Rosa Luxemburg
A conferência nacional da Liga Spartakus (1918)
texto integral
Amanhã
reúnem-se representantes da mais odiada, da mais caluniada, da mais perseguida
tendência política de toda a Alemanha – a Liga Spartakus. Com orgulho e
confiança reúnem-se sob a bandeira posta à prova na tempestade para, numa breve
reunião cercada pelo sopro quente da revolução, deliberar sobre os objetivos e
os caminhos a seguir.
Como
outrora em Flandres o nome ‘Geusen’, mendigos, o nome dos ‘spartakistas’
tornou-se hoje na Alemanha símbolo da luta revolucionária intensa, da energia
proletária inquebrantável, do apego firme aos objetivos do socialismo, símbolo
de tudo aquilo que as classes dominantes, a que a sociedade capitalista tem
horror e que odeia até a morte.
A
Liga olha retrospectivamente para seu breve, porém movimentado passado. O
colapso da social-democracia alemã em 4 de agosto de 1914 foi a hora do
nascimento de Spartakus. A bancarrota ruidosa da tática partidária tradicional,
sua traição vergonhosa às tarefas e deveres de honra mais sagrados do
socialismo na hora da grande decisão trouxe imediatamente à tona a rebelião
aberta e enérgica dos spartakistas. Deles saiu, já em agosto de 1914, o
primeiro protesto público contra o vexame do partido oficial, publicado na
imprensa italiana, inglesa, holandesa e que alto bradava: tenham esperança e animem-se!
Ainda existem socialistas na Alemanha!
Quando
as massas trabalhadoras, na hipnose paralisante do delírio bélico, ainda
assistiam indiferentes ou mesmo exultantes ao assalto vitorioso do
imperialismo, quando o partido jazia numa plúmbea tranquilidade de cemitério
depois do suicídio de 4 de agosto, desses mesmos spartakistas saíram as
primeiras reuniões na periferia de Berlim – Steglitz, Mariendorf,
Charlottenburg, NeuKöllm -, as primeiras conferências em Stuttgart, Frankfurt
am Main, Leipzig, os primeiros sinais de união contra o partido oficial, os
primeiros enfrentamentos, olhos nos olhos, com os traidores do socialismo e da
Internacional.
Da
tribuna do Reichstag, no jornal Internationale, na brochura de Junius, em
panfletos, o pequeno grupo lutou incansavelmente, sob o estado de sítio e a
ditadura da espada, para salvar a honra do proletariado alemão, para sacudir as
massas, para atiçar a faísca sagrada do idealismo revolucionário.
As
perseguições caíram compactamente sobre os desmancha-prazeres. Sumiram durante
anos um atrás do outro, mandados para prisões e penitenciárias repletas ou
mandados das fábricas para as trincheiras. Contudo, quando algum continuava em
liberdade, logo o grupo se reunia de novo, logo recomeçava o trabalho
subterrâneo, o tenaz trabalho de toupeira que devia solapar o edifício rígido
do imperialismo.
E
os vínculos com a massa proletária continuaram a tecer-se cada vez mais
fortemente. Enquanto os independentes [os
militantes do USPD], depois de dois anos de paciente colaboração com os
Judas do movimento operário, de modo hesitante e irresoluto deles se separaram,
a fim de teimosamente levar adiante as tradições viciadas e fraudulentas da
velha social-democracia e de sua ilusória existência parlamentar, os
spartakistas abriram caminho para um tática nova e revolucionária, a da ação de
massas extraparlamentar, exortaram e chamaram incansavelmente à greve de massas
até conseguirem fortalecer e elevar a autoconfiança, a coragem do operariado
para a luta.
Depois
de cada arranque, as ondas de luta, que quase não se moviam, diminuíam e se
acalmavam; uma calmaria mortal, plúmbea, parecia reapoderar-se do espírito das
massas. Era preciso uma vontade férrea e uma fé que remove montanhas para
nesses quatro anos e três meses não afrouxar nem um dia, não abandonar o
incansável trabalho de mineiro, não cair no pessimismo confortável a respeito
das ‘massas alemãs’, que servia de pretexto barato à própria indolência dos
independentes.
Para
os spartakistas não havia desânimo nem vacilações. Assobiando alegremente nas
celas gradeadas e nas fábricas, nas trincheiras e nos centros de deliberação
conspirativos, farejados por espiões, cercados de agentes de polícia, eles
aguçaram suas flechas, difundiram seus panfletos, instigaram fortemente a consciência
moral das massas, desafiaram audaciosamente sem parar o colosso triunfante do
imperialismo.
Até
que em 9 de novembro, o colosso de pés de barro caiu ruidosamente ao chão, o
proletariado alemão finalmente recuperou sua grandeza e a revolução começou.
Desde
o primeiro dia da revolução começou uma cruzada da burguesia, da pequena
burguesia, dos oficiais, do pessoal de Ebert – de todos os elementos
contrarrevolucionários contra a Liga Spartakus. Esse era o recibo pelo
cumprimento do dever sob a ditadura da espada do imperialismo; ao mesmo tempo,
era o instinto seguro dos guardiões da ordem social capitalista sob ameaça que
dirigia todas as suas flechas envenenadas para onde sentia bater o coração da
revolução proletária.
Os
inimigos mortais do proletariado e do socialismo não foram enganados por seu
instinto. Na revolução alemã cabe à Liga Spartakus um papel especial, uma
tarefa de grande responsabilidade, um alto dever.
Um
abismo profundo a separa dos mercenários a serviço dos exploradores e
opressores, do pessoal de Ebert-Scheidemann, manchado de sangue, a quem só tem
a oferecer um punho cerrado.
Um
abismo também a separa dos independentes que, nas cinco semanas de revolução,
entenderam que deviam evoluir não para a frente mas para trás; que, de críticos
passivos da prostituição scheidemanniana durante a guerra, transformaram-se em
ativos participantes dessa prostituição; que, por cima dos golpes, intrigas e
túmulos, por cima de infâmias e poças de sangue, ainda estendem a mão a
Ebert-Scheidemann para um trabalho conjunto. Para esse pessoal – mesmo que
amanhã, sob a pressão do desprezo geral e de seu próprio colapso moral,
finalmente rompam o vínculo infame com o governo de Ebert – valem as palavras:
tarde demais! Eles estão liquidados para a revolução, para o proletariado. A
continuação de seu caminho, leva-os para o lamaçal da contrarrevolução à qual
estenderam por muito tempo a mão auxiliadora.
Mas
existe também um limite que nos separa dos elementos indecisos e pusilânimes do
USPD, os quais, exasperados com a profunda queda dos Haase-Dittman e
companheiros, não têm, contudo, coragem nem firmeza para levá-los ao
pelourinho, para fazer o grande ajuste de conta das massas com eles, para se
colocar diante da alternativa de se separarem da contrarrevolução ou se
excluírem das fileiras do proletariado combativo.
Revoluções
não conhecem meias medidas, não fazem compromisso, não rastejam, não se curvam.
Revoluções precisam de intenções explícitas, princípios claros, corações
decididos, homens completos.
A
revolução atual, que está somente em seu primeiro estágio, que tem diante de si
formidáveis perspectivas e que precisa superar problemas histórico-universais,
deve ter uma bússola segura que imperturbavelmente aponte, em cada estágio da
luta, em cada vitória e em cada derrota para o mesmo grande objetivo: a
revolução socialista universal, o enérgico poder combativo do proletariado pela
libertação da humanidade do jugo do capital.
Ser
essa bússola que aponta a direção, essa flecha que se move para diante, o
fermento proletário-socialista da revolução – eis a tarefa específica da Liga
Spartakus no embate atual entre dois mundos.
A
história é a única mestra verdadeira e a revolução é a melhor escola para o
proletariado. Elas cuidarão de que o ‘pequeno grupo’ dos mais caluniados e
perseguidos se torne pouco a pouco aquilo que sua visão de mundo o destina: ser
a massa combativa e vitoriosa do proletariado socialista-revolucionário.
(A Conferência Nacional da Liga Spartakus in Textos Escolhidos, volume II, pp. 329-333)
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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.
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