segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A claraboia e o holofote #28 (V)






Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista




Lenin 

5.  Que Fazer?



“... A luta de partido dá ao partido força e vitalidade; a maior prova da fraqueza de um partido é o seu amorfismo e o esbatimento de fronteiras nitidamente delimitadas; o partido reforça-se depurando-se...”
Carta de Lassalle a Marx, 24 de junho de 1852


Desde os artigos no jornal Iskra até a tomada do poder em 1917, Lenin travou uma luta contínua contra o oportunismo, o inimigo insidioso e proteico que ele identificava no revisionismo de Bernstein (com seu descaso pelo objetivo final do movimento, aliado à máxima importância dada às conquistas graduais no plano sindical e parlamentar), no marxismo legal de Petr Struve (com seu projeto de justificar a modernização capitalista, acompanhado do ceticismo quanto à possibilidade de uma revolução proletária), no “economismo” (com sua tese de que a luta de classes deveria se desenvolver apenas no plano econômico, e não no político) e, a partir de 1914, no social-chauvinismo (com seu apoio ativo à guerra e ao nacionalismo somente explicável pelo conúbio entre os partidos social-democratas e os Estados nacionais).

Para Lenin, oportunista é toda a esquerda que descrê ou descura das tarefas revolucionárias do proletariado. Os oportunistas acreditam que o objetivo principal é lutar pela satisfação das necessidades imediatas do proletariado (aumentos salariais, melhora das condições de trabalho, seguridade social) através dos meios políticos disponíveis no momento (os sindicatos e os partidos legais).  O problema é que o oportunismo se limita aos meios e aos objetivos que são possíveis num dado momento. Ele se rende ao existente, àquilo que se oferece espontaneamente a cada momento:

“É desejável a luta que é possível e é possível a que se trava neste minuto. É precisamente a tendência do oportunismo ilimitado, que se adapta passivamente à espontaneidade.” (Que fazer, Obras Escolhidas, tomo I, p. 113).

O risco dessa adaptação passiva à espontaneidade é a rendição do proletariado à ideologia burguesa:

“Diz-se frequentemente: a classe operária tende espontaneamente para o socialismo. Isto é, perfeitamente justo no sentido de que a teoria socialista, com mais profundidade e exatidão do que qualquer outra, determina as causas dos males de que padece a classe operária e é precisamente por isso que os operários a assimilam com tanta facilidade, desde que esta teoria não retroceda ela mesma antes a espontaneidade, desde que submeta a si a espontaneidade (...) A classe operária tende espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa, a mais difundida (e constantemente ressuscitada sob as formas mais diversas), é contudo aquela que mais se impõe espontaneamente aos operários.” (idem, p. 109 nota)

O que deveriam fazer os social-democratas russos para evitar a submissão da classe operária à ideologia burguesa? Como afastar as práticas oportunistas?  Qual era a prática política e o tipo de organização que corresponderiam verdadeiramente ao objetivo de uma revolução? Essas são as questões que Lenin respondeu em Que fazer? (1902)


A crítica ao espontaneísmo 

Como já o dissemos, os escritos de Lenin são intervenções políticas e não exposições de uma investigação teórica. Se há um leninismo, ele não consiste num conjunto de teses, mas numa exigência metodológica: a prática política de esquerda nunca pode perder de vista o objetivo final (a tomada de poder pelo proletariado e a construção do comunismo), mas deve estar atenta aos sinais do presente, às possibilidades indicadas pela análise das situações concretas, possibilidades que devem ser exploradas de maneira flexível e adaptativa. A política de Lenin é uma realpolitik porque é uma arte do possível, no sentido pleno de uma prospecção das possibilidades ainda não manifestas, e não no sentido conformista da limitação ao que parece possível num dado momento. Também é uma realpolitik porque sabe reconhecer, a cada momento, quem são os amigos e quem são os inimigos. Em 1902, esse inimigo era o culto oportunista da espontaneidade:

“A nós, socialdemocratas revolucionários, desagrada-nos este culto da espontaneidade, quer dizer, do que existe “no momento presente” (idem, p.95)

Combater o espontaneísmo não era negar a importância dos movimentos espontâneos do proletariado, mas sim mostrar seus limites políticos:

 “Os motins primitivos refletiam já um certo despertar da consciência. Os operários perdiam a fé tradicional na inamovibilidade do regime que os oprimia; começavam ... não direi a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva e rompiam resolutamente com a submissão servil às autoridades. Mas isto contudo era mais uma manifestação de desespero e de vingança do que uma luta. As greves dos anos 90 oferecem-nos muito mais clarões de consciência: formulam-se reivindicações precisas, calcula-se antecipadamente o momento mais favorável, discutem-se os casos e exemplos de outras localidades, etc. Se os motins eram simplesmente a revolta de oprimidos, as greves sistemáticas representavam já embriões – mas nada mais do que embriões – da luta de classes. Em si mesmas, estas greves eram luta trade-unionista, não eram ainda luta socialdemocrata; assinalavam o despertar do antagonismo entre os operários e os patrões, mas os operários não tinham, nem podiam ter, a consciência da oposição irreconciliável entre os seus interesses e todo o regime político e social existente, isto é, não tinham consciência socialdemocrata. Nesse sentido, as greves dos anos 90, apesar do imenso progresso que representavam em relação aos ‘motins’, continuavam a ser um movimento nitidamente espontâneo.
Dissemos que os operários nem sequer podiam ter consciência socialdemocrata. Esta só podia ser introduzida de fora. A história de todos os países testemunha que a classe operária, exclusivamente com suas próprias forças, só é capaz de desenvolver uma consciência trade-unionista, quer dizer a convicção de que é necessário agrupar-se em sindicatos, lutar contra os patrões, exigir do governo estas ou aquelas leis necessárias aos operários etc. Por seu lado, a doutrina do socialismo nasceu de teorias filosóficas, históricas e econômicas elaboradas por representantes instruídos das classes possidentes, por intelectuais. Os próprios fundadores do socialismo científico moderno, Marx e Engels, pertenciam pela sua situação social, à intelectualidade burguesa.”  (p. 100)

A consciência do proletariado como classe (que Lenin chamava de “consciência social-democrata”) somente pode surgir quando o operariado se dá conta da sua oposição irreconciliável com a burguesia, ou seja, quando a luta de classes se torna uma luta declarada e aberta. Mas é impossível que a consciência de classe – com a totalidade que ela implica - advenha da consciência empírica dos proletários em sua luta cotidiana, situada e parcial (a chamada “consciência trade-unionista”). No limite de sua faina cotidiana e das lutas locais por melhores condições, os operários podem enxergar as árvores, mas não podem ver a extensão da floresta. Para isso, é preciso dispor de um conhecimento teórico, que não pode ser produzido pelos proletários na medida em que são proletários (ou seja, no exercício do seu trabalho). O socialismo é esse conhecimento teórico; ele vem de fora do mundo do trabalho e chega como portador da consciência de classe. Abandonado ao seu movimento espontâneo, os proletários podem se amotinar às vezes em certos lugares, mas não podem agir como classe revolucionária autoconsciente. Dito de outro modo, a consciência em si, empírica e imediata, só pode se tornar consciência para si se for negada e subsumida pela teoria, a visão da totalidade com suas mediações. Para os proletários, ter consciência de classe não é outra coisa que ter consciência de seu papel revolucionário.

Nessa crítica ao espontaneísmo, Lenin seguia de perto Kautsky, de quem cita um parágrafo retirado do Neue Zeit, (1901-1902, XX, I, nº 3, p,79):

“Como doutrina, é evidente que o socialismo tem as suas raízes nas relações econômicas atuais, exatamente do mesmo modo que a luta de classes do proletariado e, tal como esta o socialismo deriva da luta contra a pobreza e a miséria das massas, pobreza e miséria geradas pelo capitalismo. Mas o socialismo e a luta de classes surgem um ao lado do outro e não derivam um do outro; surgem de premissas diferentes. A consciência socialista moderna não pode surgir senão na base de profundos conhecimentos científicos. Com efeito, a ciência econômica contemporânea é tanto uma condição da produção socialista como, por exemplo, a técnica moderna, e o proletariado, por mais que o deseje, não pode criar nem uma nem outra, ambas surgem do processo social contemporâneo. Mas o portador da ciência não é o proletariado, mas a intelectualidade burguesa. (...) Desse modo, a consciência socialista é algo introduzido de fora na luta de classes do proletariado e não algo que surge espontaneamente no seu seio.”  (apud Que fazer?, p. 107)

No entanto, Lenin vai mais longe do que Kautsky. Ele não apenas declara que a consciência espontânea dos proletários não poderia ir além de certo “sentimento” da “necessidade de uma resistência coletiva”, mas também afirma que, sem a intervenção ativa da teoria socialista, a espontaneidade dos operários resulta em cooptação pela ideologia burguesa, que é hegemônica (para usar o famoso conceito gramsciano).

Mas, por que razão – pergunta o leitor – o movimento espontâneo, o movimento pela linha da menor resistência, conduz precisamente à supremacia da ideologia burguesa? Pela simples razão de que a ideologia burguesa é muito mais antiga pela sua origem do que a ideologia socialista, de que está mais completamente elaborada e possui meios de difusão incomparavelmente mais numerosos.   (idem, p. 109)

Em tudo isso, Lenin divergia nitidamente da descrição que Marx fizera do surgimento da consciência de classe e do partido operário perto do final da seção I do Manifesto:

Nessa fase, o proletariado constitui massa disseminada por todo o país e dispersa pela concorrência. A coesão maciça dos operários não é ainda o resultado de sua própria união, mas da união da burguesia que, para atingir seus próprios fins políticos, é levada a por em movimento todo o proletariado, o que por enquanto ainda pode fazer. (...)
Mas com o desenvolvimento da indústria, o proletariado não apenas se multiplica; comprime-se em massas cada vez maiores, sua força cresce e ele adquire maior consciência dela. Os interesses, as condições de existência dos proletários se igualam cada vez mais à medida que a máquina extingue toda a diferença de trabalho e quase por toda a parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam , os salários  se tornam  cada vez mais instáveis; o aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a condição de vida do operário cada vez mais precária; os choques individuais entre o operário singular e o burguês singular tornam cada vez mais o caráter de confronto entre duas classes. Os operários começam a formar coalizões contra os burgueses e atuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim de se precaverem de insurreições eventuais. Aqui e ali a luta irrompe em motim.
De tempos em tempos os operários triunfam, mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria e que permitem o contato entre os operários de diferentes localidades. Basta, porém, este contato para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, em uma luta nacional, uma luta de classes. (...)
A organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mas sólida, mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra. (...)
Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo, que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, à classe que traz nas mãos o futuro. Do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza passou para a burguesia, em nossos dias uma parte da burguesia passa para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto.”
(Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, p 47-49)

Na análise de Marx, a consciência de classe do proletariado é resultado da própria luta cotidiana do proletariado contra as condições do trabalho industrial e, ao mesmo tempo, aproveitando das condições de coesão impostas por este trabalho. A organização do proletariado como classe é, ao mesmo tempo, sua organização como partido. O aguçamento da luta de classes provoca a dissidência de certa fração da burguesia, a dos ideólogos que compreenderam o movimento da luta de classes e, por isso, aderem à classe-partido dos proletários, “do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza passou para a burguesia” (e ninguém afirma que a consciência de classe da burguesia tivesse sido trazida de fora pelos ideólogos da nobreza).

Por que Lenin, sempre tão preocupado em ser fiel ao sentido e à letra dos escritos de Marx, não seguiu aqui os passos do Manifesto? Há várias razões históricas importantes que justificam essa diferença de perspectiva:

- O meio século que transcorrera entre 1848 e 1902, com exceção do acontecimento isolado e anômalo da Comuna de Paris, assistira a um refluxo do ativismo revolucionário dos trabalhadores em proveito da luta sindical e parlamentar;

- Struve, na Rússia, e Bernstein, na Alemanha, levantaram fortes argumentos contra o caráter espontaneamente revolucionário do proletariado;

- As condições da industrialização na Rússia, a violência da autocracia e a própria imensidão do território russo, estavam longe de permitir a formação de uma ampla massa de proletários em comunicação por todo o país, capaz de mobilizar-se por si mesma num partido.

Contudo, há ainda uma razão não menos importante, que é de natureza conceptual: talvez Lenin não estivesse preparado para entender a história do proletariado tal como exposta por Marx, ou seja, como o movimento pelo qual a consciência se mediatiza no seu confronto com as condições materiais imediatas em que surgiu, tornando-se autoconsciente no processo mesmo de transformação das condições materiais de sua existência. Essa Fenomenologia do Espírito materialista da relação entre trabalho e consciência só viria a ser amplamente estudada com a publicação dos Manuscritos Econômico-Filosóficos na década de 1930, portanto, ela escapava ao horizonte teórico de Lenin e de todos dos marxistas de sua época.

É possível que essa incapacidade de dar conta da dialética do trabalho, isto é, em apreender o movimento interno das contradições pelo qual a consciência singular e empírica dos trabalhadores pode se elevar a partido político, seja a razão pela qual Lenin fez a estranha afirmação de que a classe operária tendia espontaneamente para o socialismo, mas esse avanço era impedido por uma força exterior, a ideologia burguesa que se impunha espontaneamente aos proletários dada a hegemonia burguesa:


A classe operária tende espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa, a mais difundida (e constantemente ressuscitada sob as formas mais diversas), é contudo aquela que mais se impõe espontaneamente aos operários.” (Que fazer?,  p. 109 nota)

Por isso, em flagrante divergência com Marx, Lenin era obrigado a admitir que a consciência de classe revolucionária do proletariado também deveria ser trazida pelo socialismo dos intelectuais burgueses, isto é, por uma força exterior ao proletariado, mas em proveito dos seus objetivos históricos e de seus interesses mais elevados:

Só a mais grosseira incompreensão do marxismo (ou a sua ‘compreensão’ no sentido do ‘struvismo’) pode levar à opinião de que o aparecimento espontâneo de massas nos exime da obrigação de criar uma organização de revolucionários tão boa como ados partidários de ‘Terra e Liberdade’, ou até incomparavelmente melhor. Esse movimento, pelo contrário, impõe-nos precisamente esta obrigação porque a luta espontânea do proletariado não se transformará na sua verdadeira ‘luta de classes’ enquanto não for dirigida por uma forte organização de revolucionários.”  (idem, p. 174)


Um partido revolucionário para a Rússia


Como estrategista político, Lenin considerava que a questão mais urgente era preparar o partido social-democrata russo para as tarefas revolucionárias vindouras. Para isso, ele preciso combater as vertentes pelas quais se manifestava o espontaneísmo na vida político-partidária: o ecletismo, o praticismo (isto é, o desinteresse pela questões práticas em detrimento das teóricas) e o relaxamento organizacional.

“Quanto mais poderoso for a ascensão espontâneo das massas, quanto mais amplo se tornar o movimento, tanto maior, incomparavelmente maior, será a rapidez com que aumenta a necessidade de uma elevada consciência, quer no trabalho teórico quer no político e no de organização da socialdemocracia.” (Que fazer?, p. 116)

Sem o cuidado com as questões teóricas e a organização prática, perder-se-ia o nexo entre a teoria revolucionária (fornecida pelos intelectuais) e a luta prática (no qual o proletariado estava adestrado). Sem a ligação com a luta prática, os intelectuais revolucionários espontaneamente pendem para o terrorismo; sem a ligação com a teoria revolucionária, a luta prática se limita espontaneamente à luta sindical por melhores condições e aumentos salariais:
“Os ‘economistas’ e os terroristas prestam culto a dois polos opostos da corrente espontânea: os “economistas” à espontaneidade do “movimento nitidamente operário” e os terroristas à espontaneidade da mais ardente indignação dos intelectuais, que não sabem ou não têm a possibilidade de ligar num todo o trabalho revolucionário e o movimento operário.”   (idem, p.133)


1. A necessidade de uma teoria revolucionária

“Sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário. Nunca se insistirá demasiadamente nesta ideia numa altura em que a prédica em voga do oportunismo aparece acompanhada de uma atração pelas formas mais estreitas da atividade prática.”  (pp 96-97)

“Só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o papel de combatente de vanguarda.”  (p.97)


2. Objetivos diferentes requerem organizações diferentes

 “A organização de um partido socialdemocrata deve ser, inevitavelmente, de um gênero diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização de operários deve ser, em primeiro lugar, sindical; em segundo lugar, deve ser a mais ampla possível; em terceiro lugar, deve ser menos clandestina possível. (…) Pelo contrário, a organização dos revolucionários deve englobar, antes de tudo e sobretudo, pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso falo de uma organização de revolucionários, pensando nos revolucionários sociais-democratas). Perante esta característica geral dos membros de uma tal organização, deve desaparecer por completo toda a distinção entre operários e intelectuais, para não falar já da distinção entre as diferentes profissões de uns e outros. Necessariamente, esta organização não deve ser muito extensa, e é preciso que seja a mais clandestina possível”. (p. 158)


3. Uma organização revolucionária num país autocrático


“Pela sua forma, uma tal organização revolucionária firme num país autocrático também pode ser chamada organização de ‘conjurados’ (...) e o caráter conspirativo é imprescindível, no mais elevado grau, a uma organização deste tipo.” ( p. 175)

“O único princípio de organização sério a que se devem subordinar os dirigentes do nosso movimento deve ser: o mais severo secretismo, a mais severa seleção de filiados, e a preparação de revolucionários profissionais. Estando reunidas estas qualidades, estará assegurada uma coisa mais importante do que a ‘democracia’, a saber: a plena e fraternal confiança mútua entre os revolucionários.” (p. 178)

“Nos países que gozam de liberdade política, esta condição [o caráter eletivo dos cargos] subentende-se por si própria. ‘Considera-se membro do partido todo aquele que aceite os princípios do seu programa e ajuda o partido na medida de suas forças’, diz o artigo primeiro dos Estados de organização do Partido Social-Democrata Alemão. (...) Mas tentai encaixar essa moldura na nossa autocracia!” (p.177)


4. Objeções a uma tal organização e resposta às objeções


(a) uma organização fortemente centralizada e rigorosamente secreta pode lançar-se com muita facilidade a ataques impensados (à maneira supostamente blanquista)

Resposta: Ocorre justamente o contrário: “uma forte organização revolucionária é absolutamente necessária precisamente para dar estabilidade ao movimento e preservá-lo da possibilidade de ataques irrefletidos.” (p. 175)

(b) uma organização deste tipo contradiz o princípio democrático.

Resposta: O princípio democrático implica a publicidade completa e o caráter eletivo de todos os cargos (p. 176). A publicidade completa é impossível por se tratar de uma organização secreta. Além disso, para que os candidatos pudessem ser escolhidos por eleição, seria preciso que houvesse um amplo conhecimento do que eles fazem e do que eles são, o que é incompatível com a atuação secreta dos revolucionários. Qualquer aplicação do princípio democrático facilitaria o trabalho da polícia e o desmantelamento do grupo.

5. Entre a organização e as massas deve haver um instrumento de comunicação que funcione de maneira contínua.

“Só uma tal organização assegurará à organização de combate social-democrata a flexibilidade indispensável, isto é, a capacidade de se adaptar imediatamente às mais variadas condições de luta, que mudam rapidamente; saber ‘por uma lado, evitar as batalhas em campo aberto contra um inimigo que tem uma superioridade esmagadora de forças, quando este concentra toda a sua força num ponto, e, por outro lado, aproveitar a lentidão de movimentos desse inimigo para o atacar no local e no momento em que menos se espera ser atacado’. Seria gravíssimo erro estruturar a organização do partido contando apenas com explosões e lutas de ruas ou só com a ‘marcha ascendente da cinzenta luta cotidiana’. Devemos desenvolver sempre o nosso trabalho cotidiano e estar sempre dispostos a tudo, porque muitas vezes é quase impossível prever como alternarão os períodos de explosões com os de calma, e mesmo que fosse possível prever isso não se poderia aproveitar a previsão para reconstruir a organização, porque num país autocrático essas mudanças se produzem com assombrosa rapidez, às vezes como consequência de uma incursão noturna dos janízaros czaristas. E a própria revolução não deve ser imaginada como um ato único (...), mas como uma rápida sucessão de explosões mais ou menos violentas, alternando com períodos de calma mais ou menos profunda. Por isso, o conteúdo fundamental das atividades da organização do nosso partido, o foco destas atividades deve consistir num trabalho que é possível e necessário tanto durante o período de explosão mais violenta como durante o da calma mais completa, a saber: um trabalho de agitação política unificada em toda a Rússia, que lance luz sobre todos os aspectos da vida e se dirija às mais amplas massas. E este trabalho é inconcebível na Rússia atual sem um jornal para toda a Rússia e que apareça com muita frequência. A organização que se formar por si mesma em torno desse jornal, a organização dos seus colaboradores (no sentido lato do termo, isto é, de todos aqueles que trabalhem para ele) estará precisamente disposta a tudo, desde salvar a honra, o prestígio e a continuidade do partido no momento de maior ‘depressão revolucionária’, até preparar, fixar e levar à prática a insurreição armada de todo o povo.” (p. 203-204)


***


Quanto disso estava em Marx?  Certamente, a formação de um grupo de vanguarda era reconhecida explicitamente na seção 2 do Manifesto:

“Na prática, os comunistas constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais; teoricamente têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão mais nítida das condições, do curso e dos fins gerais do movimento proletário” (p. 51)

Quanto ao mais, seria preciso procurar na Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (cf. A claraboia e o holofote #18), certas sugestões como a de um comitê secreto altamente centralizado, disposto a comandar ações radicais, inclusive a insurreição armada dos trabalhadores.

Todavia, enquanto a Mensagem do Comitê Central esboçava um plano de ação para os comunistas numa revolução que parecia próxima e jamais aconteceu, Que fazer? tinha um alcance mais modesto, mas que se mostrou mais efetivo a longo prazo. Ao invés de planejar insurreições e atiçar levantes, Lenin queria organizar um grupo pronto para se lançar à revolução quando o momento chegasse. Tratava-se do núcleo do que se tornaria o partido bolchevique.





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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein



Ernst Bloch



Из искры возгорится пламя







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