Província de Santa Cruz
Patagônia
Patagônia
I
Quem quiser ver a Argentina refletida no espelho precisa deixar o
arquipélago fueguino e transpor o estreito de Magalhães, rumo às vastíssimas
estâncias de criação de ovelhas, rumo às terras outrora habitadas pelos
tehuelches e pelos mapuches e, muito antes deles, percorridas por manadas de répteis
gigantes do Cretáceo, como o Argentinosaurus huinculensis ou o Dreadnoughtus
schrani, que pastavam nas mesetas muito antes de os Andes se erguerem do fundo
do oceano. Essa Patagônia continental em que as desoladas estepes varridas pelo
vento só se detêm às margens turquesa dos lagos ou junto às bordas cobalto dos
glaciares é propriamente el Sur. Essa terra de promissão e perdição é a
fronteira bárbara em face da qual se definiu a Nação e o Estado. Esse é o
espelho em que os argentinos aparecem por vezes admiráveis, muitas vezes
hediondos, sempre ávidos no começo e inexoravelmente desganados no final.
É nesta Província de Santa Cruz que desembarcamos numa
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014, vindos da Terra do Fogo. Chegamos como
turistas, assombrados com a extensão bela e árida da estepe e temerosos de
enlouquecermos no meio deste deserto que só a linha sinuosa do rio Santa Cruz e
o espelho do lago Argentino parecem redimir do tédio.
Santiago, o motorista de loquela inesgotável que nos conduz ao
hotel, desenrola uma ladainha humorística evidentemente ensaiada com o
propósito de granjear a simpatia e arrancar propinas das levas de brasileiros
que têm vindo visitar o Parque Nacional dos Glaciares. Certamente ele nos tem
na conta de tontos. E talvez tenha razão. De fato, rimos muito, mas no íntimo preferíamos que a viagem do aeroporto até El Calafate fosse preenchida
unicamente pelo zumbido do vento.
Passam das vinte horas, mas é verão e ainda levará tempo até ficar escuro. Uma vez depositada a bagagem en las habitaciones, tentamos caminhar em direção ao lago, mas as distâncias aqui são enganosas e somos vencidos pelo frio e pela resistência do ar, razão pela qual nos contentamos em contemplar nossas próprias sombras longas e oblíquas a se projetarem inúteis sobre as moitas de coirón. Como outros tantos que passaram pela Patagônia, nós mal sabemos por onde começar.
Passam das vinte horas, mas é verão e ainda levará tempo até ficar escuro. Uma vez depositada a bagagem en las habitaciones, tentamos caminhar em direção ao lago, mas as distâncias aqui são enganosas e somos vencidos pelo frio e pela resistência do ar, razão pela qual nos contentamos em contemplar nossas próprias sombras longas e oblíquas a se projetarem inúteis sobre as moitas de coirón. Como outros tantos que passaram pela Patagônia, nós mal sabemos por onde começar.
A estepe e o lago Argentino |
Osvaldo Bayer, La Patagonia Rebelde, Txalaparta, Coyhaique, 2009 | Charles Darwin, The Voyage of the
Beagle in From so simple
a beggining: the four great books of Charles Darwin edited with introduction by
Edward O. Wilson, W.W. Norton & Company, New York, 2006
| Roberto Hosne, Patagonia, Leyenda y realidad, Eudeba,
Buenos Aires, 2002 | George Chaworth Muster, At home with the
Patagonians, John Murray, Londres, 1873 | Gabriel Rafart, Violência
rural e bandoleirismo na Patagônia, Topoi, v.12. n.22, 2011 | Alejandro Winograd, Patagonia, Mitos y certezas, Edhasa, Buenos
Aires, 2008
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