Educação
A palavra é grande demais. Quase nada no cotidiano escolar se parece com ela.
Daí que muitos professores, constrangidos ou irônicos, encolham-se diante das
expectativas e valores que a palavra evoca. É que a relação entre professores e
estudantes na sala de aula não é uma relação entre agentes livres. Ela é cercada
por travamentos institucionais, os quais, como todo travamento, dão-lhe
sustentação ao mesmo tempo que impedem o seu movimento. O quadro institucional
delimita as tarefas, os métodos aceitáveis, os resultados esperados, a
remuneração e a jornada de trabalho. Professores e alunos têm pouco ou nenhum
controle sobre essas condições, tampouco podem se esquivar às pressões diversas
e desencontradas vindas da burocracia escolar, das famílias, dos governos e da
situação econômica. Ocorre também que, na própria sala de aula - onde muitos professores
ainda têm a ilusão de serem soberanos -, a singularidade e o momento de cada
aluno se desfaz na coletividade heterogênea da turma (ou turba) que assiste,
mais ou menos impaciente, mais ou menos atenta, mais ou menos
participante, a uma aula com hora marcada por nenhum dos participantes. A
despeito disso, o aprendizado acontece. Não se trata da "Educação",
substantiva, maiúscula, transcendente, mas da honesta dedicação ao ensino que
se encontra com a curiosidade e o esforço de aprender, desde que as decisões
dos governos e a mercantilização do ensino não impeçam esse encontro.
Para quem é professor, o desafio
consiste em suportar e resistir a essas travas e entraves. A cada ano, com
cada turma, é preciso conquistar a confiança dos estudantes,
identificar as suas deficiências e resistências e ajudá-los a
superá-las. O professor precisa acreditar na sua capacidade e na capacidade de
seus estudantes. A obrigação do professor é fazer as intervenções oportunas,
dar o estímulo correto, apontar na direção certa. E não se cansar de repetir. A
repetição, inclusive a repetição do óbvio, é o fardo da profissão docente.
A repetição é inevitável, mas pode
ter brilho. Para isso, há uma variedade de recursos retóricos e teatrais, que se tornam armadilhas
tão logo deixam de ser usadas como meios de persuasão e de intervenção oportuna
e se tornam veículo de posturas narcisistas de professores que alimentam o culto à sua personalidade. Muitos professores gostam de ouvir a própria voz,
muitos alimentam a ilusão messiânica de que promovem a libertação das massas
ignaras e alienadas, muitos acreditam-se taumaturgos, muitos são ateus porque
não admitem concorrência.
Se, aos olhos dos alunos, o professor
parece “genial” e se essa suposta “genialidade” os ajuda a compreender o que
antes não compreendiam, se o seu horizonte de conhecimento se torna mais amplo,
temos que celebrar essa “genialidade”. Todavia, quando é o professor que se julga
“genial”, ele se arrisca a fazer papel de bobo. Infelizmente o limiar entre as duas
situações é tênue porque muitas instituições de ensino avaliam ou remuneram os
seus professores levando em conta medições em que o carisma, o domínio dos
recursos retóricos, a dedicação ao ensino e os resultados de tudo isso,
mesclam-se e confundem-se.
São essas condições e limites, essas
travas e entraves, que me levam a discordar dos que buscam na Educação o
caminho para o esclarecimento e emancipação da humanidade. Para isso, seria
preciso que a Educação fosse emancipada dos fortíssimos
constrangimentos sociais, políticos e econômicos aos quais está agrilhoada. E
mais, seria preciso que a Educação deixasse de preparar tão bem os agentes que irão exercer a funções sociais, políticas e econômicas que a constrangem. Para redimir a sociedade, seria preciso que o redentor fosse redimido antes.
No
entanto, embora não possa aspirar legitimamente à emancipação da sociedade ou
do ser humano, os educadores têm uma tarefa mais modesta mas importantíssima a
seu alcance: combater a ignorância ignorante que aparece na forma de incultura
e de burrice ingênua. Acredito que essa é a tarefa de base da Educação. Tudo o
que vier além disso, deve ser comemorado com aquela alegria de coração com que
se recebem os eventuais sorrisos da Fortuna.