domingo, 11 de dezembro de 2016

En medio de la plaza y sobre tosca piedra #1




Sevilha


A day in the life

O dia 14 de junho de 1982 foi uma segunda-feira nublada em São Paulo. Três mil quilômetros ao sul da minha casa, as forças argentinas se rendiam à Grã-Bretanha em Port Stanley, encerrando a Guerra das Malvinas, mas isso eu só saberia no dia seguinte. No Brasil, tudo o que interessava era a estreia da seleção de Telê Santana no Mundial da Espanha às quatro da tarde. Como as aulas foram suspensas, aproveitei para ir à biblioteca pública de Santo André, decidido a enfrentar o Livro VII da República, de Platão. Era minha resposta ao primeiro chamado da sereia metafísica, mas a aventura foi interrompida quando a bibliotecária avisou que era hora de fechar. Na praça em frente, todos corriam para ver a partida. Tomei o ônibus de volta para casa e cheguei a tempo de assistir à disputa com a seleção da União Soviética, cujo trunfo era o famoso Dassayev, um goleiro alto e elástico que, a cada defesa, voava de Novgorod a Kazan. No primeiro tempo, tomamos um gol, mas reagimos. Vencemos por 2 a 1. 


Trinta anos esta noite

Mais de trinta anos se passaram desde aquela tarde sem luz em que me encantei com um mito de Platão e um gol de Sócrates. A União Soviética desapareceu há muito tempo. A Seleção Brasileira se tornou motivo de derrisão na Copa de 2014. Ludmila e eu estávamos a oito mil quilômetros de casa e a meros cento e cinquenta quilômetros do Estreito de Gilbraltar. Todas as noites, íamos comprar jamón, frutas e uma garrafa de Ribera del Duero num supermercado da avenida Eduardo Dato. De volta com as sacolas cheias, eu freava o passo junto à “Bombonera de Nervión”, o Estádio Ramón Sanchez-Pizjuán, cenário daquela partida que, por razões muito pouco esportivas, havia assinalado um dia importante num ano decisivo da minha adolescência. Agora éramos nós que pisávamos o chão de Sevilha, a cidade onde Antonio Machado nasceu e sobre a qual escreveu:
“Mi infancia son recuerdos de un pátio de Sevilla
y un huerto claro donde madura un limonero...”


Não deveis vos enganar

O pátio com limoeiro ficava no Palácio de las Dueñas que, nos tempos da Espanha pobre, chegou a ser um cortiço ruidoso. Nos balcões da antiga casa senhorial não havia alfombras, mas roupas pobres que desbotavam ao sol; não havia misteriosas princesas andaluzas, mas gatas borralheiras a cuidar dos irmãozinhos. As operárias que enrolavam charutos na Real Fábrica de Tabacos não eram Carmens. Os coitados que a Inquisição havia encafuado no Castelo de São Jorge não eram Fidelios. Os factótuns não eram próvidos como Figaro. Os cafajestes que flertavam com as damas de mantilhas negras na procissão da Semana Santa não eram exatamente libertinos incréus – Tan largo me lo fiáis – como o burlador D. Juán Tenorio.  

As numerosas operas que se passam em Sevilha - dizem que são mais de cento e cinquenta, dentre as quais As Bodas de Fígaro, Don Giovanni, O Barbeiro de Sevilha, Fidelio, Carmen, A Força do Destino - foram compostas por gente ilustre que nunca andou pelo sombreado das ruas estreitas, que não tomou o sol da manhã na Alameda de Hércules nem respirou o sossego das glorietas. Por isso, valeram-se do exotismo fácil dos calabouços, dos sedutores encapuzados e das ciganas oblíquas e dissimuladas. Sevilha não é nada disso. E por mais bela que seja a Giralda iluminada pela lua cheia, ela é apenas o campanário da catedral: nenhum fantasma de muezim convoca os falecidos fieis lá do alto. É preciso despojar Sevilha desses atavios com que a imaginação pré-romântica e romântica falseou cada rua. É preciso andar por essas ruas sem ouvir castanholas imaginárias, sem fabular leyendas negras, sem entoar árias bufas nem temer punhaladas trágicas.

Sevilha é a Calle Sierpes, com suas livrarias, docerias e lojas de chapéus. É a faísca que reverbera no ouro velho dos altares da Igreja do Salvador. São os peixes dourados no Parque Maria Luísa. É a Fnac da Avenida de la Constituición. São as lojas fechadas por causa da siesta ou por causa da crise. São os pátios frescos e as laranjas.  As equipes de remo que treinam no Guadálquivir. Os tartéssios e turdetanos do Museu Arqueológico. O pôr-do-sol na Ponte de San Telmo no sentido de quem sai da Puerta de Jeréz e segue para Triana. Os cacarecos da Expo 92 na ilha da Cartuxa e a feiúra do Metropol Parasol: o alto preço a ser pago por toda província ansiosa por afetar modernidade.



Uma antologia 

Sevilha está nos poetas que lá nasceram ou viveram: Don Antonio Machado, Don Luís Cernuda e Don Juán Cabral de Melo Nieto. O nosso cônsul em Sevilha, a pretexto de exercer tarefas diplomáticas, viveu ali por muitos anos. À noite, ele costumava resolver crimes na Calle Relator; ao meio-dia, ele aguardava o cão sem plumas do Guadálquivir transformar-se, sob a chapa ígnea do sol, noutro cão sem plumas, um que escorre como um óleo e se chama Capibaribe. É do nosso Don Juán Cabral essa sevilhana portátil que ora vos ofereço.


Sevilha de bolso
Carregamos Sevilha os dois
Quem foi e quem lá nunca foi.
(Sevilha Andando)



A Sevilhana que não se sabia
São em Sevilha as glorietas.
Essas praças de bolso, feitas

Para se ir escutar o tempo
Desfiar carretéis de silêncio
(Sevilha Andando)


Sal interior
Não viria ela também
De certo fundo, de um núcleo
Que no fundo finge a luz
E traz no dia o escuro?
(Sevilha Andando)


Cidade Cítrica
Sevilha é um grande fruto cítrico,
Quanto mais ácido, mais vivo.

Em geral, as ruas e pátios
Arborizam limões amargos.

Mas vem da cal de cores ácidas,
Dos palácios como das taipas,

O sentir-se como na entranha
De luminosa, acesa laranja.
(Andando Sevilha)


O Arenal de Sevilha
Já nada resta do Arenal
De que contou Lope de Veja
A Torre do Ouro é sem ouro
Senão na cúpula amarela,

Já não mais as frotas das Índias
E esta hoje se diz América;
Nem a multidão de mercado
Que se armava chegando elas.
(Andando Sevilha)


Calle Sierpes
Sevilha tem bairros e ruas
Onde andar-se solto, à ventura

Mas há uma rota obrigatória
Como as do comércio de outrora

E esta se chama Calle Sierpes
Apinhada de leste a oeste.
(Andando Sevilha)


O Museu de Belas Artes
Este é o museu menos museu.
No Convento de Las Mercedes,
Palácio de tijolos frescos
Nada há de Convento nele.

Há jardins internos e fontes
Surtindo águas vivas em fios
e a enorme luz que se abre invade
tristes Cristos, sombrios bispos

Mas as santas de Zurbarán,
Lado a lado, entre as janelas,
Ficam lindas, assim lado a lado
Como misses na passarela.
(Andando Sevilha)


O Sevilhano e o Trabalho
Voltando da pá ou da enxada
Diz: “Vengo de echarme una siesta”.
(Andando Sevilha)


A Catedral
Lá se admira a terceira tumba
de Colombo, como outras, falsa



Os infundios do Sevilhano
Os infundios não são mentiras,
Nem tampouco a verdade estrita.

O sevilhano que o comete
Não tem má fé nem interesse.

É o uso da imaginação
Que borda sobre um fato chão

O que lhe parece mais real
Pois a verdade há-de ter sal

E ele a traduz no que gostaria
Que fosse, porque ali há mais chispa.
(Andando Sevilha)


Autocrítica
Só duas coisas conseguiram
(des)feri-lo até a poesia:
O Pernambuco de onde veio
E aonde foi, a Andaluzia.
Um, o vacinou do falar rico
E deu-lhe a outra, fêmea e viva,
Desafio demente: em verso
Dar a ver Sertão e Sevilha
(Escola de Facas)



As ruas

As ruas

 
As ruas

As ruas

As ruas

A Catedral : Puerta del Perdón

A Catedral: Patio de los Naranjos e Puerta del Perdón

A Catedral: a Giralda

A Catedral e a Giralda

A Catedral vista da entrada do Real Alcázar. À esquerda, Arquivo Geral das Índias


Torre do Ouro


Torre do Ouro

Equipes de remo no Guadalquivir


Ponte de Alamillo


Real Alcázar



Real Alcázar
Plaza de España

Plaza de España

Plaza de España

Plaza de España


Museu Arqueológico

Altar da Igreja do Salvador

Centro Andaluz de Arte Contemporáneo

Centro Andaluz de Arte Contemporâneo

Monumento del Campeador

Suposto túmulo de Cristovão Colombo na Catedral de Sevilha








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