Ressentimento lowbrow
considerações sobre a ignorância militante e sua versão estúpida
Em
junho de 2013, uma romagem dos agravados saiu às ruas e muitos, como eu, deram
seu apoio. Durante alguns dias houve manifestações de
indignados de toda sorte. O governo federal, tendo à frente Dilma Rousseff,
prometeu levar adiante reformas institucionais mal definidas. As
passeatas acabaram como começaram. Alguns intelectuais de esquerda tentaram encontrar naqueles protestos os sinais de uma “primavera” brasileira à
maneira das ainda tão admiradas e surpreendentes “primaveras árabes” de
2011. Parecia que as maiorias silenciosas tinham decidido sair do
seu mutismo e que os piores prognósticos sobre a morte da política na
pós-modernidade tinham sido desmentidos escandalosamente pela espontaneidade dos novos agentes: os movimentos urbanos formados pelas redes sociais. Finalmente, do asfalto cinzento, brotaria a flor tão esperada.
No
entanto, o que se viu nos dois anos seguintes foi a irrupção de uma agressiva
campanha contra o Partido dos Trabalhadores e contra a presumida difusão das ideias de esquerda por instituições de ensino e entidades ligadas à cultura. Constituiu-se uma frente ampla
de pastores evangélicos, economistas neoliberais, entidades ruralistas, comitês
empresariais, pensadores conservadores e jornalistas que eram porta-vozes das
maiores empresas de comunicação de massa no país. A classe média tradicional deu adesão de primeira hora. Além de ter sido sempre hostil ou desconfiadas dos programas de assistência dirigidos aos grupos mais pobres, ela estava persuadida de que a crise econômica, tida como a pior de toda a história republicana, era o
legado maldito da corrupção e do assistencialismo populista que teriam marcado os doze anos do Partido dos
Trabalhadores à frente do governo federal. A crise também tornou difícil a vida daqueles que tinham
conseguido melhorar de vida durante os governos de Lula e Dilma devido à fácil concessão de crédito. Muitas dessas pessoas, então endividadas e frustradas, logo engrossariam as manifestações ruidosas contra Dilma Rousseff, reeleita no final de 2014. A vitória de Dilma sobre Aécio Neves parecia apenas mais um lance na tradicional disputa entre o PT e o PSDB, dentro do jogo político que se firmara desde meados da década de 1990. No entanto, assim como as manifestações de 2013, a polarização da campanha de 2014 foi mais um passo na desestruturação da vida política nacional.
Bater
panelas em protesto contra as aparições de Dilma na televisão, usar a camisa
amarela da seleção brasileira, tirar fotografias junto a policiais, marchar
atrás do Pato Amarelo da Federação das Indústrias de São Paulo, malhar o boneco
Pixuleco, que representava o Presidente Lula em roupas de presidiário, chamar
os petistas de “petralhas” e de “mortadelas”, tudo isso foi marca do ano de
2015 e do começo de 2016.
O
afastamento de Dilma Rousseff e o avanço da Operação Lava Jato, iniciada em
2014, permitiu que muitos acreditassem que o Brasil tomaria afinal o "rumo
certo" para o crescimento econômico e a prosperidade: adoção de políticas econômicas de austeridade fiscal, corte dos
programas assistencialistas, redução do aparelho do Estado, a punição
garantida à corrupção política em todas as esferas.
À
medida que muitas desses anseios foram espezinhados pelo governo de Michel
Temer, a tônica da insatisfação se deslocou. Os pitorescos “coxinhas”, antes tão desinibidos, ficaram acabrunhados diante
das evidentes e ostensivas provas de corrupção de seu candidato, assim como dos
compromissos pessoais e políticos do presidente Michel Temer com as piores
práticas de fisiologismo político. Chegara ao fim as esperanças
suscitadas pela Fronda do Coxinhas com o seu cortejo de apoiadores e comentaristas middlebrow. O
que se viu a seguir foi a maré montante dos que
têm saudades do Antigo Testamento, dos que querem a paz das senzalas, dos que têm fé no poder persuasivo do
alicate, dos que amam o
cheiro de coturno. Aqueles que se dizem fartos das "vítimas" disso ou daquilo. Aqueles que têm aversão aos “esquerdopatas” e aos "comunas": termos genéricos que se aplicam não apenas aos marxistas, mas
também aos social-democratas, aos liberais moderados, aos que discutem questões de “gênero”, aos que conhecem a história do Brasil, aos ateus e agnósticos, aos herdeiros
da Aufklärung, aos que conseguem usar corretamente as conjunções e sabem o que significa a palavra “mýthos”.
Diante
do avanço do ressentimento lowbrow entre as massas é forte a tentação da demofobia. Será possível manter a confiança na democracia sem abandonar o realismo
político?
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