Província de Santa Cruz
Patagônia
Patagônia
III
Desde cedo, as terras austrais do continente americano foram alvo
do interesse britânico. Uns - como Francis Drake - vinham atacar os
carregamentos de prata que, partindo do Peru, atravessavam o estreito de
Magalhães rumo à Espanha; outros - como Cook e FitzRoy – estavam à frente de
missões de investigação científica. A tomada das ilhas Malvinas pela Marinha
britânica em 1833 (na mesma época em que o Beagle explorava a região)
consolidou a autoridade da Coroa na vastidão austral. Chegaram então
missionários como Thomas Bridges, aventureiros como Muster, e levas de
migrantes galeses que se estabeleceram principalmente na Província de Chubut.
Por fim, a presença dos súditos da Coroa se firmou em 1893, quando 2.517.274
hectares de terras do Estado argentino foram concedidos para pouco mais de
trinta titulares. Quase todos europeus, a maioria britânicos, nenhum
argentino, esses senhores encenaram uma versão menos litigiosa e menos frenética da
corrida pela partilha da África nas duas décadas precedentes. Condenada à ovelha e ao latifúndio, a Patagônia passou a produzir lã para a indústria
têxtil do Reino Unido e carne para os frigoríficos ingleses. A força de trabalho, quem a fornecia eram os imigrantes europeus
pobres e principalmente os peões chilenos, vistos com desprezo e desconfiança seja por causa da sua origem indígena, seja devido às pretensões territoriais do Chile
sobre a Patagônia.
Nos primeiros anos do século XX, a fama de
riqueza e a presença de uma significativa comunidade anglófona atraiu para a
Patagônia até mesmo bandidos famosos como Butch Cassidy, que assaltou um banco
em Rios Gallegos, capital da Província de Santa Cruz, em fevereiro de 1905. Todavia, a próspera aliança entre o latifúndio exportador e a indústria britânica começou a se desfazer com o fim da Primeira Guerra Mundial. O
preço da lã despencou; a Argentina teve que enfrentar a concorrência crescente
da produção australiana e neozelandesa; a indústria têxtil inglesa perdeu lugar
para a norte-americana; os salários dos peões, que já eram baixos, foram reduzidos, suas condições de trabalho, que já eram aviltantes, se tornaram insuportáveis. A Patagônia dos trabalhadores iria se rebelar e sofreria, aplicada pelo braço armado do Estado, a punição que os landlords reservam a seus inimigos de classe.
“La matanza de obreros de la Patagonia ocurrirá bajo el gobierno
de Hipólito Yrigoyen, el primer presidente argentino surgido por voto
universal, secreto y obligatorio, en 1916. Representante de un movimento de
profundas raíces populares, caudillo querido por las masas pequeñoburguesas y
proletarias (con excepción de los trabajadores concientizados que respondían a
las corrientes anarquistas y socialistas), Hipólito Yrigoyen y su Unión Cívica
Radical habían logrado arrancar por la vía constitucional el gobierno a la
oligarquía terrateniente y comerciante, aunque no el poder. Su tímido reformismo
logró sí democratizar, aumentar la participación de las masas, intentar una
política exterior más independiente, llevar más justicia en la distribución.
Pero esa misma timidez, esa propensión al diálogo y al compromiso, fueron
insuficientes para enfrentar las crisis por las que atravesó su gobierno.
Cuando los trabajadores industriales de Buenos Aires se levantaron, él dejó que
la oligarquía reprimiera a través del ejército y los comandos de “niños bien”.
Se originó así la “Semana Trágica” de enero de 1919. Cuando el trabajador rural
patagónico exigió con firmeza una serie de reivindicaciones y esse movimiento
amenazó con salir de su cauce meramente sindical —de acuerdo a las
informaciones que iban llegando a Buenos Aires— dejó que el ejército defendiera
el orden latifundista a sangre y fuego. Yrigoyen, por ironía del destino, se
convierte así en involuntário verdugo de movimientos populares, pero no por
casualidad. Lo que no ocurrió bajo el régimen oligárquico de antes de 1916
—durante el cual la represión no llegó a alcanzar las características de
matanza colectiva— sucedió bajo el gobierno populista de Yrigoyen”.
(Osvaldo Bayer, La Patagonia Rebelde, capítulo 2)
Organizados pelos anarquistas, muitos deles admiradores da
Revolução bolchevique, os trabalhadores da Província de Santa Cruz fizeram
greve geral em novembro de 1920, em plena época de tosquia. O militar Héctor
Benigno Varela, enviado pelo presidente Yrigoyen propôs um pacto entre
proprietários e trabalhadores que concedia aos últimos a maioria de suas
reivindicações. Inconformados com o que consideravam uma traição do governo, os latifundiários começaram a ignorar as cláusulas do
pacto, ao que os trabalhadores responderam com outra greve geral em novembro de 1921, ocupando estâncias e tomando reféns. Houve casos de pilhagem e segundo se dizia, até estupros. As tropas da cavalaria sob o comando de Héctor
Varela foram enviadas novamente à região, mas dessa vez o militar exigiu rendição
incondicional dos trabalhadores e, depois de decretar lei marcial por sua
própria conta, passou a reprimir duramente os grevistas. Na Estância La Anita,
junto a El Calafate, centenas de trabalhadores que ocupavam a propriedade da
família Braun – uma das maiores proprietárias de terras do Chile e da Argentina
– foram cercados pelas tropas de Varela. Antonio de Soto, secretário da
Federación Obrera de Rio Gallegos, tentou convencer os trabalhadores de que
eles seriam massacrados caso se rendessem. Apesar disso, a assembleia votou pela
rendição. Discordando do resultado, Antonio de Soto decidiu cruzar a fronteira
para o Chile, não muito distante dali. Os trabalhadores que se entregaram foram
surrados nos currais, tiveram as cabeças raspadas com as máquinas de tosquia,
foram aprisionados nos galpões da estância. Na manhã seguinte foram obrigados a
formar duas colunas. O comandante Varela, acompanhado de estancieiros e membros
da Liga Patriótica fizeram a triagem daqueles que deveriam morrer. Cada um
deles teve que cavar sua própria sepultura.
Durante mais de um mês, as tropas de Varela vasculharam a
região atrás de anarquistas e grevistas. O número de mortos nunca foi
esclarecido. Alguns acreditam que deve ter chegado a 1500. Héctor Varela, que
havia sido homenageado pelos latifundiários em 1922, foi assassinado por um
anarquista em Buenos Aires no ano seguinte.
Em 2012, o município de El Calafate, a
Comisión de Vecinos por la Memoria e o proprietário atual da
Estância La Anita celebraram um acordo para permitir que uma equipe interdisciplinar encontre onde estão enterrados os peões fuzilados em 1921. Federico Braun, o proprietário, prometeu doar ao município os terrenos em que se encontrarem as sepulturas
coletivas.
A estância La Anita ainda é a mais vasta de Santa Cruz, mas hoje as ovelhas são
raras e, como ocorreu com muitas outras, a propriedade dos Braun foi parcialmente convertida ao turismo de tranquera, a nova promessa da Patagônia para atrair os estrangeiros. Não estivemos em La Anita, porém, nas duas vezes que visitamos o Parque Nacional dos Glaciares, vimos ao longo de toda a estrada as cercas da propriedade.
Osvaldo Bayer, La Patagonia Rebelde, Txalaparta,
Coyhaique, 2009 | Charles Darwin, The Voyage of the Beagle in From
so simple a beggining: the four great books of Charles Darwin edited with
introduction by Edward O. Wilson, W.W. Norton & Company, New York,
2006 | Roberto Hosne, Patagonia, Leyenda y realidad, Eudeba,
Buenos Aires, 2002 | George Chaworth Muster, At home with the
Patagonians, John Murray, Londres, 1873 | Gabriel Rafart, Violência
rural e bandoleirismo na Patagônia, Topoi, v.12. n.22, 2011
| Alejandro Winograd, Patagonia, Mitos y certezas, Edhasa,
Buenos Aires, 2008
Hallazgo de restos oseos en la estancia La Anita, Universidad Nacional de la Patagonia Austral, 28/02/2015 | Estancia Anita: una visita a las tumbas sin nombres de la Patagonia Rebelde, Universidad Nacional de Cuyo, 08/10/2013
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Hallazgo de restos oseos en la estancia La Anita, Universidad Nacional de la Patagonia Austral, 28/02/2015 | Estancia Anita: una visita a las tumbas sin nombres de la Patagonia Rebelde, Universidad Nacional de Cuyo, 08/10/2013
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