sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Y somos desganados y argentinos en el espejo #5








Província de Santa Cruz


Patagônia 



I



Quem quiser ver a Argentina refletida no espelho precisa deixar o arquipélago fueguino e transpor o estreito de Magalhães, rumo às vastíssimas estâncias de criação de ovelhas, rumo às terras outrora habitadas pelos tehuelches e pelos mapuches e, muito antes deles, percorridas por manadas de répteis gigantes do Cretáceo, como o Argentinosaurus huinculensis ou o Dreadnoughtus schrani, que pastavam nas mesetas muito antes de os Andes se erguerem do fundo do oceano. Essa Patagônia continental em que as desoladas estepes varridas pelo vento só se detêm às margens turquesa dos lagos ou junto às bordas cobalto dos glaciares é propriamente el Sur. Essa terra de promissão e perdição é a fronteira bárbara em face da qual se definiu a Nação e o Estado. Esse é o espelho em que os argentinos aparecem por vezes admiráveis, muitas vezes hediondos, sempre ávidos no começo e inexoravelmente desganados no final.

É nesta Província de Santa Cruz que desembarcamos numa sexta-feira, 17 de janeiro de 2014, vindos da Terra do Fogo. Chegamos como turistas, assombrados com a extensão bela e árida da estepe e temerosos de enlouquecermos no meio deste deserto que só a linha sinuosa do rio Santa Cruz e o espelho do lago Argentino parecem redimir do tédio.

Santiago, o motorista de loquela inesgotável que nos conduz ao hotel, desenrola uma ladainha humorística evidentemente ensaiada com o propósito de granjear a simpatia e arrancar propinas das levas de brasileiros que têm vindo visitar o Parque Nacional dos Glaciares. Certamente ele nos tem na conta de tontos. E talvez tenha razão. De fato, rimos muito, mas no íntimo preferíamos que a viagem do aeroporto até El Calafate fosse preenchida unicamente pelo zumbido do vento. 

Passam das vinte horas, mas é verão e ainda levará tempo até ficar escuro. Uma vez depositada a bagagem en las habitaciones, tentamos caminhar em direção ao lago, mas as distâncias aqui são enganosas e somos vencidos pelo frio e pela resistência do ar, razão pela qual nos contentamos em contemplar nossas próprias sombras longas e oblíquas a se projetarem inúteis sobre as moitas de coirón. Como outros tantos que passaram pela Patagônia, nós mal sabemos por onde começar.






A estepe e o lago Argentino






































Osvaldo Bayer, La Patagonia Rebelde, Txalaparta, Coyhaique, 2009 |  Charles Darwin, The Voyage of the Beagle in From so simple a beggining: the four great books of Charles Darwin edited with introduction by Edward O. Wilson, W.W. Norton & Company, New York, 2006 | Roberto Hosne, Patagonia, Leyenda y realidad, Eudeba, Buenos Aires, 2002 | George Chaworth Muster, At home with the Patagonians, John Murray, Londres, 1873 | Gabriel Rafart, Violência rural e bandoleirismo na PatagôniaTopoi, v.12. n.22, 2011 | Alejandro Winograd, Patagonia, Mitos y certezas, Edhasa, Buenos Aires, 2008  



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