Incultura, tolice, ignorância
No verbete anterior, confessei minha inquietação com a feição
"culta" que têm assumido a ignorância. É hora de esclarecer o que eu
entendo por ignorância. Para começar, eu reconheço sete variedades dela:
1
A incultura dos que não tiveram a
oportunidade de estudar. É a ignorância elementar dos analfabetos e dos
rústicos que pode muito bem ser acompanhada de sabedoria prática, sensatez e
outras virtudes.
2
A burrice ingênua dos que, pela
falta de domínio adequado da linguagem e pela confusão de conceitos
mal-assimilados, dizem disparates a sério, supondo que estão fazendo afirmações
verdadeiras e relevantes.
3
O discurso leviano de quem está
acostumado a falar sem pensar, movido pela loquacidade imperiosa ou pelo
desejo de causar efeito nos ouvintes. Amantes da conversação amena e
superficial, os levianos se inquietam ao menor sinal de seriedade e encolhem-se
acabrunhados diante dos que argumentam, citam números ou alçam a voz. Os
levianos são inofensivos quando a conversa se restringe ao elevador, à pausa do
café ou ao salão de festas. O problema é que eles nunca se restringem a esses
ambientes e espalham-se pelas colunas de jornal ou pelos comentários de
televisão.
4
A tolice pretensiosa dos que gostam de dar recomendações e conselhos sobre assuntos que acreditam conhecer
bem. Todo mundo conhece alguém que não é rico, mas sabe como
ganhar dinheiro e dá palpites sobre investimentos. Todo mundo conhece
algum especialista by proxy que receita remédios infalíveis a partir do que o
cunhado lhe contou sobre um fulano doente.
O tolo pretensioso é ingênuo porque ela não compreende que o saber ou conhecimento não resulta da mera convicção de que se sabe algo, menos ainda da simples vontade de emitir uma opinião sobre o assunto. O tolo pretensioso não dá a devida atenção ao fato de que o saber exige certas credenciais que comprovem o domínio dos métodos legítimos de aquisição de conhecimento. Em teoria é isso que um diploma ou certificado emitido por uma instituição idônea deveria representar.
O tolo pretensioso é ingênuo porque ela não compreende que o saber ou conhecimento não resulta da mera convicção de que se sabe algo, menos ainda da simples vontade de emitir uma opinião sobre o assunto. O tolo pretensioso não dá a devida atenção ao fato de que o saber exige certas credenciais que comprovem o domínio dos métodos legítimos de aquisição de conhecimento. Em teoria é isso que um diploma ou certificado emitido por uma instituição idônea deveria representar.
5
A impostura intelectual é o vício
dos que, movidos pela ambição do renome, põem-se a fazer asserções sobre
assuntos que eles conhecem de maneira imprecisa e insuficiente ou que, por sua
própria natureza, não podem ser conhecidos. Os impostores
intelectuais são frequentemente dotados de credenciais e de experiência nos métodos
legítimos de aquisição de saber, mas esses métodos são muito demorados e
dificilmente trazem fama e o consequente cortejo de discípulos deslumbrados.
Assim, os impostores apenas simulam que aplicam esses métodos e se dedicam
àqueles temas que mais rapidamente podem despertar a atenção de um público
jovem, inexperiente e cheio daquela avidez pelo conhecimento e pela
novidade. Trata-se da própria essência da "enrolação", sustentada
por artifícios retóricos, posta em prática por especialistas em previsões na área de
economia ou política (como se o conhecimento do futuro estivesse ao seu
alcance), por acadêmicos que gostam de fazer declarações polêmicas sobre
assuntos que conhecem mal ou por profissionais da educação e da comunicação ansiosos por projeção e luzes.
6
A ignorância militante dos que assumem uma opinião ou partido e se põem a defendê-lo a qualquer custo, considerando
que é verdade tudo o que dá razão ao partido defendido e que é falso tudo o que
se opõe a esse partido, sem tomar cuidado com as fontes dessas verdades. É o
tipo de gente divulga fake news nas redes sociais como endosso
das suas posições partidárias e, em nome da postura belicosa, acreditam que se
justificam todos os atos de má-fé intelectual contra os adversários. Exemplos à esquerda e à direita são numerosos.
7
A douta ignorância dos que têm consciência de seus próprios limites face à imensidão
do desconhecido e à dificuldade de encontrar a verdade. Trata-se de
uma ignorância que deve ser treinada pela uma rigorosa profilaxia intelectual,
que foi recomendada por muitos pensadores e sistematizada pelos céticos desde
a Antiguidade.
Vou tatuar o número 5 nas costas pra fazer as pessoas refletirem mais haha. O pior de tudo é que todo dia surge um número 5 novo. É um nicho de alta rotatividade e você precisa cada vez mais adicionar asneiras à sua pilha de ignorâncias para atrair os curiosos. Virou uma espécie de nicho para alguns filósofos, sociólogos, cientistas políticos e outros: um "coaching" da vida hahahahah. Hoje eu entendo o que você quis dizer quando criticou o Mário Sérgio Cortella e os "Cortella-likes" naquele e-mail. Excelente como sempre, Valdir. Um grande abraço!
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