Verdade
e Sentido
Até aqui tenho escrito sobre as pretensões de conhecimento e a
profilaxia necessária para evitar a bobagem desbragada. Indiquei
que a preguiça (associada à pressa e à economia de esforço) e o orgulho
(associado à autossuficiência e à certeza dogmática) levam à diversas formas de
ignorância, que consistem grosso modo em tomar como verdadeiro
o que é falso, em julgar indubitáveis as declarações mais duvidosas e incertas.
Há, porém, um campo de atividade e pensamento em que a questão da
verdade e da certeza não se coloca. Diferentemente das teorias científicas ou
das opiniões, as obras de arte não são verdadeiras ou falsas. Um poema, uma
sinfonia ou uma pintura não podem ser refutadas por argumentos céticos. As
alegações de verdade e de fidelidade à realidade feitas pelos artistas não
podem ser tomadas pelo seu valor de face; elas devem antes ser subsumidas às
estruturas de produção de sentido inerentes à atividade artística, como os
procedimentos estilísticos. A mímese artística do real é diferente da
objetividade da teoria, pois não diz respeito à verdade, mas ao sentido.
O sentido, isto é, o feixe de significações, não é algo
preexistente que se descobre por investigação. É algo que se constrói segundo regras de
convenção ou definidas pelo arbítrio do artista. Descobrir a verdade é o
objetivo do conhecimento. Elucidar o sentido é o objetivo da
interpretação. O campo do sentido e da interpretação é imenso. Vai além das
artes, abrange toda a esfera ritual e religiosa, o âmbito antropológico da
cultura e, a meu ver, alcança toda a atividade especulativa dos
filósofos.
O que proponho é que o campo da produção de sentido produz as suas
próprias formas de bobagem e de ignorância. Parece-me que isso pode acontecer
de duas maneiras. A primeira consiste em confundir sentido e verdade,
atribuindo valor de verdade ao que é simplesmente uma interpretação
interessante, sutil ou sedutora. A segunda consiste na interpretação que falha por carência
de entendimento ou por falta de respeito aos limites da boa interpretação.