quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A claraboia e o holofote #18





Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista


As lições de 48 (Parte 3)


1. Londres, março de 1850


A Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, de março de 1850, é, logo depois do Manifesto, o documento mais notável do partido comunista de 1848. Enquanto o Manifesto oferece uma síntese histórica que justificaria a necessidade e a oportunidade da revolução proletária, a Mensagem à Liga dos Comunistas constitui um guia prático da luta revolucionária. 

A grande lição que Marx aprendera na sua experiência em Colônia e na análise dos acontecimentos em Paris é que as revoluções são processos que, uma vez desencadeados, não tem data para terminar. Todas as conquistas do proletariado podem ser perdidas no momento seguinte, todos os aliados podem se tornar inimigos. Embora Marx acreditasse ser possível identificar etapas do processo e vislumbrar o seu resultado final, ele reconhecia que o caminho era sinuoso e difícil.  O massacre de junho de 48 em Paris e a repressão militar de outubro e novembro na Alemanha e na Áustria provaram – sem margem de dúvida – que a vitória de uma revolução proletária não seria possível sem o uso da força e sem uma estrutura partidária disseminada em células locais, mas centralizada nas suas diretrizes. 

Marx e Engels não podiam mais contar com o poder avassalador de um levante espontâneo do proletariado, que o partido teria apenas que colocar no rumo de uma sociedade comunista. Em 1850, ainda aguardando uma revolução que não aconteceria (como ficou evidente logo depois), os autores da Mensagem à Liga dos Comunistas insistiam na urgência de uma organização coesa e disciplinada, que pudesse mobilizar os trabalhadores e manter o ardor revolucionário. 

Entre o Manifesto de 1848 e Mensagem de 1850, o partido comunista encontrava os termos do dilema que o perseguiria na sua refundação ao final da 1ª Guerra Mundial: deveria o partido assumir o papel de vanguarda de um proletariado militarizado, ou deveria acompanhar e expressar a espontaneidade revolucionária dos trabalhadores? 

Entre o Manifesto e a Mensagem, há uma outra mudança – talvez mais profunda e duradoura - que interessa não só aos marxistas, mas a toda esquerda, razão pela qual quero seguir um pouco mais de perto as linhas desse documento notável que é a Mensagem à Liga do Comunistas. 


2. O documento

No seu balanço das atividades da Liga no biênio revolucionário de 1848-49, Marx e Engels reconhecem a atuação enérgica dos comunistas e os acertos da análise feita no Manifesto. Todavia, admitem que a organização da Liga se enfraqueceu, enquanto o partido democrático da pequena-burguesia tomou força. Seria preciso que a Liga enviasse um emissário para reorganizar os comunistas alemães às vésperas de uma nova temporada revolucionária, de modo que o proletariado tivesse um partido independente, a fim de não ser explorado e traído pela burguesia. 

Em 1848, a grande burguesia alemã se voltou contra os trabalhadores tão logo alcançou o poder. Para Marx e Engels, essa burguesia, que se aliara à aristocracia feudal, seria derrubada em breve pelos democratas pequeno-burgueses, apoiados pela maioria da classe média urbana, pelos pequenos industriais e mestres artesãos, bem como por uma parte dos camponeses e do proletariado rural. 

Do ponto de vista social e político, o partido democrático da pequena burguesia era composto por três grupos:

(1) os elementos mais progressistas da grande burguesia, que queriam a abolição total do feudalismo e do absolutismo; 

(2) os democratas constitucionalistas, que formaram o parlamento dissidente de Stuttgart. Seu objetivo era um estado federativo; 

(3) a pequena burguesia republicana, cujo sonho era acabar com a pressão que a grande burguesia exercia sobre a pequena burguesia.

Depois da derrota política, esses grupos passaram a se denominar os “vermelhos”, o que indicava não tanto uma preocupação com os interesses dos trabalhadores, mas sim a necessidade de formar com o proletariado uma frente contra a grande burguesia, com o intuito de:

- reduzir os gastos do governo, diminuindo o aparato burocrático e transferindo a maior parte do ônus fiscal aos grandes proprietários;

- eliminar a pressão do grande capital sobre o pequeno capital pelo combate aos juros abusivos e pela criação de instituições públicas de crédito;

- introduzir as relações burguesas de propriedade no campo;

- manter sob controle a acumulação de capital, restringindo o direito de herança e atribuído ao Estado um papel mais amplo como empregador;

- conceder aos trabalhadores um sistema de seguridade e bem-estar social, que tornaria suas vidas mais toleráveis, aplacando o ímpeto revolucionário;

- criar um Estado alemão federativo e democrático.

Caso os democratas pequeno-burgueses sejam vitoriosos, o proletariado não deve se iludir com as concessões sociais e a conversa sobre democracia. A pequena burguesia vai procurar abreviar o período revolucionária, mas os trabalhadores devem manter a luta por uma sociedade comunista. Em razão disso, o proletariado, especialmente a Liga dos Comunistas, deve assumir as seguintes atitudes em relação ao partido democrático:

(a) No período pré-revolucionário, em que a pequena burguesia democrática também é oprimida

A pequena burguesia vai procurar aliança com o proletariado, mas este deve manter sua independência. Não será necessária nenhuma aliança formal porque, assim que começar a luta contra o inimigo comum, os interesses das duas classes vão coincidir. Os pequenos burgueses vão se mostrar indecisos como sempre, mas quando a vitória for certa, vão querer que os trabalhadores se conduzam da maneira mais ordeira possível. Nesse momento é importante que o proletariado não se deixe dominar e que imponha condições que irão minar a dominação pequeno-burguesa. Acima de tudo, o proletariado tem que manter viva a chama revolucionária. Os trabalhadores devem formar comitês executivos e conselhos para supervisionar e questionar o tempo todo o governo pequeno-burguês. Esses comitês e conselhos serão núcleos de um futuro governo revolucionários do proletariado.

(b) Durante o período revolucionário, em que pequena burguesia tentará conquistar o poder

Os operários tem que se armar para se opor ao futuro governo democrático da pequena burguesia. Se não for possível impedir a formação das tradicionais milícias de cidadãos, que serão dirigidas contra os operários, os trabalhadores devem formar suas guardas proletárias, colocadas sob o comando dos conselhos locais de trabalhadores. A destruição da influência da pequena burguesia democrática e a subversão das condições do futuro governo devem ser os objetivos principais do proletariado - e da Liga - durante o levante vindouro.

(c) No período pós-revolucionário, em que a pequena burguesia exercerá o seu domínio.

Assim que o novo governo se estabelecer, a sua luta contra o proletariado vai começar. Para fazer oposição aos democratas pequeno-burgueses, é necessário que os trabalhadores se organizem em associações com uma coordenação central. Quando forem convocadas as eleições, os trabalhadores devem tomar cuidado para:

- não permitir que as autoridades usem casuísmos para excluir das eleições alguma seção dos trabalhadores;

- nomear  candidatos dos trabalhadores em oposição aos democratas burgueses. Os trabalhadores devem manter sua independência, a despeito de toda a conversa dos democratas a respeito da necessidade de união contra os candidatos reacionários. 

No momento em que o partido democrático começar a governar, o primeiro ponto de desentendimento com os trabalhadores será a forma de abolir o feudalismo: a pequena burguesia vai defender a concessão de propriedades rurais para os camponeses; ao passo que os trabalhadores precisam exigir a nacionalização e a coletivização das terras, para evitar que as relações burguesas de propriedade se estendam ao campo.

O segundo ponto é que os democratas vão querer uma república federativa, ou vão tentar minar o governo central, garantindo o máximo de autonomia para os municípios e províncias. Os trabalhadores devem apoiar um estado centralizado e indivisível. 

É verdade que, no começo, os trabalhadores não poderão propor nenhuma medida diretamente comunista, mas as seguintes linhas de ação são possíveis:

- levar os democratas a intervir nas mais variadas áreas sociais, perturbando seu funcionamento normal;

- levar os democratas ao compromisso de concentrar cada vez mais forças produtivas nas mãos do Estado;

- levar as propostas dos democratas até as suas consequências lógicas e transformá-las em ataques diretos à propriedade. Por exemplo: se os democratas propuserem imposto proporcional, os trabalhadores deverão propor imposto progressivo; se os democratas pedirem a regulamentação da dívida pública, os trabalhadores deverão exigir o calote puro e simples. As exigências dos trabalhadores devem ser ajustadas de acordo com as medidas e as concessões dos democratas.

“Embora os trabalhadores alemães não possam tomar o poder e realizar seus interesses de classe sem passar por um contínuo desenvolvimento revolucionário, desta vez eles podem ao menos estar certos de que o primeiro ato da revolução vindoura irá coincidir com a vitória direta de sua própria classe na França e será acelerado por isso. Mas eles mesmos tem o dever de contribuir ao máximo para sua vitória final, informando-se a respeito de seus próprios interesses de classe, assumindo posição política independente o mais rápido possível; não se deixando enganar pelo fraseado hipócrita da pequena-burguesia democrática, de modo a duvidar da necessidade de um partido independente e organizado do proletariado. Seu grito de guerra deve ser: A Revolução Permanente.”


3. O programa estratégico e político do partido comunista de 1848, nas palavras de Marx e Engels

(a) A organização do partido

- a necessidade de ação pública e de comitês secretos

“Um grande número de membros que estavam diretamente envolvido no movimento pensaram que o tempo das sociedades secretas tinha passado e que bastava apenas a ação pública. Os distritos e comunas permitiram que suas conexões com o Comitê enfraquecessem e gradualmente estagnassem. De modo que, enquanto o partido democrático, o partido da pequena burguesia se tornava cada vez mais organizado na Alemanha, o partido dos trabalhadores perdia seu único apoio firme; nos casos mais favoráveis, ele permaneceu organizado apenas em alguns lugares para propósito locais. No quadro do movimento geral, ele ficou sob o total domínio dos democratas pequeno-burgueses. Não é admissível que essa situação continue: a independência dos trabalhadores deve ser restaurada.”

- o partido comunista é o próprio partido dos trabalhadores: forma uma unidade com eles e defende seus interesses. Por isso, deve ser coeso e independente.

“(...) agora que uma nova revolução é iminente, isto é, agora que o partido dos trabalhadores deve ir à luta com o máximo de organização, unidade e independência, para não ser explorado e levado a reboque pela burguesia como em 1848.”

“Mesmo onde não haja perspectiva de vencer as eleições, os trabalhadores devem apresentar seus próprios candidatos para preservar sua independência, para aferir sua própria força e para chamar a atenção do público para sua posição partidária e revolucionária. Eles não devem se deixar confundir pelos lemas vazios dos democratas, que alegarão que os candidatos dos trabalhadores vão dividir o partido democrático e dar chance de vitória às forças reacionárias. Toda essa conversa significa, em última análise, uma tentativa de fraudar o proletariado. Os avanços que o proletariado fizer de maneira independente são infinitamente mais importantes do que as desvantagens resultantes da presença de um punhado de reacionários no corpo representativo. Se as forças democráticas tomarem ações decisivas e de terror contra a reação desde o primeiríssimo momento, a influência reacionária nas eleições já terá sido destruída.”

- direção centralizada

“ (...) é intolerável, em qualquer circunstância, que cada vilarejo, cada cidade e cada província possa colocar obstáculos à atividade revolucionária, que só pode desenvolver-se com total eficiência a partir de um ponto central.”

(b) A estratégia do partido 

- Oposição sistemática à democracia burguesa

“O papel traiçoeiro que a burguesia liberal alemã desempenhou contra o povo em 1848 será assumido na próxima revolução pela pequena burguesia democrática, que agora ocupa a mesma posição da oposição burguesa liberal  antes de 48.”

“A destruição da influência dos democratas burgueses sobre os trabalhadores e a perturbação das condições  do domínio momentaneamente inevitável da democracia burguesa, dificultando-a tanto quanto possível: esse são pontos que o proletariado e, portanto, a Liga devem ter em mente durante e depois do levante que se aproxima.”

No que se refere aos trabalhadores, uma coisa é sempre certa: eles vão permanecer assalariados como antes. Contudo, os democratas pequeno-burgueses querem melhores salários e segurança para os trabalhadores, e esperam conseguir isso aumentando o número de empregados do Estado e adotando medidas de bem-estar; em resumo, eles esperam subornar os trabalhadores com esmolas mais ou menos disfarçadas, de maneira a quebrar o seu impulso revolucionário, tornando a situação mais tolerável.”

- Radicalização

“Eles [os trabalhadores] devem levar as propostas dos democratas à sua conclusão lógica extrema (os democratas, em cada situação, agirão de maneira reformista, não de maneira revolucionária) e transformar essas propostas em ataques diretos à propriedade privada. Se, por exemplo, a pequena burguesia propuser a compra das ferrovias e fábricas, os trabalhadores devem exigir que essas ferrovias sejam simplesmente confiscada pelo Estado sem compensação, como propriedade de reacionários.”

- Preparo para a luta armada e rompimento com o monopólio estatal do uso da força

“Para estarem prontos a se opor, em termos de força e de ameaça, a esse partido [o dos democratas pequenos-burgueses], cuja traição aos trabalhadores vai começar no próprio momento da vitória, os trabalhadores devem estar armados e organizados. Todo o proletariado precisa ser imediatamente armado com mosquetes, rifles, canhões e munições, e deve-se impedir o renascimento das tradicionais milícias de cidadãos, dirigidas contra os trabalhadores. Onde a formação dessas milícias não puder ser impedida, os trabalhadores devem tentar se organizar por conta própria como uma guarda proletária, com líderes eleitos e com sua própria estrutura de apoio eleita; eles devem se colocar não sob o comando da autoridade estatal, mas dos conselhos locais revolucionários formados pelos trabalhadores.”

(c) O programa político do partido comunista

- Centralização do poder estatal e concentração das forças produtivas nas mãos do Estado

“Os democratas irão trabalhar por uma república federativa, mas se não puderem evitar uma república una e indivisível, irão tentar paralisar o governo central concedendo aos municípios e províncias a maior autonomia e independência possíveis. Em oposição a esse plano, os trabalhadores devem se esforçar por uma Alemanha una e indivisível, e dentro dessa república, devem se esforçar principalmente pela centralização do poder nas mãos da autoridade estatal. Eles não devem se deixar confundir pelo discurso vazio dos democratas a respeito da liberdade municipal, do autogoverno etc. Em países como a Alemanha, em que tantos vestígios da Idade Média ainda não foram abolidos, em que tanta obstinação local e provinciana deve ser vencida, é intolerável, em qualquer circunstância, que cada vilarejo, cada cidade e cada província possa colocar obstáculos à atividade revolucionária, que só pode desenvolver-se com total eficiência a partir de um ponto central.”

 “Os trabalhadores podem forçar a maior concentração possível de forças produtivas – meios de transporte, fábricas, ferrovias etc. – nas mãos do Estado”.

- Revolução permanente em escala internacional por meio da subversão e do terror até a transformação completa da sociedade

“Enquanto o democrata pequeno burguês quer terminar a revolução o mais rápido possível (...), é nosso interesse e nossa tarefa manter permanentemente a revolução até que todas as classes proprietárias, grandes ou pequenas, tenham sido retiradas das posições governantes, até que o proletariado tenha conquistado o poder estatal e até que a associação dos proletários tenha avançando tanto – não somente em um único país, mas em todas as nações importantes do mundo – que cesse a competição entre os proletários desses países e que ao menos as forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos dos trabalhadores. Nossa preocupação maior não pode ser simplesmente modificar a propriedade privada, mas aboli-la; não é abafar os antagonismos de classe, mas abolir as classes; não é melhorar a sociedade atual, mas fundar uma nova.”

“Acima de tudo, durante e imediatamente após a luta os trabalhadores, tanto quanto possível, devem se opor às tentativas burguesas de pacificação e forçar os democratas a levar adiante seus lemas de terror. Eles devem trabalhar para assegurar que a excitação revolucionária imediata não seja subitamente suprimida depois da vitória. Pelo contrário, ela deve ser sustentada tão longamente quanto possível. Longe de se opor aos chamados “excessos” – ocasiões de vingança popular contra indivíduos odiados ou contra edificações públicas associadas a uma memória odiosa – o partido dos trabalhadores deve não apenas tolerar essas ações, mas deve até mesmo dar-lhes uma direção.”


4.  Um problema da esquerda

A Mensagem de março de 1850, tão admirada por Lênin e Trotski, tornou-se um texto embaraçoso para os marxistas acadêmicos e para os neo-marxistas de maneira geral. Esse constrangimento é resultado, em parte, da obliteração do horizonte revolucionário a partir dos anos 1970 (obliteração que, aliás, nunca foi completa, a julgar pelos eventos de 2011 no mundo muçulmano); também é consequência da desconfiança – cada vez maior nos meios de esquerda - quanto às soluções baseadas na força. Todavia, parece-me que há uma terceira fonte de constrangimento, cujos sinais podem ser lidos no próprio abismo estilístico que existe entre o Manifesto de 1848 e a Mensagem de 1850. 

No espaço de dois anos, a audácia teórica, o atrevimento jovial e a abertura do Manifesto desaparecem totalmente. No seu lugar, surge o tom ressentido, minucioso, conspiratório e calculista. Nada de voos do condor, nada de arroubos à la Blanqui. Marx já não acredita mais em belas revoluções.

Também muda a escala e a amplitude do ponto de vista. No Manifesto, Marx empunhava o globo e fazia-o girar diante dos nossos olhos, na progressão vertiginosa dos séculos. Na Mensagem, tudo se reduz à dissecação anatômica da pequena burguesia democrática alemã e à análise de sua disposição à perfídia. É bem verdade que essa análise constitui uma primorosa peça de sociologia, mas também é verdade que Marx não faz nenhuma avaliação da força efetiva do proletariado, que ele invoca tantas vezes no texto como algo dado e sobejamente conhecido. (Por que esse silêncio? Tratava-se de auto-engano ou de uma estratégia para não desesperar os camaradas da tão debilitada Liga dos Comunistas?)

Há, porém, algo mais grave: na Mensagem de 1850 aflora um viés político que, seguindo uma fratura histórica dolorosa para a esquerda, esclarece o abismo estilístico que se abriu em relação ao Manifesto.

Não se trata do jacobinismo previsível e residual do documento, que aparece de maneira explícita (embora historicamente incorreta) quando se discute a necessidade de centralização do poder (“Como na França em 1793...”). O verdadeiro problema é que, muitas vezes, Marx e Engels se aproximam da ideia de que as oportunidades ditam os meios a serem usados, inclusive os mais extremos:

“Se as forças da democracia tomarem medidas decisivas e de terror contra a reação desde o começo, a influência reacionária nas eleições já terá sido destruída.”

A Realpolitik – termo que se difundiu nessa época - se apresenta cinicamente como uma arte do possível. Talvez não seja por outra razão que a fórmula “tanto quanto possível” ocorre a cada passo na Mensagem de 1850:

“Acima de tudo, durante e imediatamente após a luta os trabalhadores, tanto quanto possível, devem se opor às tentativas burguesas de pacificação e forçar os democratas a levar adiante seus lemas de terror. Eles devem trabalhar para assegurar que a excitação revolucionária imediata não seja subitamente suprimida depois da vitória. Pelo contrário, ela deve ser sustentada tão longamente quanto possível.”

Antes do biênio 48-49, o partido comunista era apenas o partido do contra, o partido da subversão. Foi a derrota diante de um movimento contrarrevolucionário, que não temia recorrer aos meios extremos (como o assassinato de prisioneiros que já tinham se rendido em junho de 48), foi essa derrota que transformou a Liga dos Comunistas num verdadeiro partido revolucionário. É isso que Marx explica num texto fundamental:

Em resumo: não foram suas conquistas tragicômicas que fizeram avançar a revolução; ao contrário, foi somente fazendo surgir uma contrarrevolução compacta e potente, criando um adversário e combatendo-o, que o partido da subversão pode se tornar, finalmente, um partido verdadeiramente revolucionário.  (As Lutas de Classes na França)

Naquele mês de março de 1850, em que escreviam a Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, Marx e Engels pareciam ter chegado à conclusão de que um partido revolucionário não deve recuar diante de nenhum meio. Em outras palavras, não são os meios que devem distinguir a esquerda revolucionária e a direita reacionária. Lição de Realpolitik que foi retida por alguns tiranos do século XX. 

No entanto, o partido revolucionário assim definido não foi chamado à ação nos vinte anos seguintes. As esperanças que Marx ainda acalentava em março de 1850 logo desapareceram. Ele mergulhou nos estudos de economia política; mais tarde envolveu-se nas infindáveis discussões dentro da Associação Internacional dos Trabalhadores (a Primeira Internacional). 

Marx já era um homem envelhecido quando a revolução eclodiu novamente em Paris no ano de 1871. 





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