin ordenou que o movimento comunista explorasse todos os possíveis conflitos de raça e lhes desse o sentido de luta de classes, ninguém obedeceu com tanta fidelidade e constância quanto os cientistas sociais brasileiros" [1]
Mas o principal argumento seria de que há uma tendência nesse tipo de estatística : "Mostrar os negros como vítimas, sem perguntar se não são também os autores desses crimes. Todo assassino, branco ou negro, é assim considerado um instrumento da violência de brancos contra negros. [2]
Ilustrando este argumento temos o caso nos EUA, do jovem negro, Trayvon Martin, morto por um latino. Este foi embranquecido pela mídia, artistas e políticos. Até mesmo Obama saiu em defesa da vítima, endossando um protesto de rua volumoso, em que os manifestantes faziam analogia entre esse caso e a atuação da Ku Klux Klan. Enquanto, quando um jovem negro, abordou uma família branca e atirou na cabeça de um bebê de 1 ano, não houve qualquer manifestação.
No outro post eu disse, mude o nome do grupo que as estatísticas se transformam. Um jovem nordestino possui maior probabilidade de morrer à bala do que um de mesma idade do Sul e Sudeste. Assim deveríamos incentivar cotas regionais, como por exemplo, uma divisão do royalties do petróleo proporcional à criminalidade das regiões. Ou mesmo, um maior número de parlamentares nordestinos para defender os interesses da região. Ou mesmo que a USP separasse parte de suas vagas para nordestinos.
Também poderíamos exigir cotas para parlamentares conservadores e direitistas, já que é um eufemismo dizer que estes são minorias; na verdade nem mesmo existem.
A questão pra mim é outra:
Alguém que seja um técnico está mais capacitado a enfrentar o complexo problema de viver do que um que não seja? Uma profissão é apenas uma parte da vida; mas existem também aquelas partes que são ocultas, sutis e misteriosas. Colocar na conta do acesso ao ensino superior a missão de resgatar o jovem negro do cemitério é positivismo demais. Pra mim isso é resultado da fragmentação da família, da educação para o crime da escola pública amparada por ideologias universitárias juntamente com a mídia, que fazem hoje o povo das periferias se gabarem de produzir funk e rap, como se fossem forma de elevadíssima cultura. Isto tudo para não falar no óbvio: A escolha individual. O jovem negro morre mais, o pobre morre mais e o nordestino morre mais: porque se envolvem na criminalidade com maior intensidade. Mas como hoje ninguém mais é responsável por nada e todos são vítimas das circunstâncias. Já que deixaram para o Estado resolver tudo; e se não resolveu, então a culpa é dele próprio.
Estarei sempre lendo o seu blog e participando quando for possível.
Conheci sua página após ler seu texto sobre a condição do jovem na modernidade, achei bastante impressionante.
Estou no aguardo dos temos que virão em 2014.
Desejo um feliz natal, antecipado.
Um abraço.
Thiago.
Thiago,
ExcluirChegamos a um impasse.
Infelizmente não conseguimos concordar minimamente nos pontos em questão, o que torna ocioso prolongar o debate, Você insistiu no que já tinha dito e eu seria obrigado a repetir minhas próprias palavras.
Espero que ocasiões vindouras tragam algum consenso feliz em 2014.
Para você, um feliz natal!
um abraço,
Valdir
Estou assustado, de uma maneira positiva, com a qualidade desta missiva(?). Por instantes, o tempo parou e peguei-me imerso num texto com conspícua qualidade e que expõe maturidade (jamais aquela que expõe pátina anódina!) exemplar. Valendo-me de todas essas qualidades, digo-lhe que sou muito feliz em poder ser, pifiamente, seu pedante discente. Como você mesmo disse em "Como reconhecer um tolo" - que, aliás, rendeu-me honestíssimas risadas, ao mesmo tempo em que me deixou preocupado em saber se eu fazia parte ou não do universo da parolagem enfezada -, "se os estudantes são capazes de escrever besteiras com tanta desenvoltura, é porque têm, diante de si, o modelo de muita gente, inclusive de seus professores. A tolice é algo que se aprende e, em alguns lugares, também se ensina". À busca pela fuga das (eufemísticas) asneiras, fico muito feliz em poder ler por aqui. De um pequeno grande fã, um grande abraço, Valdir.
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