Futuro
Lidamos
bem com o que desconhecemos de nosso passado. Quase preferimos esquecer o que
sabemos dele. Cheios de alegria negligente e alívio, deixamos que partes cada vez
maiores do que foi tombem no olvido. A memória é cansativa. Exige determinação
férrea, documentos, arquivos e frequentação do passado. Tal teimosia só
se mantém pelo mais profundo ressentimento e melancolia. Menos custoso é
apegar-se à leve espuma que ficou dos dias pretéritos: uma tarde bonita, um
passeio, um brinquedo, um dar-se as mãos. Uma ignorância suave e benévola. O
opiáceo da alma.
Lidamos
bem com o nosso desconhecimento de tudo o que nos cerca no presente. Quem
poderia, afinal, dar conta do mundo? Por que deveríamos ser oniscientes? O
presente não exige mais do que estarmos aqui e acolá, lançados ao
mundo. No presente, basta que cuidemos de nosso jardim e que nos seja permitido dar uma
espiadela ocasional no jardim alheio. Inveja e desprezo são
pecadilhos perdoáveis e querer um pouco de conforto e diversão não é pedir
demais.
O
futuro, porém, é a nossa ignorância mais dolorosa. Estamos condenados ao
desconhecimento das condições do amanhã e das consequências vindouras de nossas
ações. O futuro é um caos de possibilidades, ao qual procuramos dar forma
pelo esforço presente de transformar o mundo numa certa direção.
Todavia, o engajamento – por mais que se queira iluminado pelo conhecimento
das condições presentes ou pela memória rigorosa das condições passadas - nunca
é independente das nossas expectativas, nutridas pelo medo ou pela esperança.
Para esconjurar a obscuridade do futuro, carregada do fardo de nossos temores e aspirações, a imaginação invoca as rezas, os palpites, as
conjeturas, as hipóteses, as profecias, as previsões do tempo, os pareceres dos
experts, os modelos matemáticos, as teorias sobre o sentido da História: toda a
gama de racionalizações do que não poder ser legitimamente conhecido.
Todas essas ciências ignorantes são mais atraentes do que a ignorância douta. É que a ignorância com foro de saber é altiva, loquaz e se presta ao comércio de opiniões, que é uma das delícias da vida social, ao passo que a douta ignorância padece de laconismo e de incerteza. Para escapar à tolice e à impostura congeniais às ciências ignorantes, seria preciso aderir a uma profilaxia muito mais profunda e muito mais enérgica do que as providências simples para não dizer bobagem. Seria preciso ir mais longe e extirpar o medo e a esperança. Seria preciso levar a sério Sêneca e Spinoza. Mas quem quer levantar a cabeça do travesseiro?
Todas essas ciências ignorantes são mais atraentes do que a ignorância douta. É que a ignorância com foro de saber é altiva, loquaz e se presta ao comércio de opiniões, que é uma das delícias da vida social, ao passo que a douta ignorância padece de laconismo e de incerteza. Para escapar à tolice e à impostura congeniais às ciências ignorantes, seria preciso aderir a uma profilaxia muito mais profunda e muito mais enérgica do que as providências simples para não dizer bobagem. Seria preciso ir mais longe e extirpar o medo e a esperança. Seria preciso levar a sério Sêneca e Spinoza. Mas quem quer levantar a cabeça do travesseiro?
Nenhum comentário:
Postar um comentário