quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A claraboia e o holofote #15





Uma leitura do Manifesto do Partido Comunista


Seção II - Proletários e Comunistas



O Manifesto do Partido Comunista sofre de legibilidade ilusória. Do mesmo modo que algumas obras curtas e demasiado conhecidas – O Príncipe é outro exemplo -, ele foi resumido a umas poucas passagens antológicas, cuja interpretação se cristalizou em chavões dignos de serem recolhidos no dicionário de idées recues.  O maior sintoma da legibilidade ilusória é a forte impressão de atualidade que o Manifesto nos transmite. Tal impressão não é efeito de uma suposta verdade imediata do texto, mas do caráter formulaico que lhe foi associado, o qual dificulta e repele o distanciamento próprio da leitura. O que é atual não é o texto, inevitavelmente marcado pelo lugar e tempo da enunciação; atual é o efeito das forças econômicas, sociais e políticas que se apoderaram dos significantes e remanejaram os significados, num processo semelhante ao das conquistas territoriais. Um movimento deste tipo é o que vemos acontecer num artigo como Marx's intellectual legacy da revista The Economist (2002) em relação à alegada obscuridade de O Capital. Trata-se de uma estratégia que procura minar, de antemão, qualquer esforço de leitura.

O que me interessa na seção II não é a verdade do Manifesto nem a sua atualidade, mas as condições de sua legibilidade. O caráter instrumental, polêmico e imediato do Manifesto do Partido Comunista cobra um preço muito alto de seus leitores, mesmo que eles não se deem conta disso. O texto da seção II foi definitivamente rasurado pelos acontecimentos históricos subsequentes, desde a revolução de fevereiro de 1848 aos processos de Moscou – época em que se constituíram as peças da acusação movidas contra o comunismo, não só pelos liberais quanto por muitos marxistas.

Na impossibilidade de recuperar as condições da recepção original do Manifesto, acredito que a leitura da seção II, ou seja, o entendimento do “partido comunista” de 1848, será menos ingênua se acompanharmos a sombra que o texto projetou, razão pela qual quero revisar a história do marxismo nos noventa anos que se seguiram ao Manifesto. 

Trata-se do roteiro das vicissitudes do "partido comunista" de 1848, que seguirei neste meu folhetim filosófico:

(A) O abandono do “partido comunista de 1848”

a. O massacre de junho de 1848 e a repressão na década seguinte: o refluxo do movimento revolucionário.

b. As lições da Comuna de Paris: o proletariado não pode  tomar o poder pela conquista do Estado burguês existente. 

c. A fundação dos partidos social-democratas e a abertura da via legal e parlamentar. O programa gradualista de conquistas mínimas e sua teoria revisionista.

d. A partido social-democrata alemão adere ao Reich: o nascimento do "social-nacionalismo" prepara a traição de 4 de agosto de 1914.


(B) A refundação do “partido comunista" de 1848

a. A crítica da via parlamentar e a recuperação do “partido de 1848” pelos bolcheviques e pelos espartaquistas.

b. As polêmicas no âmbito da esquerda comunista e socialista a respeito da organização interna do partido; da sua relação com a classe operária e da supressão da propriedade privada.


(C) Nova crise do “partido comunista” de 1848

a. Na cadeia, Gramsci começa a reexaminar o partido de 1848 e sua refundação. 

b. No Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, os herdeiros de Lukács, à sombra do mal-estar da civilização, aderem à Kulturkritik. Renúncia definitiva ao “partido comunista” de 1848. 

c. No exílio, Trostski, profeta desarmado, examina a “atualidade” do Manifesto






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