domingo, 28 de junho de 2015

A claraboia e o holofote #29 (V)







Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista






Rosa Luxemburg


Greve de massas, partido e sindicatos (1906)




Rosa e a  Revolução Russa de 1905

Foi assim que Lenin resumiu, no Pravda de 22 de janeiro de 1925, os eventos daquele Domingo Sangrento que desencadearam a primeira Revolução Russa:

“Milhares de trabalhadores - não social-democratas, mas súditos leais e tementes a Deus - conduzidos pelo padre Gapon, afluíam de todas as partes da capital até o centro, à praça em frente ao Palácio de Inverno, para levar uma petição ao czar. Os trabalhadores carregavam ícones. Gapon, líder naquele momento, garantia em carta ao czar a segurança pessoal dele e lhe solicitava que aparecesse diante do povo.
Tropas foram convocadas. Ulanos e cossacos, com espadas desembainhadas, atacaram a multidão. Dispararam sobre os trabalhadores desarmados, que se ajoelhavam implorando aos cossacos que lhes permitissem ir até o czar. Naquele dia, mais de mil pessoas foram mortas e duas mil feridas, de acordo com os relatórios da polícia. A indignação dos trabalhadores era indescritível”.

Na Alemanha, as notícias da revolução na Rússia eletrizaram as massas e a ala esquerda do SPD:

"Quando as novas da Revolução Russa chegaram ao país, ele se encontrava em meio à primeira e maior das intensas lutas operárias de 1905: a greve dos mineiros de carvão na bacia do Ruhr. Esta greve era diferente das precedentes tanto na sua escala quanto pelo seu caráter totalmente espontâneo. Embora os líderes dos quatro sindicatos dos mineiros tentassem em vão impedir que o conflito se espalhasse, o ressentimento reprimido dos mineiros contra suas árduas condições de trabalho mão podia mais ser contido. (...) Enquanto a Revolução Russa tomou forma de greves de massas, a maior greve da Alemanha, que começara espontaneamente entre os empregados por razões econômicas, rapidamente adquiriu objetivos políticos. Os teóricos radicais rapidamente ligaram esses dois acontecimentos e anunciaram a greve política de massas como arma da nova era de revolução." 
(Carl E, Schorske, German Social Democracy 1905-1917, p. 37). 

Para desagrado das altas lideranças do SPD, Rosa Luxemburg tomou parte da agitação revolucionária na Polônia e na Rússia. Dessa experiência, a mais importante da sua vida, ela extraiu as conclusões que apresentou no opúsculo Greve de massas, partido e sindicatos, que ela escreveu na Finlândia em setembro de 1906, pouco antes de se dirigir a Mannheim para o congresso do SPD. Tratava-se nada menos do que propor, à luz do êxito das greves de massas espontâneas na Rússia, uma nova definição da relação entre o movimento social-democrata dos países avançados e o dos atrasados; entre o partido e as massas; entre o partido e os sindicatos. 

A premissa básica da abordagem de Rosa Luxemburg à natureza da Revolução Russa de 1905 é a ideia que Parvus formulara com notável ênfase em 1905. Parvus sugerira que o marxismo tinha que pensar em termos de um mundo capitalista unificado maduro para a transição para o socialismo. ‘A revolução na Rússia concretiza os resultados gerais do desenvolvimento capitalista internacional no ambiente específico do absolutismo político. A revolução na Rússia não é a retardatária de uma série que se estende de 1789 a 1848, mas a precursora de uma série nova de revoluções proletárias vindouras na Europa Ocidental’ [in Rosa Luxemburgo, Greve de massas, partido e sindicatos]. Ao invés da concepção de Estados-nações que se desenvolviam de acordo com o seu progresso econômico em direção ao socialismo, com os países avançados dando exemplo aos países atrasados, Parvus formulou uma abordagem completamente diferente. Dentro do contexto de um mundo capitalista intimamente conectado, uma revolução política em uma área nacional específica acelerava consideravelmente o progresso histórico e comprimia as realizações de toda uma época num breve momento histórico. A revolução era o laboratório de alquimista que transformava escória em ouro. Por um grande salto adiante a consciência política da classe trabalhadora de um país atrasado ultrapassava o nível alcançado por décadas de trabalho parlamentar e sindical nos países avançados. A revolução causa um reviravolta súbita na relação tradicional entre mestre e discípulo, entre a classe trabalhadora da Alemanha e a da Rússia.” (H. Schurer, The Revolution of 1905 and the Origins of German Communism, pp. 463-4)

Desde 1899, ao fulminar o revisionismo de Bernstein, Rosa aparecia como uma campeã do Programa de Erfurt, que tentava distinguir e conciliar os objetivos finais a serem obtidos pela revolução proletária e o movimento cotidiano de melhora gradual das condições dos trabalhadores, através de conquistas parlamentares e sindicais. Agora era a própria Rosa que se colocava como uma revisionista de esquerda,  erguendo a bandeira da greve espontânea de massas contra o conformismo dos burocratas líderes sindicais e dos parlamentaristas da ala direita do partido.

“No Congresso Sindical de Colônia (1905) esses burocratas, que se tinham como os únicos especialistas competentes, apesar de não estarem à altura da circunstância histórica, avançaram em fileiras cerradas. (...) Esse setor tinha exercido durante o último ano uma indubitável influência sobre os destinos do movimento operário alemão e haviam conseguido submeter o Comitê Diretivo do Partido. Quando Rosa Luxemburg redigiu seu escrito sobre a greve de massas se sentia impelida a colocar no seu devido lugar a esses inimigos empedernidos de toda política revolucionária e moderna”. 
(Paul Frölich, Rosa Luxemburgo vida y obra, p. 208)

Eis a razão pela qual Karl Rádek declarou que “com Greve de massas, partido e sindicatos começa a separação do movimento comunistas da social-democracia na Alemanha”. (apud J. P. Nettl, Rosa Luxemburgo, p. 254)



Excertos do artigo de Rosa

"A greve de massas na Rússia não foi posta em prática como meio de, repentinamente, feito um golpe teatral, passar à revolução social, desviando das lutas políticas da classe trabalhadora e especialmente do parlamentarismo, mas, em primeiro lugar, como meio para o proletariado criar as condições da luta política diária, especialmente as do parlamentarismo. A luta revolucionária na Rússia, na qual a greve de massas é empregada como a arma mais importante, é realizada pelo povo trabalhador e, em primeiro lugar, pelo proletariado, justamente em prol dos mesmos direitos e condições políticas, cuja necessidade e significado na luta pela emancipação da classe trabalhadora foram demonstrados por Marx e Engels e, em oposição ao anarquismo, defendidos com toda a força na Internacional. Assim, a dialética histórica, o rochedo sobre o qual toda a teoria do socialismo de Marx está assentada, teve como resultado que, hoje, o anarquismo, que estivera inseparavelmente ligado à ideia da greve de massas entrou em oposição à prática da greve de massas; em contrapartida, a greve de massas, combatida como oposta à atividade política do proletariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da luta pelos direitos humanos. Se, portanto, a Revolução Russa torna necessária uma revisão minuciosa da antiga posição do marxismo sobre a greve de massa, é novamente apenas o marxismo que com seus métodos e pontos de vista gerais obtém a vitória sob nova forma". (p. 267) 

"Se a Revolução Russa nos ensina algo, é, sobretudo, que a greve de massas não é ‘feita artificialmente, não é ‘decidida’ e nem ‘propagada’ a partir do nada, mas é um fenômeno histórico que, num determinado momento, resulta como uma necessidade histórica, da situação social". (p. 271)

"A greve de massas tornou-se, agora, o centro do interesse vivo do operariado alemão e internacional, pois é uma forma de luta e, como tal, o sintoma seguro de uma profunda guinada interna nas relações de classe e nas condições da luta de classes. Isso diz muito do saudável instinto revolucionário e da viva inteligência da massa proletária alemã, que ela – não obstante a resistência obstinada de seus líderes sindicais – se volte com tão ardente interesse para o novo problema". (p. 272)

"A greve de massas, como nos é mostrada pela Revolução Russa, é um fenômeno tão mutável, que reflete em si todas as fases da luta política e econômica, todos os estágios e momentos da revolução. (...) Ela é o pulso vivo da revolução e, ao mesmo tempo, seu motor mais poderoso. Em suma: a greve de massas, como nos é mostrada pela Revolução Russa, não é um meio astuto, inventado para reforçar o efeito da luta proletária, mas é o modo de movimentação da massa proletária, a forma de expressão da luta proletária na revolução.

Pode-se avaliar o problema da greve de massas a partir de alguns pontos de vista gerais:

1. É completamente incorreto conceber a greve de massas como um ato, uma ação isolada. A greve de massas é, antes, a denominação, o conceito aglutinador de todo um período de anos, talvez de décadas de lutas de classes. (...) Todas as outras greves de massas e greves gerais grandes e parciais não foram greves de protesto, mas de luta, e como tais originaram-se no mais das vezes de modo espontâneo, a cada vez por motivos locais casuais e específicos, sem planejamento e sem intenção, e cresciam com um poder elementar até tornarem-se grandes movimentos; assim ‘não batiam em retirada ordenadamente’, mas se transformavam ora em luta econômica, ora em luta de rua, ora desmoronavam sozinhas.
Nesse retrato geral, as greves de protesto puramente políticas desempenham um papel completamente subordinado – o de pequenos pontos isolados numa superfície enorme. Do ponto de vista temporal, pode-se apreender aí o seguinte: as greves de protesto, que, diferentemente das greves de luta, apresentam o maior nível de disciplina partidária, de direção consciente e de pensamento político, ou seja, de acordo com o esquema deveriam transparecer como a forma mais madura e elevada da greve de massa, na verdade desempenham o maior papel nos primórdios do movimento.

2. Quando, porém, enfocamos a greve de luta em vez do tipo subordinado da greve de protesto, o que chama a atenção é que é impossível separar os elementos políticos e econômicos uns dos outros. (...)
Cada novo arranque e cada nova vitória da luta econômica se transforma num grande impulso para a luta econômica, expandindo simultaneamente suas possibilidades externas e o ímpeto interno dos trabalhadores para melhorar a sua situação. Após cada onda espumante sobra um sedimento fértil onde imediatamente surgem milhares de brotos da luta econômica. E inversamente. O incessante estado de guerra econômico dos trabalhadores contra o capital mantém acesa a energia combativa em todas as pausas políticas; ele forma, por assim dizer, o reservatório permanentemente fresco da força da classe proletária, do qual a luta política sempre volta a tirar seu poder, e, ao mesmo tempo, a incansável perfuração econômica do proletariado leva a todo momento, ora aqui ora ali, a agudos conflitos isolados a partir do qual explodem repentinamente conflitos políticos em grande escala.

3. Por fim, os acontecimentos na Rússia nos mostram que a greve de massas é inseparável da revolução. (...) A revolução é algo diferente e algo mais do que derramamento de sangue. Diferentemente da concepção policial, que apreende a revolução exclusivamente do ponto de vista das manifestações de rua e dos tumultos, isto é, do ponto de vista da ‘desordem’, o socialismo científico concebe a revolução, sobretudo, como uma transformação interna profunda nas relações sociais de classes.
(...) Só no período revolucionário, em que os fundamentos sociais e os muros da sociedade de classes são sacudidos e se encontram em constante mudança, é que aquela ação política de classe do proletariado é capaz, em poucas horas, de arrancar da imobilidade camadas do operariado até então inatingidas, o que logo se expressa em uma luta econômica tormentosa. (...)
Assim, é a revolução que primeiramente cria as condições sociais nas quais é viabilizada aquela transformação imediata da luta econômica em política e da luta política em econômica, que encontra sua expressão nas greves de massas.

4. Se a greve de massas não significa um ato isolado, mas todo um período da luta de classes, e se esse período é idêntico a um período de revolução, está claro que a greve de massas não pode ser livremente desencadeada, mesmo que a decisão para tanto parta da mais alta instância do mais forte partido social-democrata.
(...) Justamente durante a revolução é bastante difícil para qualquer órgão dirigente do movimento proletário prever e calcular qual motivo e quais momentos poderão levar a explosões e quais não. Também aqui a iniciativa e a direção não consistem em comandar voluntariamente, mas em adaptar-se à situação o mais habilmente possível, mantendo o mais estreito contato com o moral da massa. O elemento da espontaneidade desempenha, como vimos, um grande papel em todas as greves de massas russas, sem exceção, seja como elemento propulsor ou como elemento repressor. (...) A revolução, até mesmo quando o proletariado desempenha o papel de liderança com a social-democracia na direção, não é uma manobra do proletariado em campo aberto, mas é, antes, uma luta em plena quebra, fragmentação e alteração de todos os fundamentos sociais. Em suma, se nas greves de massas na Rússia, o elemento espontâneo desempenha um papel tão importante, não é porque o proletariado “não é instruído”, mas porque a revolução não admite instrutores.
(...) Dar  as palavras de ordem, uma direção à luta, estabelecer a tática da luta política de modo que em cada fase e em cada momento da luta toda soma do poder existente do proletariado, já deflagrado e mobilizado, se realize e se expresse na posição de luta do partido, que a tática da social-democracia, pela sua determinação e pelo seu rigor, nunca esteja abaixo do nível da verdadeira correlação de forças, mas antecipe essa correlação, eis a tarefa mais importante da ‘direção’ no período da greve de massas". (p.298-309)

"Os sindicatos, assim como todas as organizações de luta do proletariado, não podem manter-se duradouramente a não ser justamente na luta, e não no sentido apenas da guerra de gato e rato nas águas paradas do período parlamentar-burguês, mas antes no sentido de períodos turbulentos e revolucionários da luta de massas. O entendimento rígido, mecânico-burocrático, só admite a luta como produto da organização que atinja uma certa força. O desenvolvimento dialético vivo leva, ao contrário, à organização como produto da luta". (p. 318)

"Se a greve de massas ou, antes, se as greves de massas, se a luta de massas deve obter sucesso, ela precisa tornar-se um verdadeiro movimento popular, isto é, trazer as camadas mais amplas do proletariado para a luta. – Já na forma parlamentar o poder da luta de classes proletária nâo reside sobre um pequeno núcleo organizado, mas sobre a periferia circundante, ampla do proletariado revolucionariamente organizado". (p. 319)

"Enquanto na Alemanha, França, Itália, Holanda os mais fervorosos conflitos sindicais não provocam nenhuma ação geral da classe trabalhadora – nem mesmo da parcela organizada -, na Rússia o menor motivo desencadeia toda uma tempestade, Mas isso só quer dizer – por mais paradoxal que possa soar – que atualmente o instinto de classe entre o proletariado russo jovem, desqualificado, fracamente esclarecido e ainda mais fracamente organizado é infinitamente mais forte do que entre o operariado qualificado e esclarecido da Alemanha ou de qualquer outro país da Europa Ocidental. E essa não é uma virtude particular do ‘oriente jovem e inexperiente’ em comparação com o ‘ocidente apodrecido’, mas o simples resultado da ação de massas revolucionária direta. Entre o trabalhador alemão esclarecido a consciência de classe plantada pela social-democracia é teórica, latente; no período de dominação do parlamentarismo burguês, ela geralmente não pode atuar como ação de massas direta (...) Na revolução, onde a massa propriamente dita aparece na praça pública, a consciência de classe se torna prática, ativa. Por isso, um ano de revolução deu ao proletariado russo aquela ‘instrução’ que trinta anos de luta sindical e parlamentar não puderam dar artificialmente ao proletariado alemão". (p. 321)

"Caso se chegue a greves de massas na Alemanha, então quase certamente não serão os mais bem organizados – certamente não serão os tipógrafos -, porém os mais mal ou nada organizados, os mineiros, os trabalhadores têxteis, talvez até mesmo os trabalhadores do campo, que desenvolverão a maior capacidade de ação". (p. 322)

"Pois então deixemos o esquema pedante de uma greve de massas apenas de protesto , artificialmente comandada pelo partido e pelo sindicato e executada pela minoria organizada e voltemo-nos para a imagem viva de um verdadeiro movimento popular que se origina com força elementar do extremo acirramento das oposições e da situação política, que irrompe em tumultuosas lutas de massas, quer econômicas, quer políticas, em greves de massas; então a tarefa da social-democracia não constituirá evidentemente na preparação e na direção técnica da greve de massas, mas sobretudo na liderança política de todo o movimento.
A social-democracia é a vanguarda mais esclarecida, mas consciente do proletariado. Ela não pode e nem deve esperar, de modo fatalista e de braços cruzados, pela chegada da ‘situação revolucionária’, esperar que o movimento popular espontâneo caia do céu. Pelo contrário, ela precisa, como sempre, preceder o desenvolvimento das coisas, procurar acelerá-las. Não o conseguirá lançando de repente a torto e a direito a ‘palavra de ordem’ de greve de massas, mas antes explicando às mais amplas camadas do proletariado a irremediável chegada deste período revolucionário, os fatores sociais internos que a ele conduzem, e suas consequências políticas. Caso se queira ganhar amplas camadas proletárias para uma ação política de massas da social-democracia e, inversamente, caso queira a social-democracia assumir e manter a verdadeira direção do movimento de massas, dominar todo o movimento no sentido político, então ela precisa com toda clareza, consequência e determinação, delimitar para o proletariado alemão a tática e os objetivos para o período das batalhas vitoriosas". (p. 322-3)

"O proletariado industrial urbano é, agora, a alma da revolução na Rússia. Mas para levar a cabo alguma ação política direta como massa, o proletariado precisa, primeiramente, unir-se em massa, e para tanto é preciso, sobretudo, sair das fábricas e oficinas, dos túneis e dos casebres, precisa superar a pulverização e o esfacelamento das oficinas individuais, a que está condenado pelo jugo diário do capital. A greve de massas é, assim, a primeira forma natural, impulsiva de toda grande ação revolucionária do proletariado, e quanto mais a indústria se torna a forma dominante da economia social, tanto mais o proletariado desempenha um papel extraordinário na revolução, e quanto mais desenvolvida a oposição entre capital e trabalho, tanto mais poderosas e decisivas precisam se tornar as greves de massas. A incipiente forma de luta da revoluções burguesas, a batalha de barricadas, o encontro aberto com os poderes armados dos Estado, é, na revolução atual, apenas um evento externo, apenas um momento de todo processo da luta proletária de massas. (...)
Assim, a greve de massas prova ser não um produto especificamente russo, originado do absolutismo, mas uma forma geral da luta de classes proletária, que se origina do estágio atual do desenvolvimento capitalista e das relações de classes. As três revoluções burguesas: a grande Revolução Francesa, a Revolução de Março alemã e, agora, a Russa constituem, desse ponto de vista, uma corrente de desenvolvimento contínuo, na qual se espelham o êxito e o fim do século capitalista. Na grande Revolução Francesa, as contradições internas da sociedade capitalista, ainda não inteiramente desenvolvidas, durante um longo período dão espaço a lutas violentas, em que todos aqueles contrastes que nasceram e amadureceram rapidamente no calor da revolução se exaurem desimpedidos e desobrigados, com um radicalismo audacioso. Meio século depois, a revolução da burguesia alemã que eclodiu a meio caminho do desenvolvimento capitalista é minada pela oposição de interesses e pelo equilíbrio de forças entre capital e trabalho e sufocada por um compromisso burguês-feudal, abreviada em seu andar a um episódio curto e lamentável. Mais meio século, a atual Revolução Russa encontra-se em um ponto histórico do caminho, que já avançou para além da montanha, para além do cume da sociedade capitalista, onde a revolução burguesa não pode mais ser sufocada pelo contraste entre burguesia e proletariado, porém, inversamente, desdobra-se em um  novo e longo período de lutas sociais das mais violentas, nas quais acertar a antiga conta com o absolutismo parece um detalhe diante das muitas novas contas que a própria revolução abre.

(...) Mais importante é que os trabalhadores alemães aprendem a enxergar a Revolução Russa como seu próprio problema, não apenas no sentido da solidariedade internacional de classes com o proletariado russo, mas sobretudo como um capítulo da sua própria história política e social". (p. 325-7)

"A separação entre a luta política e a luta econômica e a autonomização de ambas nada mais é que um produto artificial, ainda que historicamente condicionado, do período parlamentar. De um lado, durante o andar tranquilo, ‘normal’ da sociedade burguesa, a luta econômica é fragmentada, dissolvida em uma multiplicidade de lutas isoladas em cada empresa, em cada setor da produção. Do outro lado, a luta política não é direcionada pela própria massa para uma ação direta, mas, correspondentemente às formas do Estado burguês, para o caminho representativo, pela pressão exercida sobre os representantes do legislativo. Assim que tem início um período de lutas revolucionárias, isto é, assim que a massa aparece na arena, tanto a fragmentação da luta econômica quanto a forma parlamentar indireta da luta política caem por terra; em uma ação revolucionária de massas a luta política e a luta econômica são uma só, e a barreira artificial entre o sindicato e a social-democracia como duas formas separadas, completamente autônomas do movimento operário, é simplesmente varrida. (...) Não há duas diferentes lutas de classes da classe trabalhadora, uma econômica e outra política, mas há apenas uma luta de classes, orientada simultaneamente para a limitação da exploração capitalista no interior da sociedade burguesa e para a abolição da exploração junto com a sociedade burguesa". (p. 333)

"A mera junção dos números de eleitores social-democratas com os números das organizações sindicais na Alemanha é suficiente para tornar claro, para qualquer criança, que os sindicatos alemães não recrutam suas tropas na massa não esclarecida e orientada pela burguesia, como na Inglaterra, mas antes buscam os proletários entre a massa que já foi sacudida pela social-democracia e levada para a ideia de luta de classes. Os líderes sindicais repudiam, indignados – esse é um requisito da ‘teoria da neutralidade’ – a ideia de enxergar os sindicatos como escolas de recrutamento para a social-democracia. De fato, essa suposição que lhes parece tão acintosa, e que, na verdade, é bastante lisonjeita, na Alemanha tornou-se fantasia pelo simples motivo de que a situação está invertida: na Alemanha é a social-democracia que constitui a escola de recrutamento para os sindicatos. (...)
A conclusão mais importante dos fatos trazidos é que, para as lutas de massas vindouras na Alemanha, precisa existir de fato unidade total entre o movimento operário sindical e o social-democrata". (p. 340-1)

"A ocultação dos limites objetivos postos pela ordem social burguesa à luta sindical transforma-se numa hostilidade direta contra toda e qualquer crítica teórica que aponte para esses limites em conexão com os objetivos finais do movimento operário. A bajulação incondicional e o otimismo ilimitado tornam-se obrigação de todo ‘amigo do movimento sindical’. Mas dado que a posição social-democrata consiste justamente em combater o otimismo sindical acrítico, acaba-se por fazer frente contra a própria teoria social-democrata: os sindicalistas procuram às apalpadelas uma ‘nova teoria’, isto é, uma teoria que, em oposição à teoria social-democrata, abrisse perspectivas ilimitadas de ascensão econômica à luta sindical, no terreno da ordem capitalista". (p. 343)

"Assim se constituiu um estado peculiar, em que o mesmo movimento sindical que embaixo, com a social-democracia, na ampla massa proletária, está completamente unificado, em cima, na superestrutura administrativa, separa-se bruscamente da social-democracia, e se coloca como uma segunda potência independente, em contraste com ela. O movimento operário alemão ganha, assim, a forma peculiar de uma pirâmide dupla, cuja base e corpo são constituídos da mesma massa, sendo que as duas pontas, porém, encontram-se uma longe da outra. (p. 346)

O movimento sindical não é aquilo que se espelha nas ilusões inteiramente explicáveis mas equivocadas de algumas dúzias de líderes sindicais, e sim aquilo que vive na consciência da grande massa dos proletários que foram ganhos para a luta de classes. Nessa consciência, o movimento sindical é uma parte da social-democracia". (p. 349) 


Comentários

“A maioria dos chefes social-democratas se atinham ao axioma: A greve geral é um disparate geral. Se em alguma ocasião consideravam necessário esgrimir argumentos, eles se remetiam às palavras de Engels, que havia rechaçado a greve geral que os anarquistas preconizavam. Em 1893, Engels havia combatido em sua obra Os bakuninistas em ação a ideia de debilitar as classes possuidoras mediante uma greve o de obligá-las a responder violentamente, com o que a classe trabalhadora teria justificação para um levante armado. Assinalou que os próprios bakuninistas consideravam necessária uma organização completa dos trabalhadores e um caixa cheio para levar adiante o empreendimento. Nisto residia o erro, porque nenhum governo permitiria tais preparativos e, ‘por outro lado, os acontecimentos políticos e os abusos das classes privilegiadas acarretariam a libertação dos trabalhadores muito tempo antes que o proletariado conseguisse essa organização ideal e essas reservas colossais. E se ele as tivesse, não necessitaria do recurso da greve geral para chegar ao objetivo’.
A maioria dos social-democratas alemãs que se ocuparam de questões táticas viram a confirmação desta opinião no fracasso da greve geral belga de 1902. (...) Rosa Luxemburg tinha opinião diferente. Já começo da luta belga criticou energicamente as condições sob as quais eram levadas a cabo e em uma investigação profunda estabeleceu conclusões que ninguém mais havia se atrevido a extrair. O erro não estava em haver recorrido à greve geral, mas em haver permitido que os liberais prescrevessem as formas que essa deveria adotar. Com isso os trabalhadores parados foram convertidos em meros comparsas de uma ação parlamentar. Renunciando em nome da legalidade a toda reunião dos grevistas e a toda manifestação, relegando os trabalhadores a suas casas, foi privado a eles a sensação de sua própria massa e de sua própria força, causando-lhes um sentimento de insegurança. O essencial é que a greve geral seja o emissário, a primeira fase de uma revolução nas ruas, mas ela havia sido cuidadosamente despojada precisamente deste caráter”.
(Paul Frölich, Rosa Luxemburgo vida y obra, pp. 194-6)


Nota bene

“A Revolução Russa [de 1905] foi a experiência capital da vida de Rosa. (...) Porque, definitivamente, o que trouxera da Rússia não era análise nem conhecimento, mas a profilaxia nova da revolução como estado de ânimo. Independentemente da política, era este estado de ânimo que importava, a liberação moral de fazer e não planejar, de participar e não ensinar. Crendo que isso estava acima de toda necessidade de prova e demonstração, as receitas de Rosa Luxemburg em 1906 não devem ser julgadas duramente em função de seu conteúdo prático. Eram para ela um experimento, não para uma Revolução Russa triunfante mas para a Alemanha, para a transposição da ação russa para as circunstâncias alemãs. Rosa resumia a essência de sua doutrina com extrema simplicidade: A revolução é algo magnífico, todo o resto é pura bobagem”.
(J. P. Nettl, Rosa Luxemburgo,  pp. 299-300)



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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.  


Die Befreiung der Arbeiterklasse muß das Werk der Arbeiterklasse selbst sein.







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