Rosa Luxemburg
Congresso de fundação do KPD - Partido Comunista Alemão (1919)
Nosso programa e a situação política
A
tarefa que hoje enfrentamos – discutir e adotar nosso programa – vai além da
circunstância formal de que ontem nos constituímos em um novo partido autônomo
e que um novo partido precisa oficialmente adotar um programa; a discussão de
hoje sobre o programa é motivada por grandes acontecimentos históricos,
sobretudo pelo fato de que nos encontramos num momento em que o programa
social-democrata, o programa socialista do proletariado, deve ser erigido em
novas bases. Camaradas, retomamos assim a trama urdida por Marx e Engels no
Manifesto Comunista há exatamente setenta anos. Como vocês sabem, o Manifesto
Comunista considera o socialismo, a realização dos objetivos socialistas a
tarefa imediata da revolução proletária. Foi a concepção que Marx e Engels defenderam
na revolução de 1848 e que considerava igualmente a base da ação proletária em
sentido internacional. Ambos acreditavam então – assim como todos os dirigentes
do movimento proletário – que se estava perante a tarefa imediata de introduzir
o socialismo; que bastava realizar a revolução política, apoderar-se do poder
político estatal para que o socialismo imediatamente se tornasse carne e osso.
Depois, como vocês sabem, os próprios Marx e Engels revisaram totalmente esse
ponto de vista. Eis o que dizem da própria obra no primeiro prefácio, que ainda
assinaram juntos, para a edição do Manifesto Comunista de 1872:
“Atualmente,
essa passagem, [o fim da seção II, isto é as medidas práticas a serem tomadas
para realizar o socialismo] seria hoje diferente em muitos aspectos. Tendo em
vista o imenso desenvolvimento da grande indústria nos últimos 25 anos e, com
ele, o progressivo desenvolvimento da organização da classe operária em
partido; tendo em vista as experiências práticas, primeiro da revolução de
fevereiro e depois, sobretudo, da Comuna de Paris, que pela primeira vez
permitiu ao proletariado durante dois meses a posse do poder político, esse
programa está hoje obsoleto em alguns pontos. A Comuna, especialmente,
demonstrou que ‘a classe operária não pode simplesmente se apoderar da máquina
estatal já pronta e colocá-la em movimento para seus próprios fins”.
E
o que diz essa passagem considerada obsoleta? Lemos o seguinte na página 23 [da
edição alemã de 1894] do Manifesto Comunista:
"O proletariado utilizará seu domínio
político para arrancar pouco a pouco todo o capital à burguesia, para
centralizar todos os instrumentos nas mãos do Estado, ou seja, do proletariado
organizado, como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível
a massa das forças produtivas.
Isso naturalmente só poderá ser
realizado, no princípio, por uma intervenção despótica no direito de
propriedade e nas relações burguesas de produção, isto é, por medidas que
parecem economicamente insuficientes e insustentáveis, mas que, no curso do
movimento, ultrapassam a si mesmas e são inevitáveis como meios para
revolucionar todo o modo de produção.
Tais medidas, é claro, serão diferentes
nos diferentes países.
Contudo, nos países mais avançados, as
seguintes medidas poderão geralmente ser aplicadas:
1º) Expropriação da propriedade
fundiária e emprego da renda da terra nas despesas do Estado.
2º) Imposto fortemente progressivo.
3º) Abolição do direito de herança.
4º) Confisco da propriedade de todos os
emigrados e rebeldes.
5º) Centralização do crédito nas mãos
do Estado, por meio de um banco nacional com capital do Estado e monopólio
exclusivo.
6º) Centralização dos meios de
transporte nas mãos do Estado.
7º) Multiplicação das fábricas
nacionais e dos instrumentos de produção, cultivo e melhoramento das terras
segundo um plano comum.
8º) Trabalho obrigatório igual para
todos; constituição de exércitos industriais, especialmente para a agricultura.
9º) Unificação dos serviços agrícolas e
industriais; medidas tendentes a eliminar gradualmente as diferenças entre a
cidade e o campo.
10º) Educação pública e gratuita de
todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas em sua
forma atual. Combinação da educação com a produção matéria etc".
Como
vocês veem, exceto por alguns detalhes, essas são as mesmas tarefas com que
hoje, imediatamente nos defrontamos: a execução, a realização dos socialismo. Setenta anos separam o atual momento
do tempo em que esse programa foi estabelecido; e a dialética histórica
levou-nos hoje de volta à concepção que Marx e Engels haviam abandonado por
considerá-la errada. Eles tinham então boas razões para considerá-la erada e
abandoná-la. O desenvolvimento do capitalismo que, entretanto ocorreu, fez com
que o erro de outrora hoje seja verdade, e hoje é tarefa imediata realizar o
que Marx e Engels enfrentavam em 1848. Contudo, entre aquele ponto do
desenvolvimento, o início, e a nossa concepção e tarefas atuais, existe todo o
desenvolvimento não apenas do capitalismo, mas também do movimento proletário
socialista e, em primeiro lugar, do movimento operário na Alemanha, país guia
do proletariado moderno. Esse
desenvolvimento ocorreu numa forma singular. Após as decepções da revolução de
1848, em que Marx e Engels abandonaram o ponto de vista segundo o qual o
proletariado se encontrava na situação de poder imediata e diretamente realizar
o socialismo, nasceram em todos os países partidos socialistas,
social-democratas que adotaram um ponto de vista totalmente diferente.
Proclamou-se como tarefa imediata a luta cotidiana no plano econômico e
político para, pouco a pouco, formar os exércitos do proletariado, que seriam
chamado a realizar o socialismo quando o desenvolvimento socialita tivesse
alcançado a maturidade. Essa reviravolta, essa base totalmente diferente
sobre a qual o programa socialista foi estabelecido adquiriu, sobretudo na
Alemanha, uma forma bastante típica. Na Alemanha, até o colapso do 4 de agosto,
predominava na social-democracia o Programa de Erfurt em que as chamadas
tarefas mínimas urgentes ficavam em primeiro plano e o socialismo era
transformado numa longínqua estrela distante, em objetivo final. Porém, mais
importante do que aquilo que está escrito no Programa é a maneira pela qual é
compreendido; e a compreensão do Programa era determinada por um documento
histórico importante para a história de nosso movimento operário, a saber, o
prefácio que Friedrich Engels escreveu em 1895 para Lutas de
classes na França. Camaradas, não é apenas por interesse histórico que
examino essas questões; pelo contrário, é uma questão bem atual e um dever
histórico que nos incumbe, ao pormos nosso Programa no terreno em que Marx e
Engels se encontravam em 1848. Em virtude das transformações introduzidas pelo
desenvolvimento histórico, temos o dever de fazer, de maneira clara e
consciente, uma revisão da concepção predominante na social-democracia alemã
até o colapso de 4 de agosto. É aqui que essa revisão deve ser oficialmente
feita.
Camaradas,
como entendeu Engels a questão naquele famoso prefácio escrito em 1895
para Lutas de classes na
França, de Marx, portanto já depois da morte deste? Voltando a 1848, ele
mostrou em primeiro lugar que a concepção segundo a qual a revolução seria
iminente tornara-se obsoleta. Em seguida, continua sua descrição:
“A história não nos deu razão, nem a
nós nem a todos que como nós pensávamos. Ela mostrou que o grau de
desenvolvimento econômico no continente ainda estava muito pouco maduro para
permitir a eliminação da produção capitalista; mostrou-o por meio da revolução
econômica que desde 1848 se estendeu a todo continente, implantou a grande
indústria na França, Áustria, Hungria, Polônia e recentemente na Rússia,
fazendo mesmo da Alemanha um país industrial de ponta – tudo isso em bases
capitalistas, ainda perfeitamente suscetíveis de expansão em 1848”.
Expõe
em seguida como, a partir daquela época, tudo mudou e aborda a questão das
tarefas do partido na Alemanha:
“A guerra de 1870-71 e a derrota da
Comuna de Paris deslocaram provisoriamente, como Marx havia predito, o centro
de gravidade do movimento operário europeu da França para a Alemanha. A França
precisou evidentemente de anos para se refazer da sangria de maio de 1871. Na
Alemanha, em contrapartida, onde a indústria, favorecida pela benção dos
bilhões franceses, se desenvolvia verdadeiramente como numa estufa e sempre
mais rapidamente, a social-democracia crescia de maneira bem rápida e constante.
Graças à inteligência dos trabalhadores alemães na utilização do sufrágio
universal introduzido em 1866, o espantoso crescimento do partido manifestou-se
aos olhos do mundo inteiro com números indiscutíveis”.
Segue-se
a célebre enumeração, descrevendo nosso crescimento de uma eleição para a outra
para o Reichstag, até chegarmos aos milhões de votos, e Engels conclui:
“Graças a essa eficaz utilização do
sufrágio universal, uma forma de luta do proletariado, inteiramente nova, foi
posta em ação e continuou a desenvolver-se rapidamente. Descobriu-se que as
instituições estatais, nas quais se organiza a dominação da burguesia, ofereceu
novas oportunidades para que a classe trabalhadora possa combater essas mesmas
instituições estatais. Participou-se das eleições para certas Dietas, conselhos
municipais, conselhos de notáveis, disputou-se à burguesia cada uma de suas
posições em que uma boa parte do proletariado tinha algo a dizer. E assim o
governo e a burguesia chegaram a temer mais a ação legal que a ação ilegal do
partido operário, seus êxitos nas eleições mais do que os da rebelião”.
E
aqui Engels começa uma crítica detalhada da ilusão segundo a qual, nas modernas
condições do capitalismo, o proletariado poderia obter qualquer coisa nas ruas,
com a revolução. Na medida em que estamos em plena revolução, uma revolução de
rua com tudo o que ela comporta, penso que já é tempo de polemizar com uma
concepção que oficialmente até o último minuto era habitual na
social-democracia e que é corresponsável pelo que passamos em 4 de agosto de
1914.
Não
quero dizer com isso que Engels, com suas declarações, compartilhe pessoalmente
a culpa pela evolução que se produziu na Alemanha; digo apenas: aqui está um
documento clássico que resume a concepção de que vivia a social-democracia
alemã, ou melhor, que a matou. Aqui, camaradas, Engels expõe, com todo o
conhecimento especializado de que dispunha no domínio da ciência militar, que,
no estado atual de desenvolvimento do militarismo, da indústria e das grandes
cidades, era pura ilusão acreditar que o povo trabalhador pudesse fazer
revoluções de rua e vencer. Essa refutação teve duas consequências: primeiro, a
luta parlamentar foi considerada a antítese da ação revolucionária direta do
proletariado e quase o único meio da luta de classes. Essa crítica teve como
resultado o parlamentarismo puro e simples. Segundo, considerou-se,
curiosamente, que a mais poderosa organização do Estado de classes, o
militarismo, a massa de proletários uniformizados, devia ser de antemão inacessível
e imune à influência socialista. E quando o prefácio diz que seria mais
insensato pensar que com o atual desenvolvimento de exércitos gigantescos o
proletariado pudesse enfrentar soldados equipados com metralhadoras e com os
mais recentes meios técnicos de combate, parte claramente do pressuposto de que
todo soldado deve permanecer, de antemão e para sempre, um sustentáculo das
classes dirigentes. Do ponto de vista da experiência atual e do Homem que se
encontrava à cabeça de nosso movimento, esse erro seria incompreensível se não
se soubesse em que circunstâncias efetivas nasceu o documento histórico
mencionado. Em consideração a nossos dois grandes mestres e, sobretudo, a
Engels que, tendo falecido muito mais tarde, defendia a honra e as opiniões de
Marx, é preciso declarar que aquele, como se sabe, escreveu esse prefácio sob a
pressão direta da fração parlamentar daquele tempo. Era a época em que na
Alemanha – após o fim das leis antissocialistas no início dos anos 1890 – uma
forte radical de esquerda se manifestava no interior do movimento operário
alemão, procurando preservar os camaradas da total absorção numa luta puramente
parlamentar. Para derrotar os elementos radicais na teoria e submetê-los na
prática, para que graças à autoridade de nosso grandes mestres as massas
deixassem de prestar-lhes atenção, Bebel e camaradas (exemplo típico do já era
na época nossa situação: a fração parlamentar decidia, do ponto de vista
intelectual e tático, sobre os destinos e tarefas do partido), Bebel e camaradas
forçaram Engels, que vivia no exterior e devia confiar em suas afirmações, a
redigir esse prefácio, uma vez que segundo eles era absolutamente necessário
salvar o movimento operário alemão dos desvios anarquistas. Desde então essa
concepção dominou a conduta da social-democracia alemã até nossa bela
experiência de 4 de agosto de 1914. Foi a proclamação do parlamentarismo puro e
simples. Engels não chegou a presenciar os resultados, as consequências
práticas da utilização de seu prefácio, de sua teoria. Tenho certeza de que
quando se conhecem as obras de Marx e Engels, quando se conhece o espírito
revolucionário vivo, legítimo, autêntico que se manifesta em seus ensinamentos
e em seus escritos, convencemo-nos de que Engels teria sido o primeiro a
protestar contra os abusos resultantes do parlamentarismo puro e simples,
contra essa corrupção, essa degradação do movimento operário tal como ocorreu
na Alemanha décadas antes do 4 de agosto – pois 4 de agosto não caiu do céu
como se fosse uma guinada inesperada, mas foi uma consequência lógica do que
vivemos, dia após dia, ano após ano; Engels e Marx – se estivessem vivos -,
teriam sido os primeiros a protestar com todas as forças contra isso, e frear
brutalmente o veículo para que não caísse no pântano. Mas Engels morreu no
mesmo ano em que escreveu o seu prefácio. Nós o perdemos em 1895; desde então,
infelizmente, a direção teórica passou das mãos de Engels para às de um
Kaustsky, e assistimos ao seguinte fenômeno: todo protesto contra o
parlamentarismo puro e simples, o protesto vindo da esquerda a cada congresso
do partido, sustentado por grupos maior ou menor de camaradas em luta
encarniçada contra a corrupção cujas funestas consequências deviam aparecer a
cada um, todos esses protestos foram tachados de anarquismo,
anarcossindicalismo ou, no mínimo, antimarxismo. O marxismo oficial devia
servir de cobertura para todas as hesitações, para todos os desvios em relação
à verdadeira luta de classes revolucionária, para todas as meias medidas que
condenavam a social-democracia alemã e, sobretudo, o movimento operário,
inclusive o movimento sindical, a definhar nos limites e sobre o solo da
sociedade capitalista, sem que houvesse a menor aspiração a sacudir a
sociedade, a tirá-la dos eixos.
Camaradas, hoje vivemos o momento em que podemos dizer: retornamos a Marx, retornamos à sua bandeira. Ao declararmos hoje em nosso programa que a tarefa imediata outra não é senão – resumida em poucas palavras – fazer do socialismo uma verdade e um fato e destruir radicalmente o capitalismo, pomo-nos no terreno em que Marx e Engels se encontravam em 1848 e cujos princípios nunca abandonaram. Vê-se agora o que é o verdadeiro marxismo e o que era esse sucedâneo de marxismo que, sob o nome de marxismo oficial, ocupou tanto espaço na social-democracia alemã. Vejam pelos representantes desse marxismo a que ponto ele atualmente caiu: a assessor e adjunto de Ebert, David e consortes. Vemos aí os representantes oficiais da doutrina que durante dezenas de anos nos foi apresentada como o marxismo verdadeiro, autêntico. Não, o marxismo não levava a isso, a fazer política contrarrevolucionária com os Scheidemann. O verdadeiro marxismo combate igualmente aqueles que procuravam falsificá-lo; como uma toupeira, solapou os alicerces da sociedade capitalista e fez que hoje a melhor parte do proletariado alemão marchasse sob a nossa bandeira, a bandeira tempestuosa da revolução; e mesmo do outro lado, ali onde a contrarrevolução parece ainda dominar, temos partidários, futuros camaradas de luta.
Camaradas, hoje vivemos o momento em que podemos dizer: retornamos a Marx, retornamos à sua bandeira. Ao declararmos hoje em nosso programa que a tarefa imediata outra não é senão – resumida em poucas palavras – fazer do socialismo uma verdade e um fato e destruir radicalmente o capitalismo, pomo-nos no terreno em que Marx e Engels se encontravam em 1848 e cujos princípios nunca abandonaram. Vê-se agora o que é o verdadeiro marxismo e o que era esse sucedâneo de marxismo que, sob o nome de marxismo oficial, ocupou tanto espaço na social-democracia alemã. Vejam pelos representantes desse marxismo a que ponto ele atualmente caiu: a assessor e adjunto de Ebert, David e consortes. Vemos aí os representantes oficiais da doutrina que durante dezenas de anos nos foi apresentada como o marxismo verdadeiro, autêntico. Não, o marxismo não levava a isso, a fazer política contrarrevolucionária com os Scheidemann. O verdadeiro marxismo combate igualmente aqueles que procuravam falsificá-lo; como uma toupeira, solapou os alicerces da sociedade capitalista e fez que hoje a melhor parte do proletariado alemão marchasse sob a nossa bandeira, a bandeira tempestuosa da revolução; e mesmo do outro lado, ali onde a contrarrevolução parece ainda dominar, temos partidários, futuros camaradas de luta.
Assim,
camadaras, conduzidos pela marcha da dialética histórica e enriquecidos pela
experiência do desenvolvimento capitalista dos últimos setenta anos,
encontramo-nos, como já disse, no ponto em que se encontravam Marx e Engels em
1848, quando desfraldaram pela primeira vez a bandeira do socialismo
internacional. Acreditava-se então, quando da revisão dos erros e ilusões de
1848, que o proletariado ainda tinha um longo caminho a percorrer até que o
socialismo pudesse tornar-se realidade. Evidentemente os teóricos sérios não
trataram nunca de fixar uma data obrigatória e certa para o colapso do
capitalismo; porém, supunha-se vagamente que o caminho seria ainda muito longo,
justamente o que exprime cada linha do prefácio escrito por Engels em 1895. Mas
agora podemos fazer o balanço. Não foi um curtíssimo lapso de tempo em
comparação com o desenvolvimento das antigas lutas de classes? Setenta anos de
desenvolvimento do grande capitalismo bastaram para que hoje possamos pensar
seriamente em eliminar o capitalismo da face da Terra. E mais: não somente
somos hoje capazes de resolver essa tarefa, não somente é nosso dever para com
o proletariado, como sua solução constitui hoje a única salvação para a
sobrevivência da sociedade humana.
Será que essa guerra, camaradas, deixou alguma outra coisa da sociedade burguesa além de um enorme monte de escombros? Formalmente o conjunto dos meios de produção e mesmo numerosos instrumentos de poder, quase todos os instrumentos decisivos de poder, encontram-se nas ainda nas mãos da classe dominante. Não nos enganemos a esse respeito. Mas o que elas podem fazer com isso, fora tentativas obstinadas de restabelecer a exploração com um banho de sangue, não passa de anarquia. Elas foram tão longe que hoje o dilema enfrentado pela humanidade é: queda na anarquia ou salvação pelo socialismo. Os resultados da guerra mundial põem as classes burguesas na impossibilidade de encontrar uma saída no terreno de sua dominação de classe e do capitalismo. E é assim que podemos verificar a verdade que precisamente Marx e Engels formularam pela primeira vez num grande documento, o Manifesto Comunista, como base científica do socialismo: o socialismo se tornará uma necessidade histórica, no mais estrito sentido da palavra que hoje nós vivenciamos. O socialismo tornou-se uma necessidade, não apenas porque o proletariado não está mais disposto a viver em condições materiais oferecidas pelas classes capitalistas, mas também porque estamos todos ameaçados de desaparecer se o proletariado não cumprir o seu dever de classe, realizando o socialismo.
Será que essa guerra, camaradas, deixou alguma outra coisa da sociedade burguesa além de um enorme monte de escombros? Formalmente o conjunto dos meios de produção e mesmo numerosos instrumentos de poder, quase todos os instrumentos decisivos de poder, encontram-se nas ainda nas mãos da classe dominante. Não nos enganemos a esse respeito. Mas o que elas podem fazer com isso, fora tentativas obstinadas de restabelecer a exploração com um banho de sangue, não passa de anarquia. Elas foram tão longe que hoje o dilema enfrentado pela humanidade é: queda na anarquia ou salvação pelo socialismo. Os resultados da guerra mundial põem as classes burguesas na impossibilidade de encontrar uma saída no terreno de sua dominação de classe e do capitalismo. E é assim que podemos verificar a verdade que precisamente Marx e Engels formularam pela primeira vez num grande documento, o Manifesto Comunista, como base científica do socialismo: o socialismo se tornará uma necessidade histórica, no mais estrito sentido da palavra que hoje nós vivenciamos. O socialismo tornou-se uma necessidade, não apenas porque o proletariado não está mais disposto a viver em condições materiais oferecidas pelas classes capitalistas, mas também porque estamos todos ameaçados de desaparecer se o proletariado não cumprir o seu dever de classe, realizando o socialismo.
Camaradas,
esta é a base geral sobre a qual foi elaborado o problema que hoje adotamos
oficialmente e de cujo projeto vocês tinham tomado conhecimento na brochura ‘O
que quer a Liga Spartakus?’. Ele encontra-se em oposição consciente à separação
entre reivindicações imediatas da luta política e econômica, chamadas
reivindicações mínimas, e o objetivo final socialista, como programa máximo. Em
oposição consciente a isso, liquidamos hoje os resultados dos últimos setenta
anos de desenvolvimento e, sobretudo, o resultado imediato da guerra, dizendo:
para nós, agora, não existe programa mínimo nem programa máximo; o socialismo é
uma única e mesma coisa – isso é o mínimo que temos de realizar hoje.
Não
me estenderei aqui no que diz respeito às medidas detalhadas que propusemos em
nosso projeto de programa, pois vocês têm a possibilidade de tomar posição
sobre cada uma delas, e comentá-las aqui detalhadamente nos levaria muito
longe. Considero como minha tarefa assinalar e formular apenas os grandes
traços gerais que distinguem nossa tomada de posição programática daquela
existente até hoje, a da assim chamada social-democracia alemão oficial. Em
contrapartida, considero mais importante e mais urgente pormo-nos de acordo
sobre a maneira de avaliar as circunstâncias concretas, a maneira de configurar
as tarefas táticas, as palavras de ordem práticas que decorrem da situação
política de acordo com a concepção que tentei caracterizar, segundo a qual a
realização do socialismo constitui a tarefa imediata, cuja luz deve guiar todas
as medidas, todas as tomadas de posição de nossa parte.
Camaradas,
creio poder dizê-lo com orgulho, nosso Congresso é o congresso constitutivo do
único partido socialista revolucionário do proletariado alemão. Esse Congresso
coincide, por acaso, ou melhor, para falar com precisão, não por acaso, com uma
guinada no desenvolvimento da própria revolução alemã. Pode-se dizer que com os
acontecimentos dos últimos dias encerrou-se a fase inicial da revolução alemã,
que encontramos agora num segundo estágio, mais avançado, do desenvolvimento; é
dever de todos nós e ao mesmo tempo fonte de um melhor e mais profundo
conhecimento para o futuro fazer nossa autocrítica, fazer um exame crítico
aprofundado do que realizamos, do que criamos e do que negligenciamos; isso nos
permitirá adquirir pontos de apoio para o nosso procedimento futuro. Lancemos
um olhar perscrutados sobre a primeira fase da revolução que acabou de
encerrar.
Seu
ponto de partida foi o 9 de novembro. O 9 de novembro foi uma revolução cheia
de insuficiências e de fraquezas. Não é de admirar. Essa revolução chegou após
quatro anos de guerra, após quatro anos no decorrer dos quais, graças à
educação da social-democracia e dos sindicatos livres, o proletariado alemão
revelou uma dose de infâmia e de renegação de suas tarefas socialistas sem
igual em nenhum outro país. Se nos pusermos sobre o terreno do desenvolvimento
histórico – e é justamente o que fazemos como marxistas e socialistas -, não se
pode esperar ver surgir de repente, em 9 de novembro de 1918, uma revolução
grandiosa, com consciência de classe e dos fins a atingir, numa Alemanha que
ofereceu a terrível imagem do 4 de agosto e dos quatro anos que se seguiram; o
que o 9 de novembro nos fez viver foi muito mais o colapso do imperialismo
existente do que a vitória de um princípio novo. Simplesmente havia chegado o
momento em que o imperialismo, colosso de pés de barro, apodrecido por dentro,
tinha que desabar; e o que se seguiu foi um movimento mais ou menos caótico,
sem plano, pouquíssimo consciente, no qual o único vínculo unificador, o único
princípio constante, libertador, era resumido na palavra de ordem: formação dos
conselhos de operários e soldados. Era a palavra-chave dessa revolução que lhe
conferiu imediatamente o caráter especial de revolução socialista proletária –
apesar das insuficiências e fraquezas do primeiro momento; e quando vierem com
calúnias contra os bolcheviques russos, nunca deveremos nos esquecer de
responder: onde aprenderam vocês o abc da atual revolução. Com os russos, com
os conselhos de operários e soldados; e aquela gentinha que hoje, à cabeça do
‘governo socialista’, considera sua função, de mãos dadas com o imperialismo
inglês, assassinar traiçoeiramente os bolcheviques russos, apoia-se formalmente
nos Conselhos de Trabalhadores e Soldados, é obrigada a reconhecer que foi a
Revolução Russa a emitir as primeiras palavras de ordem da revolução mundial.
Podemos dizer com segurança – e isso resulta por si mesmo de toda a situação:
qualquer que seja o país, depois da Alemanha, em que a revolução proletária
irrompa, seu primeiro gesto será a formação de Conselhos de Trabalhadores e
Soldados.
É
justamente nisso que consiste o vínculo que unifica internacionalmente a nossa
ação, é a palavra-chave que separa fundamentalmente a nossa revolução de todas
as revoluções burguesas anteriores; é bem característico das contradições
dialéticas em que esta revolução se move, aliás como todas as revoluções, que
em 9 de novembro, quando deu seu primeiro grito, seu grito de nascimento por
assim dizer, ela tenha encontrado a fórmula que agrupou todo mundo. A revolução
encontrou instintivamente essa fórmula, apesar de 9 de novembro estar situada
muito aquém dela. Em virtude das insuficiências, das fraquezas, por falta de
iniciativa pessoal e de clareza sobre as tarefas a realizar, ela deixou
escapar, somente dois dias após a revolução, a metade dos instrumentos de poder
que havia conquistado em 9 de novembro. Isso mostra, por um lado, que a
revolução atual está submetida à lei todo-poderosa da necessidade histórica, o
que nos garante que alcançaremos nosso objetivo passo a passo, apesar de todas
as dificuldades, complicações e fraquezas pessoais; mas, por outro lado, ao
confrontarmos essa palavra de ordem clara com as insuficiências da prática à
qual estava ligada, é preciso dizer que esses eram justamente os primeiros
passos da revolução; ela terá de fazer ume esforço poderoso e percorrer um
longo caminho para crescer e realizar plenamente suas primeiras palavras de
ordem.
Camaradas,
a primeira fase, que vai de 9 de novembro até estes últimos dias, é
caracterizado por ilusões de todos os lados. A primeira ilusão do proletariado
e dos soldados que fizeram a revolução foi a da unidade sob a bandeira do ‘socialismo’.
Nada pode caracterizar melhor as fraquezas internas da revolução de 9 de
novembro do que seu primeiro resultado: elementos que, duas horas antes da
explosão da revolução, estimavam ter por função persegui-la, torna-la
impossível, chegaram à cabeça do movimento – os Ebert-Scheidemann com Haase! A
ideia da união das diferentes correntes socialistas no júbilo geral da unidade
era a divisa da revolução de 9 de novembro – uma ilusão que devia vingar-se de
forma sangrenta e com a qual deixamos de viver e de sonhar só nos últimos dias;
mesma ilusão da parte do Ebert-Scheidemann e mesmo dos burgueses – de todos os
lados. Além disso, uma ilusão da burguesia ao fim desse estágio: ela esperava,
na realidade, manter as massas com rédea curta e reprimir a revolução
socialista graças à combinação Ebert-Haase, graças ao ‘governo socialista’; e
uma ilusão do governo Ebert-Scheidemann, que esperava poder deter a luta de
classes socialista das massas trabalhadoras com a ajuda das massas de soldados
no front. Essas eram as diversas ilusões que explicam também os acontecimentos
dos últimos tempos. Todas as ilusões desfizeram-se em nada. Viu-se que a
aliança de Haase com Ebert-Scheidemann sob o emblema do ‘socialismo’ não
passava, na realidade, de uma folha de parreira sobre uma política puramente
contrarrevolucionária; e, como em todas as revoluções, pudemos nos curar dessa
ilusão. Existe um método revolucionário particular para curar o povo de suas
ilusões, mas a cura é paga, infelizmente, com o sangue do povo. Nessa revolução,
exatamente como em todas as anteriores, o sangue das vítimas (...) marcaram a
grande massa com o selo desse saber, dessa verdade: o que vocês juntaram como
se fosse um governo socialista nada mais é que um governo da contrarrevolução
burguesa; quem continua a tolerar esse estado de coisas trabalha contra o
proletariado e contra o socialismo.
(...)
Camaradas,
eis um imenso campo a lavrar. Devemos fazer os preparativos de baixo para cima,
devemos dar aos Conselhos de Trabalhadores e Soldados tal poder que, quando o
governo Ebert-Scheidemann ou outro parecido for derrubado, isso será apenas o
ato final. Assim, a conquista do poder não deve ser feita de uma vez, mas ser
progressiva: nós nos introduziremos no Estado burguês até ocuparmos todas as
posições, que defenderemos com unhas e dentes. E a luta econômica, em minha
opinião e na de meus amigos mais próximos do partido, deve ser igualmente
conduzida pelos conselhos de trabalhadores. São também os conselhos de
trabalhadores que devem dirigir os conflitos econômicos e fazer-lhes tomar vias
sempre mais largas. Os conselhos de trabalhadores devem ter todo o poder no
Estado. É nessa direção que devemos trabalhar nos próximos tempos; se
assumirmos essa tarefa, resulta daí que devemos contar com uma colossal exacerbação
da luta nos próximos tempos. Pois trata-se de lutar passo a passo, corpo a
corpo, em cada Estado, em cada cidade, em cada aldeia, em cada comuna, a fim de
transferir para os Conselhos de Trabalhadores e Soldados todos os instrumentos
do poder que será preciso arrancar, pedaço a pedaço, à burguesia.
Para
isso, é preciso primeiro educar nossos camaradas, é preciso educar os
proletários. Mesmo onde existem Conselhos de Trabalhadores e Soldados, ainda
falta a consciência de quais são suas funções. Precisamos primeiro ensinar às
massas que o Conselho de Trabalhadores e Soldados deve ser, em todas as
direções, a alavanca da maquinaria do Estado, que ele deve apoderar-se de todos
os poderes para fazê-los convergir para o mesmo canal: a transformação
socialista. Mesmo as massas trabalhadoras, já organizadas nos Conselhos de
Trabalhadores e Soldados, encontram-se a milhas disso, exceto naturalmente
algumas pequenas minorias de proletários, que têm clara consciência de suas
tarefas. Isso não constitui uma carência, mas é algo muito normal, Exercendo o
poder, a massa deve aprender a exercer o poder. Não há nenhum outro meio de lhe
ensinar isso. Felizmente, foi-se o tempo em que se tratava de ensinar o
socialismo ao proletariado. Para os marxistas da escola de Kaustsky esse tempo
parece não ter acabado. Educar as massas proletárias de maneira socialista
significava: fazer-lhes conferências, distribuir panfletos e brochuras. Não, a
escola socialista dos proletários não precisa de nada disso. Eles são educados
quando passam à ação. No princípio era a ação, é aqui a divisa; e a ação
consiste em que os Conselhos de Trabalhadores e Soldados se sentem chamados a
tornar-se o único poder público em todo o Reich e aprendem a sê-lo. Só dessa
maneira podemos minar o solo, a fim de que se torne maduro para a transformação
que deve coroar nossa obra. Eis porque, camaradas, era por um cálculo claro,
com uma consciência clara que declaramos ontem, que eu, em particular, disse:
‘Parem de encarar a luta tão levianamente!”. (...) Quero dizer com isso que a
história não nos faz a tarefa tão fácil como nas revoluções burguesas, em que
bastava derrubar o poder oficial no centro e substitui-lo por alguns homens, ou
por algumas dúzias de homens novos. Precisamos trabalhar de baixo para cima, o
que corresponde precisamente ao caráter de massa de nossa revolução, cujos
objetivos visam aos fundamentos, ao solo da constituição social, o que
corresponde ao caráter da atual revolução proletária; devemos conquistar o
poder político não por cima, mas por baixo. O dia 9 de novembro foi a tentativa
de abalar os poderes públicos, a dominação de classe, uma tentativa débil,
incompleta, inconsciente, caótica. Agora é preciso dirigir, com total
consciência, toda a força do proletariado contra os fundamentos da sociedade
capitalista. É na base, onde cada patrão se defronta com seus assalaridado, na
base, onde todos os órgãos executivos de dominação política de classe se
defrontam com os objetos dessa dominação, as massas, é lá que devemos arrancar,
passo a passo, os instrumentos de poder aos dominantes., pondo-os em nossas
mãos. Tal como o descrevo, o processo parece talvez mais demorado do que se
estava inclinado a ver num primeiro momento. Penso que é saudável para nós
encararmos com plena clareza todas as dificuldades e complicações dessa
revolução. Pois espero que, assim como eu, nenhum de vocês deixará a descrição
das grandes dificuldades, das tarefas que se acumulam, paralisar seu ardor ou
sua energia; ao contrário, quanto maior a tarefa, mais concentraremos todas as
nossas forças; e não esqueceremos: a revolução sabe realizar sua obra com
extraordinária rapidez. Não pretendo profetizar de quanto tempo esse processo
precisa. Qual de nós faz a conta, qual de nós se preocupa com que nossa vida
mal baste para consegui-lo? Importa somente que saibamos com clareza e precisão
o que temos que fazer; e o que temos que fazer, espero tê-lo de algum modo
exposto, com minha poucas forças, em suas grandes linhas.
(Congresso de Fundação do KPD - Partido Comunista
Alemão in Textos Escolhidos volume II,
pp. 343-356)
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Ein Marxist hat nicht das Recht, Pessimist zu sein.
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