terça-feira, 21 de julho de 2015

A claraboia e o holofote #29 (VII)








Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista






Rosa Luxemburg


A Acumulação do Capital (1913)


Anticrítica (1915)


O imperialismo segundo Rosa Luxemburg


"No final de 1911, enquanto estava mergulhada na composição da sua Introdução à Economia Política, subitamente Rosa Luxemburg se deparou com um problema específico que a absorveu completamente: a natureza da acumulação capitalista. Tudo teve início com a dificuldade que encontrou de fazer concordar suas próprias observações com a análise matemática incompleta que Marx havia feito da reprodução ampliada do capital. A tentativa de aplainar essa divergência a conduziu a uma reflexão de grande fôlego que – como ela mesma expressou modestamente – levava a uma ‘nova explicação, rigorosamente científica, do imperialismo e de suas contradições’. Por volta do meio de 1912, a obra estava completa e na mão do editor. Na ocasião em que foi publicada, A Acumulação do Capital não causou uma impressão favorável. Com poucas exceções, os resenhistas não se interessaram pelo modelo teórico da acumulação e do imperialismo graças aos quais o livro exerceu sua influência depois, mas sim pelas provas que a obra fornecia do caráter pouco ortodoxo das opiniões políticas de Rosa. De muitos pontos de vista, ela sentia que não fora compreendida, razão pela qual, mais tarde, durante a guerra, aproveitou o tempo livre de que dispunha na prisão [onde cumpria pena por incitar os trabalhadores alemães a não pegarem em armas contra os franceses] para responder aos seus críticos, voltando ao mesmo tema com uma linguagem mais simples e exemplos de compreensão mais fácil. [Essa resposta foi publicada com o título de A Acumulação do Capital ou o que os epígonos fizeram da teoria marxista: uma anticrítica].

(Nettl, Rosa Luxemburg, Il Saggiatore, p. 387)


Excertos da Anticrítica


[1. A premissa: a acumulação do capital está ligada ao aumento da demanda social]


O modo de produção capitalista é regido pelo interesse na obtenção de lucros. Para o capitalista, seja ele quem for, a produção só tem sentido e utilidade quando o leva, ano após ano, a encher os bolsos de ‘renda líquida’, ou seja, de lucros sobre o investimento de seu capital. Ao contrário do que sucede com qualquer outra forma de economia fundada na exploração, não é apenas o lucro em ouro, mas o lucro crescente e contínuo que constitui a lei básica do modo de produção capitalista. Diferindo de outros tipos históricos de explorador, com essa finalidade o capitalista não se utiliza exclusiva ou principalmente do fruto de sua exploração para o luxo pessoal; usa-o cada vez mais para aumentar a própria exploração. A maior parte do lucro alcançado reverte de novo para o capital, visando à ampliação da produção. O capital assim se avoluma, ou, para utilizar a expressão de Marx, se ‘acumula’, e a produção capitalista cada vez mais se expande em função e decorrência da acumulação.
Para que isso se realize não basta, no entanto, apenas a boa vontade do capitalista. Prende-se o processo a condições objetivas, de ordem social, que se resume nas seguintes.
Para que a exploração seja possível é necessário que, antes de mais nada, haja força de trabalho suficiente. O capital vai incumbir-se desse detalhe, uma vez que, historicamente, o modo de produção capitalista venha consolidar-se, até certo ponto, por meio do próprio mecanismo desse tipo de produção: (1) permitindo que os assalariados, bem ou mal, recebam um salário capaz de mantê-los com vistos à subsequente exploração dos mesmos, além de facultar a multiplicação natural da força de trabalho (e nada mais); (2) proletarizando constantemente a faixa média da população e estabelecendo, na grande indústria, a concorrência entre o assalariado e a máquina, a fim de formar-se um exército de reserva sempre disponível, constituído pelo proletariado industrial.
Preenchida essa condição, ou seja, garantida a existência do material de exploração constantemente disponível, que assume a forma de proletariado assalariado, e garantido o funcionamento regular do mecanismo de exploração por meio do próprio sistema de remuneração, outra condição básica da acumulação se nos apresenta ainda. É necessário atentar para as possibilidades de venda progressiva das mercadorias produzidas pelos assalariados, bem como para as de receber de volta, em dinheiro, as despesas pessoais do capitalista e a mais-valia extorquida da força de trabalho.
A fim de que a acumulação ocorra como processo ininterrupto, é indispensável que o capital conte com a possibilidade de haver uma venda crescente da mercadoria. A condição básica da exploração, esta o próprio capital se incumbe de criar, como já vimos. O volume I de Das Kapital de Marx analisa e descreve pormenorizadamente esse processo. Em que condições são realizáveis os frutos dessa exploração? Como encontram saída? De que dependem? – O capital tem o poder de aumentar, ou é da própria natureza do mecanismo de produção ampliar as vendas segundo as suas necessidades deste, de maneira a adaptar a força de trabalho a suas necessidades? – De modo algum! É neste ponto que a dependência do capital em relação às condições sociais encontra a sua expressão. Apesar de a forma capitalista de produção distinguir-se basicamente das outras formas históricas de produção e de ser subjetivamente apenas orientada pela lei do interesse, pelo lucro, ela tem de satisfazer objetivamente às necessidades materiais da sociedade, de modo que a referida meta subjetiva só seja atingida na medida em que essa produção atenda à meta objetiva. As mercadorias oriundas da produção capitalista só podem ser vendidas quando ou contanto que o lucro nelas existente possa ser convertido em dinheiro e essa transformação se processe em vista das referidas mercadorias satisfazerem à demanda social.  A expansão constante da produção capitalista, ou seja, a acumulação constante do capital, encontra-se ligada, pois, a uma expansão igualmente constante da demanda social.
Em que consiste essa demanda social? É possível defini-la de uma forma um pouco mais exata? Ela é mensurável de alguma forma, ou nós aqui nos encontramos na dependência de um conceito apenas vago?"



[2. A demanda social: os dois departamentos e o seu excedente]


"Quando a produção capitalista é vista como um todo, a demanda social logo se apresenta como grandeza tangível e articulada, de forma perfeitamente compreensível.
Imaginemos então que as mercadorias produzidas pela sociedade capitalista se encontrem reunidas todas, anualmente, formando uma pilha enorme, a fim de serem utilizadas pela sociedade em bloco. Descobriremos logo, no entanto, que essa massa informe terá grande número de destinos diferentes.
(...)
Vamos encontrar ali, naquele depósito geral capitalista de mercadorias, grande quantidade de mercadorias representando os produtos substitutivos dos meios de produção utilizados nos últimos anos. Trata-se, no caso de matérias-primas, máquinas, construções etc (ou seja, daquilo que Marx chama de ‘capital constante’), que os diversos capitalistas produzem uns para os outros, em suas empresas, de produtos que são obrigados a trocar entre si a fim de que a produção possa voltar novamente ao volume anterior em todas as empresas. Como (segundo nossa hipótese até agora admitida) são os próprios estabelecimentos capitalistas que fornecem todos os meios de produção necessários para o desenvolvimento do processo de trabalho da sociedade, a troca das respectivas mercadorias ocorrente no mercado também se caracteriza como assunto por assim dizer interno, doméstico, que só afeta os capitalistas entre si. O respectivo dinheiro necessário para a intermediação dessa troca universal de mercadorias provém, naturalmente, do bolso da própria classe capitalista – visto que todo e qualquer empresário deve dispor, previamente, do capital-dinheiro exigido por sua empresa – e volta da mesma forma, naturalmente, para o bolso da classe capitalista depois de realizada a troca do mercado.
(...)
Outro grande departamento da massa capitalista de mercadorias deve conter os meios de subsistência da população, a exemplo do que se observa em qualquer tipo de sociedade. (...) Assim, distinguiríamos inicialmente na massa social total de mercadorias, duas grandes partes: a parte dos meios de produção que se destinam à renovação do processo de trabalho, e a parte dos meios de consumo para o sustento da população, ou seja, a classe operária e a classe capitalista.
(...)
As duas grandes porções da massa social de mercadorias às quais há pouco nos referimos não nos parecem suficientes, no entanto. Se a exploração dos trabalhadores apenas tivesse a função de permitir que os exploradores levassem uma vida de fartura, não nos encontraríamos sob o moderno regime do capital. Teríamos, ao contrário, uma espécie de moderna sociedade de escravos, ou encontrar-nos-íamos sob um regime feudal do tipo medieval. Essa sociedade capitalista persegue um só grande objetivo: o lucro em forma de dinheiro, a acumulação de capital-dinheiro. O sentido histórico propriamente dito da produção só começa, pois, quando a exploração transcende esses limites. A mais-valia não deve ser apenas suficiente e capaz de garantir uma existência compatível com o status da classe capitalista; deve conter, além disso, um excedente destino à acumulação. Essa finalidade principal é tão importante que só se empregam os trabalhadores, ou seja, que estes apenas se encontram em situação de obter meios de subsistência para si mesmos na medida em que produzam esse lucro destinado à acumulação e na medida em que exista a possibilidade de realmente acumular-se esse lucro sob a forma de dinheiro.
Devemos encontrar, portanto, naquele depósito geral imaginário de mercadorias da sociedade capitalista, uma terceira porção, ainda não destinada nem à renovação dos meios utilizados na produção, nem à conservação dos trabalhadores e dos capitalistas. Tratar-se-á de uma partida de mercadorias contendo aquela parte inestimável de mais-valia que foi extorquida dos trabalhadores, parte que assim representa a razão de ser propriamente dita do capital: o lucro que se destina à capitalização ou à acumulação".


[3. O problema da acumulação do capital: para onde se dirige a parte excedente?] 

"Chegamos dessa maneira ao cerne do problema da acumulação e teremos de envidar todos os esforços na verificação de todas as tentativas já feitas visando ao encontro da solução. (...)
Para que a acumulação se verifique é necessário encontrar outros compradores que adquiram essa partida de mercadorias em que se encontra o lucro destinado à referida acumulação. Os compradores necessários devem ter meios próprios de compra, meios que sejam fornecidos por fontes próprias e perfeitamente autônomas, que nada tenham a ver com o bolso do capitalista, tais como as de que dispõem os trabalhadores, ou os colaboradores do capital – os órgãos estatais, o exército, o clero, as profissões liberais. Os compradores devem ser pessoas cujos meios de compra tenham por origem a troca mercantil e, meios que também existem, pois, em função da produção mercantil que ocorre fora da produção mercantil capitalista; devem ser produtores cujos meios de produção não se incluam na categoria do capital e não pertençam a nenhuma das categorias gerais (dos capitalistas e dos trabalhadores), mas assim mesmo ou de qualquer forma tenham necessidade de mercadorias capitalistas.
Onde encontrar esse tipo de comprador?"




[4. A resposta: as trocas com as regiões não-capitalistas]


"Como todo mundo sabe e o próprio Marx insiste em realçar em Das Kapital, a produção capitalista não é, na verdade, a única forma existente de produção. Em todos os países capitalistas e mesmo nos altamente industrializados existem, além dos empreendimentos industriais e agrícolas capitalistas, numerosos estabelecimentos congêneres que mantém uma linha mais simples de produção mercantil.  Na realidade existem, ao lado das nações capitalistas da Europa, outros países em que ainda predominam a produção artesanal e a pequena lavoura, fato que se observa principalmente na Rússia, nos Balcãs, na Escandinávia e na Espanha. Para finalizar, existem, além da Europa capitalista e dos Estados Unidos, enormes continentes em que produção capitalista apenas acaba de criar raízes em pontos esparsos, enquanto nos demais as populações desses continentes apresentam as mais diversas formas de economia paralelas, desde as comunistas primitivas até as feudais, agrícolas ou artesanais. Essas formas todas de sociedade ou de produção não só existem ou coexistem em perfeita harmonia com o capitalismo como também desenvolveu-se entre elas e o capital europeu um processo intenso e sui generis de trocas desde o início da era capitalista. Como verdadeira produção em massa, a produção capitalista depende de compradores que integram os meios agrícolas e artesanais das nações antigas, bem como dos consumidores de outras nações; por outro lado, e no concernente a ela mesma, tecnicamente a produção capitalista não pode existir sem o concurso da produção das mencionadas faixas populacionais, dos meios de produção ou subsistência fornecidos pelos respectivos países. Teve assim de estabelecer-se desde o início uma relação de troca e produção capitalista e o meio não-capitalista, relação mediante a qual o capitalista encontraria a possibilidade de transformar sua mais-valia em dinheiro necessário à capitalização subsequente, bem como de providenciar as mercadorias necessária à expansão da própria produção, enfim, de garantir o crescimento da força de trabalho proletarizada pela decomposição das formas não-capitalistas de produção".



[5. Os métodos violentos do capitalismo: destruição, crises econômicas e guerras]

"Isso quanto ao simples conteúdo econômico da relação. Sua configuração material constitui, na realidade, o processo histórico da evolução do capitalismo da evolução do capitalismo no cenário universal, em toda a sua diversidade dinâmica e multifacetada.
Fato é que, de imediato, a troca do capital passa a enfrentar dificuldades com relação ao meio-ambiente, com referência à economia natural existente, às relações sociais estabelecidas, à demanda reduzida da economia patriarcal camponesa e ao artesanato nativo. Nessa fase o capital recorre aos ‘meios heroicos’, à arma da violência política. (...) Nos países ultramarinos a submissão política e a destruição das instituições comunitárias tradicionais constituem o primeiro passo, marcando dessa forma o ato histórico do nascimento do capital e a presença constante, a partir de então, de seu epifenômeno de acumulação. Com a ruína das condições primitivas desses países, de sua economia natural e de sua cultura campesino-patriarcal, ao capital europeu se abrem as portas da troca mercantil. Transformam-se os respectivos habitantes em compradores de mercadorias capitalistas; acelera-se, ao mesmo tempo e vigorosamente, a própria acumulação pelo roubo maciço das riquezas naturais e entesouradas dos povos subjugados. Desde o início do século XIX passaram a figurar, ao lado desses métodos, a exportação de capital acumulado europeu para outros países não-capitalistas, em outras partes do globo; aí esse capital, então, encontrará novo campo; vai estabelecer sobre os escombros das formas tradicionais locais de produção um novo círculo de compradores para as suas mercadorias e encontrar, em decorrência disso, uma possibilidade de acumulação para seu capital.
Dessa maneira o capitalismo expande-se cada vez mais graças a suas relações recíprocas com os círculos sociais não-capitalistas e com as nações não-capitalistas, acumulando seu capital à custa destes; ao mesmo tempo que corrói a cada instante a outra entidade à qual se associa, procurará desalojá-la e assumir seu lugar. E à medida que vai crescendo o número de participantes dessa caçada em busca de novos campos de acumulação de capital e diminuindo o número de regiões não-capitalistas ainda abertas à expansão universal do capital, mais acirrada se torna a luta, ou a competição, visando à conquista dessas regiões de acumulação; tanto mais frequentes também se tornam, no cenário mundial, as incursões do capital, as quais acabam constituindo verdadeiras cadeias de catástrofes (de ordem econômica ou política), representadas pelas crises mundiais, pelas guerras e pelas revoluções".



[6. A consequência: o colapso do capitalismo]

"Acontece, porém, que por meio desse processo o capital prepara a sua própria cova. Expandindo a expensas das demais formas de produção não-capitalistas, chega o momento em que qualquer expansão ou acumulação subsequente do capital tornar-se impossível, uma vez que a humanidade toda veio a transformar-se em duas classes únicas: capitalistas e proletários assalariados. Por outro lado, na medida em que se impõe essa tendência, o referido processo também acaba acentuando os contrastes entre as classes e a anarquia econômica e política internacionais de tal maneira que, muito antes de atingida a consequência última do desenvolvimento econômico – o domínio absoluto e indiviso da produção capitalista neste mundo –, o mesmo processo irá acarretar necessariamente a revolta do proletariado internacional contra a existência do domínio do capital".



[7. A importância do problema da acumulação do capital: a compreensão teórica correta do imperialismo é  necessária para orientar a práxis do movimento social-democrata.]

"À primeira vista pode parecer tratar-se de pura sutileza de ordem teórica. Mesmo assim, no entanto, a importância prática do problema é evidente. Ele é importante em conexão com o fenômeno importante da vida pública moderna: o imperialismo. O período imperialista apresenta os seguintes sintomas: competição entre os Estados capitalistas, visando à apropriação de colônias e ao domínio de certas áreas de interesse; encontro de novas opções para a aplicação do capital europeu; sistema de empréstimos internacionais; militarismo; medidas protecionistas alfandegárias; supervalorização do papel desempenhado pelo capital bancário e pelos cartéis na política mundial; sinais que hoje são perfeitamente conhecidos como manifestações típicas do período em consideração. As conexões que esses sintomas apresentam com a fase final do desenvolvimento capitalista e a importância que eles têm para a acumulação do capital são tão aparentes que tanto os defensores do imperialismo quanto os seus inimigos claramente os reconhecem e aceitam como tais. A social-democracia não pode, porém, dar-se por satisfeita com esse reconhecimento empírico. Sua missão é descobrir e descrever corretamente a lei econômica que existe no bojo dessa situação; deve pegar pela raiz o complexo variado de fenômenos por meio dos quais esse imperialismo se manifesta. Como acontece em tais casos, apenas a conceituação teórica exata e  correta do problema (indo à raiz do mesmo) e a concepção teórica da nossa práxis na luta contra o imperialismo, somente elas podem conferir-nos a certeza, a finalidade clara e a energia necessária que são indispensáveis à política do proletariado. Antes de ser editado Das Kapital de Marx, a espoliação, o mais-trabalho e o lucro já eram conhecidos, mas somente a formulação precisa da teoria da mais-valia e a explicação da formação da mesma, a formulação da lei do salário e a descrição do contingente industrial da força de trabalho de reserva, tais como Marx os insere em sua teoria do valor e a explicação da mesma, foram capazes de proporcionar à práxis da luta de classes a base sólida sobre a qual pôde desenvolver-se, até a época Guerra Mundial, o movimento operário alemão e o internacional que seguiu sua trilha. Que a teoria não é suficiente por si mesma e que por vezes é possível juntar a melhor das teorias com uma práxis da pior espécie, tudo isso nos é confirmado pelo colapso sofrido pela social-democracia alemã. Esse colapso não resultou da visão teórica marxista, mas apesar dela; ele só pode ser superado no momento em que a práxis do movimento operário for posta em sintonia com a respectiva teoria. E o que se aplica à luta de classes em seu conjunto e no geral vale também para qualquer setor particular da mesma: só teremos condições de obter uma base realmente sólida para afirmar a posição que defendermos em qualquer setor particular importante da luta de classes se recorrermos à teoria marxista, ou seja, aos múltiplos tesouros inexplorados das obras fundamentais de Marx".



[8. Crítica à teoria de Marx: os esquemas de reprodução ampliada em Das Kapital partem de uma generalização teórica inadequada.]

"Não resta dúvida que alguma que a explicação da raiz econômica do imperialismo deva ter por base as leis de acumulação do capital, e também devam ser postas em sintonia com essas leis, visto que, em seu conjunto o imperialismo não passa, empiricamente, de um método específico de acumulação.  Como é que se pode admitir então, que isso seja possível e aceitar sem crítica alguma a hipótese marxista do volume II de Das Kapital? Como aceitá-lo admitindo a hipóteses de uma sociedade que só conhece a forma de produção capitalista e cuja população é toda constituída tão-somente de capitalistas e operários assalariados?
Qualquer que seja a maneira de estabelecer as molas propulsoras intrínsecas do imperialismo, uma coisa é clara e certa: sua natureza consiste na expansão do domínio do capital (proveniente dos países capitalistas antigos) em novas regiões, bem como na competição econômica e política desses países, com o objetivo de dominar as referidas regiões. Como já vimos antes, Marx admite (no volume II de Das Kapital) que o mundo inteiro já constitui ‘uma só nação capitalista’ e que as demais formas econômicas e sociais desapareceram. Como explicar então o imperialismo dentro de uma sociedade dessas em que já não há espaço para ele?
Foi nesse ponto que eu me vi compelida a apresentar a minha crítica. A hipótese da existência de uma sociedade constituída apenas por capitalistas e trabalhadores, hipótese que se justifica plenamente para fins de análise (...) pareceu-me inoportuna e injustificada no caso da acumulação do capital social total. Como essa acumulação representa o processo histórico real do desenvolvimento capitalista, é impossível conhecê-la se fizermos abstração de todas as condições dessa realidade histórica. Como processo histórico, a acumulação do capital progride do princípio ao fim em um meio constituído por várias formações pré-capitalistas, e em confronto político constante, mantendo intercâmbio com as mesmas. Então, como captar corretamente esse processo e as leis de sua dinâmica interna no âmbito de uma ficção teórica exangue que afirma não existirem esse meio, essa luta, esses efeitos recíprocos?"


[9. Propor uma correção dos esquemas de Marx é uma maneira de preservar a teoria marxista.]

"É especialmente nesse particular que me parece adequado ao espírito da teoria marxista a necessidade de abandonar o pressuposto de que parte Marx no volume I de Das Kapital e de abordar a acumulação como processo total, partindo da base concreta da troca material realizada entre o capital e seu ambiente histórico. Procedendo dessa maneira, quer parecer-me que obteremos, sem maior esforço, a explicação direta do processo, a partir das teorias básicas de Marx, em harmonia completa com as partes restantes de sua obra principal de Economia".

(Rosa Luxemburg, Anticrítica, pp. 104 -115)


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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.  


Die Befreiung der Arbeiterklasse muß das Werk der Arbeiterklasse selbst sein.





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